Coleção pessoal de MESSIASCORREIA

Encontrados 20 pensamentos na coleção de MESSIASCORREIA

É preciso olhar a flor dias a fio até enxergá-la.
Não é uma tarefa fácil.
Olhar a flor e ver a flor é um exercício da alma.

O eremita é aquele que busca se libertar do homem trivial e se elevar, na descida de si, para a terrível visão de uma face escondida.

Nutro uma desconfiança das multidões. Não há nelas atratividade e inteireza. Pela multidão não se chega ao centro do ser, mas o marginaliza. Na multidão, quase sempre, não se observa a sacralidade da linguagem; é próprio dela o desperdício das palavras. Curar-se das multidões, dentro e fora, eis um efeito da vida escondida.

A FORMIGA E O DIVINO

Há apenas uma formiga ocupando a catedral
A catedral estava dentro da formiga
Em seu ventre dormia o divino

PREGUIÇA

Não é preguiça.
É vertigem de mosquito que me abate
É silêncio de lesma que me atravessa.

RIACHO

Puxei com dois dedos a ponta do riacho e ele rio
Não entendi a causa do seu humor.
Vi que os peixes saltavam fazendo-lhe cócegas em seu ventre...
O rio chorava e corria.

O POETA E O RIO


O poeta não cobiça o peixe
lança a rede para capturar o rio
e feliz regressa pleno de nadeiras

Na tristeza da margem
o rio atravessa-lhe a nado
e do outro lado, córrego

A QUEDA DE DEUS

Vi quando Deus caiu da vagem
O vento a partiu e o divino se fez visto em queda
Até aquele momento estava em segredo
Dele não se tinha notícia
Pois a vagem era seu esconderijo
Foi o vento que desnudou o corpo de Deus
Ao tocar o solo era uma canção inaudível
Os insetos ouviam e se alegravam
As flores captavam a presença em pétala
Os pintassilgos saltitavam e repetiam
Os matos, em valsas, celebravam a queda de Deus
A queda de Deus encheu de humor a gaivota
O pássaro no arame esticado
E as formigas em fileiras visitavam
A queda de Deus foi o espetáculo daquela tarde
Ele se arranhou um pouco
Sujou suas vestes brancas
Mas amei Vê-lo caindo.

A NUDEZ DO NADA

Não há lados
Os olhos não avistam
Suspensão de toda consciência
Apenas o Vazio pleno do Ser
O desabrochar Eterno do Nada
O Vazio gera e espera nascer a não-parte de si.
A nudez do Nada obscena
O ritmo da palavra se encolhe ao Não-Definido
O silêncio do mundo ensaia O Vácuo Existente
No Vazio, Tudo É.

O OCO

Onde está o prazer em opinar sobre tudo?
Sou douto em vazios
Especializei-me em nada
Discursar sobre coisa alguma me completa
Passo horas imaginando o oco
Sou ocológico em exercício
Levanto o dedo para a face do vácuo
A consciência expande cata-vento
Do que digo, nada se aproveita:
há uma variação entre o nada e o coisa nenhuma.

Tudo é mistério! Um vendaval se forma em quietude. Um turbilhão que arde e reinflama. Deus no humano, o humano em Deus, um desejo que grita e cala, uma palavra que diz e some. Uma ânsia e uma busca ininterrupta. Assim é o místico! Tendo encontrado Deus, não o encontrou. Tendo Deus nele habitado, o torna vazio. Beija a divina face sempre em despedida, acaricia sua face em espelho, contempla-O sem visão enquanto fé. É o mais comum dos humanos, trivial, cotidiano e orvalha o infinito. Não sabe dizer senão descodificando e sua lógica é um susto, um soluço.

O místico é a harpa do Espírito. Do seu centro surge uma melodia que não vem dele mesmo, pois nele vibra o Eterno. Do místico não se espera coisa alguma, pois ele não tem coisa alguma a oferecer, Deus não é coisa- Nele se irradia o totalmente Outro.

O místico é alguém que em Deus procura Deus. É um lançado no abismo da fé e que se alegra na distância do divino e sente saudade quando perto. Um sinal de contradição para si mesmo, na clara evidência do divino. Em seu coração a intensa luz de Deus obscurece. O místico não interpreta Deus, contempla-o. Não o ver quando mira os olhos em sua face. Nele, tudo é distância e unidade. O paradoxo do místico diz da sua própria experiência de Deus. Ele é, por natureza, um sinal de contradição. Sua palavra e silêncio "é paradoxal", uma in-explicação do divino.

O místico, enquanto caminha, seu próprio chão se abisma. Seus pequenos passos alargam-se em mistério. Ele não caminha, é o mistério que lhe atravessa. Ele caminha lentamente, pois já encontrou o que não encontrou e conhece o que desconhece.
O Místico é uma seta apontada para o vazio, uma flecha presa ao arco e cravada no exato ponto invisível.

A planta tem vida quando fincada a terra. Enquanto suas raízes percorrem os abismos e a escuridão do solo, todo resto se dirige à luz. As folhas se estendem ao céu e suplica-lhe luz e chuva. Quão distante do sol – a copa da planta existe. Assim é o Místico.

Do místico não se espera coisa alguma. Dele exala apenas o vazio. Seu olhar é abismo e seu semblante nostalgia. É um pobre andarilho. Falta-lhe até mesmo a palavra. Não há o que aplaudir ou prestar-lhe homenagem, pois seu ser beira a inexistência.

o místico experimenta as delícias de Deus, quase sempre sem paladar. A graça aguça os recipientes dos seus sentidos elevando-os a profundidade de Deus. De outro modo, retira-lhe todo vigor e obscurece as faculdades a ponto do não–sentir. O não-sentir Deus é uma das formas mais profundas de estar com Ele, pois excede toda explicação.

O silêncio é a redenção da palavra e a sombra onde a linguagem descansa.

Devemos falar de Deus sem excesso. Quando falamos excessivamente sobre Deus, Ele desaparece. Em seu lugar erguemos nosso próprio monumento e nos tornamos manipuladores. A quietude é a linguagem mais adequada para falarmos de Deus, uma vez que é assim que Ele se comunica aos homens. Deus é quietude! Nós o anunciamos com barulho e deformamos sua beleza. Não em si, mas em nossa percepção.

EM BUSCA DA DESCRENÇA

Crendo padeço de distância
O melhor mesmo é descrer por ser
Acreditar em Deus é distância
Almejo o não crer por união
Em Deus dispensam-se as formalidades
Em Deus cala-se o ser
E não mais se ora
Essa transverberação do eco
A profunda oração é quando se é
Em Deus não se quer Deus
Não se quer dons e favores
Em Deus ausentam-se milagres
Imagens
Códigos
Estruturas
Hierarquias
Dissolvem-se o que não é Deus, em Deus
Em Deus progredimos para pura fragrância
E se alcança a evaporação
Depois disso nada se sabe
Em estado último de consciência
Em Deus não há templo
Multidões
Barulhos
Debates
Nem mesmo silêncio
Há vazio de ego e Eu pleno
Não há centro e dimensões
Em Deus a consciência cai em abismo
Não há abismo e queda
Não há pai, mãe e número
Luz e escuridão
Em Deus não há Ele mesmo
Nele somos inaudíveis
No mundo tudo é ponte
O graveto
A folha
A ferrugem
A penugem
Vês aquela pluma?
Nela se abre uma passagem
E ao pisar a grama se tem notícia
Ao transpassar o mundo desnuda
E aonde se chega não é
Em Deus não se chega
Creio em Deus negando-O.
Não em Si, mas em meu entendimento.