Coleção pessoal de marcelo_monteiro_4

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O LIVRO DOS MÉDIUNS.
A AÇÃO DOS ESPÍRITOS SOBRE A MATÉRIA COMO LEI NATURAL.

O trecho apresentado de O LIVRO DOS MÉDIUNS, de Allan Kardec, capítulo primeiro, constitui uma das exposições mais sólidas e metodicamente construídas acerca da possibilidade das manifestações espirituais enquanto fenômeno natural e racionalmente explicável. Longe de recorrer ao maravilhoso ou ao misticismo ingênuo, o texto estrutura-se segundo um encadeamento lógico que respeita a tradição filosófica, a observação empírica e o testemunho histórico.

No item cinquenta e dois, o autor parte de uma exclusão fundamental. Rejeitada a interpretação materialista, não por crença, mas por insuficiência explicativa diante dos fatos, resta a indagação essencial sobre a sobrevivência da alma e sua capacidade de manifestar-se aos vivos. A argumentação é clássica e profundamente tradicional. Kardec recorre à universalidade da crença nos Espíritos ao longo dos séculos, presente em todos os povos e épocas, sustentando que uma intuição tão perene não poderia subsistir sem fundamento real. Aqui, o passado não é visto como erro a ser superado, mas como acervo de sabedoria acumulada.

O autor assinala ainda que o ceticismo moderno não nasce do excesso de razão, mas da ignorância acerca da natureza dos Espíritos e dos mecanismos de sua ação. Uma vez compreendido o como e o porquê, as manifestações deixam de ser extraordinárias e passam a integrar a ordem dos fatos naturais. Esta é uma inversão decisiva. O fenômeno não é negado por ser estranho. Ele é compreendido quando sua causa é conhecida.

Nos itens cinquenta e três a cinquenta e cinco, Kardec estabelece a tríade antropológica clássica do Espiritismo. Espírito, corpo e perispírito. O ponto nuclear está no perispírito, definido como envoltório fluídico semimaterial que liga a alma ao corpo e persiste após a morte. Esta concepção resolve a aparente contradição entre um princípio imaterial e sua ação sobre a matéria. O Espírito não age diretamente sobre o mundo físico, mas por meio desse intermediário, assim como o homem age por meio de seus órgãos.

A descrição do estado do Espírito logo após a morte é particularmente significativa. O autor relata a perturbação inicial, a ilusão de ainda estar vivo, a percepção do próprio corpo abandonado e, posteriormente, a sensação de leveza e libertação. Nada disso é apresentado como fantasia. Trata-se de observações reiteradas, coerentes e concordantes, colhidas em diferentes circunstâncias. A conclusão é inevitável. A alma não deixa tudo no túmulo. Leva consigo um princípio organizador que preserva a individualidade.

Nos itens cinquenta e seis e cinquenta e sete, a forma humana do perispírito é abordada com sobriedade e coerência doutrinária. A forma não é produto do corpo físico, mas modelo arquetípico do ser humano, válido em todos os mundos. A plasticidade do perispírito explica as aparições, o reconhecimento dos Espíritos e os fenômenos de tangibilidade. As mãos que tocam, aquecem, deixam marcas e desaparecem não são ilusões sensoriais, mas manifestações de uma matéria em estado extremamente sutil, capaz de alternar entre condições sólidas e fluídicas.

Por fim, nos itens cinquenta e oito e cinquenta e nove, Kardec encerra o raciocínio com uma analogia científica impecável. Se forças invisíveis como o ar, o vapor e a eletricidade produzem efeitos tão poderosos sobre a matéria densa, não há incoerência alguma em admitir que o Espírito, utilizando o perispírito e o fluido universal, possa agir sobre objetos físicos. O que antes parecia sobrenatural dissolve-se à luz do conhecimento, exatamente como ocorreu com tantos fenômenos outrora atribuídos ao mistério.

Este capítulo não apenas explica as manifestações espíritas. Ele restabelece a dignidade da razão aliada à tradição, mostrando que a ciência do Espírito não rompe com o passado, mas o ilumina. E quando a verdade se impõe sem violência, ela não espanta, apenas esclarece, convidando o espírito humano a caminhar com serenidade rumo à sua própria transcendência consciente.

O BOM PASTOR, A COLHEITA E O TRABALHADOR FIEL.
UMA LEITURA BÍBLICA À LUZ DA CODIFICAÇÃO ESPÍRITA.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

A expressão “Eu sou o bom pastor” situa-se no âmago da pedagogia moral do Cristo e encontra-se no Evangelho segundo João, capítulo 10, versículos 11, 14 e 15. Nela, Jesus não apenas se apresenta como guia espiritual, mas estabelece uma analogia viva entre o cuidado do pastor e a responsabilidade moral daquele que conduz consciências. O bom pastor conhece as suas ovelhas, vela por elas, antecipa perigos e, sobretudo, sacrifica-se quando necessário. Trata-se de um modelo de autoridade que não domina, mas serve, não explora, mas protege.

À luz do Espiritismo, essa imagem adquire densidade ainda maior. O pastor representa o Espírito que, já mais consciente da lei divina, assume compromisso com os que ainda caminham em graus iniciais de entendimento. Essa função não se confunde com privilégio, mas com dever, pois quanto maior o conhecimento, maior a responsabilidade moral. Tal princípio encontra respaldo em “O Livro dos Espíritos”, questões 614 a 621, quando se ensina que a lei de Deus se resume na prática do bem e que o homem responde pelo uso que faz do que lhe foi confiado.

Quando Jesus afirma “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos”, conforme o Evangelho segundo Mateus, capítulo 9, versículo 37, Ele desloca o olhar do indivíduo isolado para o campo coletivo da humanidade. A colheita simboliza o momento espiritual da Terra, madura para receber o ensino moral, enquanto os trabalhadores representam aqueles que se dispõem ao serviço desinteressado do bem. A escassez não é de recursos, mas de consciências verdadeiramente comprometidas.

Surge, então, a questão central. O que ocorre quando aquele que deseja servir ao Cristo com retidão não aproveita os ensejos oferecidos pelas analogias evangélicas. Aqui se impõe a enumeração das comparações utilizadas por Jesus, todas convergindo para a responsabilidade do servidor fiel.

Primeiramente, a analogia do pastor e das ovelhas ensina vigilância, cuidado e renúncia pessoal. Em seguida, a analogia da colheita remete à urgência do trabalho, pois o tempo oportuno não se repete indefinidamente. A parábola do trabalhador fiel e prudente, presente em Mateus capítulo 24 versículos 45 a 47 e em Lucas capítulo 12 versículos 42 a 46, reforça a ideia da constância no dever, mesmo na ausência aparente do senhor. Já a advertência “Dá conta da tua administração”, registrada em Lucas capítulo 16 versículo 2, amplia o sentido da prestação de contas para todos os recursos morais e espirituais confiados ao Espírito.

A imagem do sal da terra, exposta em Mateus capítulo 5 versículo 13, introduz uma analogia de natureza profundamente ética. O sal conserva, dá sabor e impede a corrupção. Quando perde suas propriedades, torna-se inútil. Sob o prisma espírita, isso significa que o conhecimento espiritual sem aplicação prática degenera em estagnação moral. Tal ensinamento é confirmado em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo 17, item 4, ao afirmar que o verdadeiro espírita reconhece-se pela sua transformação moral e pelo esforço que faz para domar suas más inclinações.

A própria formação natural do sal oferece uma lição silenciosa. Os depósitos salinos resultam de processos lentos e graduais, decorrentes da dissolução das rochas ao longo de milhões de anos. Essa lei natural do tempo e da maturação espelha o princípio da evolução progressiva dos Espíritos, exposto em “O Livro dos Espíritos”, questões 114 e 115, segundo as quais os Espíritos não são criados iguais em adiantamento, mas destinados a alcançar a perfeição por esforço próprio e sucessivas experiências.

No contexto hebraico antigo, o sal simbolizava aliança, fidelidade e compromisso moral. Toda oferta deveria ser temperada com sal, conforme Levítico capítulo 2 versículo 13, representando a incorruptibilidade do pacto com Deus. A chamada aliança de sal, mencionada em Números capítulo 18 versículo 19, reafirma a estabilidade da lei divina, que não se altera, mas se revela progressivamente à consciência humana. Essa permanência da lei moral encontra eco em “O Livro dos Espíritos”, questão 617, quando se ensina que a lei de Deus é eterna e imutável em seu princípio.

A parábola dos trabalhadores da última hora, narrada em Mateus capítulo 20 versículos 1 a 16, dissipa a falsa ideia de injustiça divina. O trabalhador não estava fora do campo, aguardava durante todo o dia no local de contratação diária, mas aguardava oportunidade que embora parecidamente tardia ela lhe chegou e ele fiel foi realizá-la. Segundo “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo 20, item 5, Deus considera a intenção reta e o esforço sincero, e não apenas a duração aparente do serviço. Cada Espírito é chamado segundo seu grau de adiantamento, sem privilégios arbitrários.

Entretanto, muitos trabalhadores, embora aptos, não são ou não se deixam aproveitar no momento da colheita. Por temor, orgulho ou apego a conveniências pessoais ou de daqueles que deviam mesmo lhes impulsionar onde mourejam , assim ambos acabam por comprometerem a própria tarefa. Assim, não é a ausência de capacidade que os inutiliza, mas a resistência moral, tal como o sal que perde o sabor por influência externa. Reflexões análogas encontram-se na “Revista Espírita”, ao tratar da responsabilidade individual e da influência moral dos Espíritos.

A formação da pérola, fruto de longa e silenciosa elaboração, oferece outra analogia instrutiva. Assim como ela não se produz instantaneamente, o Espírito não se aperfeiçoa em uma única existência. Esse princípio está claramente estabelecido em “O Livro dos Espíritos”, questões 132 e 167, ao tratar da finalidade da encarnação e da pluralidade das existências. Nada se perde do que pertence ao Espírito, pois as conquistas morais são patrimônio intransferível, conforme ensina “O Céu e o Inferno”, primeira parte, capítulo 7.

Dessa forma, o ensinamento “Vós sois o sal da terra” não se reduz a figura retórica. Ele convoca cada consciência à fidelidade prática ao bem, à coerência entre saber e agir, e à perseverança no serviço. O sal salga por natureza, assim como o bem se manifesta espontaneamente quando o Espírito se encontra afinado com a lei divina, mediante a reforma íntima contínua.

Assim compreendido, o Evangelho redivivo apresenta-se como chamado permanente ao trabalho consciente, no qual cada analogia de Jesus se converte em espelho moral. A colheita prossegue, os campos permanecem vastos, e o convite ao serviço fiel ecoa através dos séculos, conduzindo o Espírito, passo a passo, à sua elevação moral e à realização plena do destino que lhe cabe na ordem divina da vida espiritual.

" Você nunca será diferente daquilo que você foge. "

⁠" Enquanto o homem não descobrir o poder que o amor é ele será escravo e algoz de si mesmo. "

SOBRE A FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA - F.E.B.
Doze foram os fundadores da Federação Espírita Brasileira, unidos pelo ideal elevado de estruturar uma Instituição capaz de congregar o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em solo brasileiro. Entre esses pioneiros, além de Augusto Elias da Silva, destacam-se também Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio, Casimiro Cunha, Leopoldo Cirne e Antônio da Silva Neto, todos comprometidos com a consolidação doutrinária, moral e institucional do movimento espírita nascente.

Doze foram os fundadores da Federação Espírita Brasileira, que se uniram no ideal de criar uma Instituição que pudesse reunir todos no propósito do estudo, prática e difusão do Espiritismo no Brasil.
Augusto Elias da Silva foi um deles. Com data de nascimento desconhecida, sua desencarnação ocorreu neste dia, em 1903. Deixou-nos um legado na divulgação do Espiritismo com a criação do periódico “Reformador”, em circulação até os dias atuais.
A chapa desta fotografia foi tirada em seu ateliê fotográfico, que funcionava em sua residência, na Rua da Carioca, n. 114 a 120, no Rio de Janeiro (RJ).
Imagem em domínio público.
Toda quinta apresentamos um fragmento de nossa história.
Venha conosco.
#ConheçaaFEB #TBT #federacaoespiritaBR #espiritismoBR #espiritismo #comunicacaoFEB

AMIGOS. TÍTULO DE DOAÇÃO SILENCIOSA.
"Já não vos chamo de servos, mas de amigos"
(João 15:15)

" Esse é o título de maior grandeza qual poderíamos esperar receber do meigo Nazareno e pelo mesmo fazermos jus em toda nossa existência no corpo ou fora dele. "
Autor: Marcelo Caetano Monteiro .

Dentre os ensinamentos mais elevados e perenes de Jesus Cristo, há um que se destaca pela profundidade ética e pela exigência moral que impõe ao espírito humano. Em dado momento, afirmou o Mestre que “o verdadeiro amigo é aquele que dá a sua vida pela vida do amigo”.

Se tomarmos essa afirmação em sua literalidade rigorosa, seremos forçados a reconhecer a escassez de amigos autênticos na Terra. Pouquíssimos seriam capazes de entregar a própria existência física em favor de outrem. Contudo, o ensino do Cristo não se restringe ao plano biológico. Ele se projeta no campo simbólico, moral e espiritual da vida. Dar a vida não é apenas morrer pelo outro, mas viver para o outro. É dedicar tempo, energia, cuidado, escuta, renúncia e presença. Eis o labor silencioso da amizade verdadeira, tarefa que somente os amigos assumem com naturalidade e nobreza.

Essas amizades profundas, viscerais e estruturantes manifestam-se com frequência no seio da própria família. Não raramente, os maiores amigos dos filhos são seus próprios pais. A mãe que se anula em favor dos filhos, o pai que abdica do descanso, do lazer e do repouso para garantir escola, alimento, vestuário e dignidade. São existências que se doam integralmente, mesmo quando os filhos ainda não possuem maturidade para reconhecer tal grandeza e transformam-se, por vezes, em exigentes inconscientes do sacrifício alheio.

Esses pais representam o arquétipo do amigo maior. Oferecem tudo sem contabilizar retornos, e há um valor pedagógico imenso quando o filho percebe que não há cobrança, apenas entrega. A amizade autêntica percorre esse caminho da gratuidade, onde o amor não exige recibos nem garantias.

Por isso a amizade não se negocia, não se impõe, não se exige. Ela nasce da sintonia, da afinidade moral, da comunhão de sentimentos e da ressonância íntima entre consciências.

Os amigos apresentam-se sob as mais variadas formas. Há amigos religiosos e amigos ateus. Amigos de fé superficial e amigos de convicção profunda. Há os expansivos e os silenciosos, os simples e os sofisticados, os que transitam nos ambientes do prestígio social e os que vivem nas periferias da existência. Não importa a origem, a aparência ou o estatuto. Quando o coração pulsa de modo diferente na presença do outro, quando há alegria mútua no encontro, ali se estabelece a amizade.

A amizade assume relevância singular porque, muitas vezes, permite uma abertura maior do que a existente entre consanguíneos. Há temas íntimos, dores profundas e fragilidades que se expressam com mais liberdade diante do amigo do que no âmbito familiar. Isso não diminui a família, mas enaltece a função terapêutica e fraterna da amizade.

Justamente por isso, a amizade exige respeito. Não é lícito ferir com palavras, humilhar com censuras ou violentar emocionalmente aquele a quem chamamos amigo. Quanto maior o afeto, maior deve ser a delicadeza. A discordância é legítima, mas jamais pode converter-se em hostilidade. O verdadeiro amigo transita livremente na intimidade do outro sem profaná-la.

Ser amigo é, portanto, estar disposto a dar a vida no sentido moral do termo. Daí a amizade aproximar-se da irmandade. O amigo verdadeiro é um irmão de escolha consciente.

Essa alma irmã merece fidelidade. A amizade autêntica manifesta-se na constância, na presença nos dias claros e nos dias sombrios. Existem os chamados amigos ocasionais, que só se aproximam enquanto há vantagens, recursos ou prestígio. Quando a fortuna escasseia ou a visibilidade desaparece, eles se afastam silenciosamente.

Também é preciso reconhecer que, por vezes, nós mesmos falhamos como amigos, procurando-os apenas nos momentos de crise e esquecendo-os nos períodos de estabilidade. A ética da amizade exige reciprocidade contínua, não conveniência circunstancial.

Valorizamos aqueles que permanecem conosco em qualquer clima da vida. A fidelidade afasta a suspeita. Onde há amizade genuína, não deve haver desconfiança sistemática.

É fundamental não confundir amigos com colegas. O coleguismo limita-se ao espaço funcional, ao convívio circunstancial do trabalho, do esporte ou do cotidiano social. A amizade, por sua vez, pressupõe confiança, transparência, abertura e compromisso moral.

Nesse sentido, o ensino do Evangelho de João ilumina a compreensão da amizade quando registra as palavras do Cristo: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Tenho vos chamado amigos, porque tudo quanto aprendi de meu Pai vos tenho revelado”. Jesus define a amizade pela partilha, pela verdade oferecida sem máscaras, pela sinceridade que não oculta nem engana.

Evidentemente, trata-se de uma linguagem simbólica. O Cristo revelou tudo o que podíamos assimilar, respeitando nossas limitações intelectuais, morais e emocionais. A pedagogia do amor também ensina a dosar a verdade conforme a capacidade de quem a recebe.

Assim deve proceder o amigo. Ele compartilha o que edifica, guarda o que pesa excessivamente e jamais transfere ao outro um fardo que este não possa sustentar.

A amizade é quase irmandade. Ser amigo é ser irmão por afinidade espiritual e escolha ética. Por isso, cabe-nos ampliar o círculo da amizade sincera e reduzir, tanto quanto possível, os espaços da inimizade enquanto caminhamos na Terra, pois cada amigo verdadeiro é uma ponte silenciosa entre o que somos e o que ainda podemos nos tornar.

A PEDAGOGIA ESPIRITUAL DAS PARÁBOLAS DE JESUS.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro .

A CANDEIA E A RESPONSABILIDADE MORAL DA LUZ À LUZ DO ESPIRITISMO.

Mateus 5:15-16.
Marcos 4:21-25.
Lucas 8:16-18 e 11:33-36.

A Parábola da Candeia, conforme registrada nos Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas, constitui um dos ensinamentos mais densos e moralmente exigentes do Cristo. À luz da Doutrina Espírita, essa parábola adquire contornos ainda mais amplos, pois a luz ali mencionada não se restringe à crença exterior ou ao símbolo religioso, mas refere-se ao grau de consciência espiritual conquistado pelo Espírito em sua marcha evolutiva.

A candeia representa o conhecimento da verdade espiritual progressivamente revelada à humanidade. É a luz do Evangelho interpretado pela razão, iluminado pela fé raciocinada e confirmado pela experiência moral. Trata-se do patrimônio íntimo do Espírito que compreende as leis divinas e reconhece sua responsabilidade perante a própria consciência. Não é dom estático, mas conquista dinâmica, que exige aplicação constante no campo das relações humanas.

O esconder a candeia sob o alqueire ou sob a cama simboliza, sob a ótica espírita, a negligência moral daquele que conhece o bem, mas se omite em praticá-lo. É a dissociação entre saber e viver. O Espírito que já percebe as leis da causa e efeito, da responsabilidade pessoal e da solidariedade universal, mas permanece inerte, retém a luz apenas para si, retardando o próprio progresso e deixando de colaborar com a educação moral coletiva.

O velador, por sua vez, representa o lugar do testemunho consciente. Colocar a luz em destaque não significa proselitismo verbal, mas coerência existencial. É viver de tal modo que os princípios espirituais se expressem naturalmente em atitudes, escolhas e renúncias. No Espiritismo, a verdadeira propaganda da fé é o exemplo. A luz elevada não se impõe, mas convida. Ela esclarece sem ferir e orienta sem dominar.

Quando o Cristo afirma que os olhos são a lâmpada do corpo, adentra-se o campo da psicologia espiritual. Para o Espiritismo, os olhos simbolizam o modo como o Espírito interpreta a vida. Um olhar bom corresponde a uma consciência educada, capaz de discernir o bem mesmo em meio às provas. Um olhar enfermo traduz paixões desordenadas, ilusões do ego e apego às aparências transitórias. Assim, a luz que irradia do Espírito depende da qualidade moral com que ele percebe e interpreta a realidade.

O ensinamento acerca da revelação do que está oculto harmoniza-se plenamente com a lei de progresso. Nada permanece eternamente velado. O Espírito é convidado, existência após existência, a trazer à luz suas potencialidades adormecidas e também a enfrentar as sombras que ainda carrega. A verdade, cedo ou tarde, emerge, seja para libertar, seja para educar pela experiência reparadora.

À luz da Doutrina Espírita, a Parábola da Candeia é um chamado direto à responsabilidade evolutiva. Receber a luz do conhecimento espiritual implica compromisso com sua vivência. Não basta compreender as leis divinas, é necessário encarná-las no cotidiano, transformando o saber em virtude e a fé em ação consciente. A candeia acesa no íntimo do Espírito só cumpre sua finalidade quando ilumina o caminho próprio e o daqueles que caminham ao redor, contribuindo silenciosamente para a construção de um mundo moralmente mais lúcido e espiritualmente mais digno.

O ensinamento da candeia que não deve ser colocada sob o alqueire constitui um dos núcleos mais sofisticados da pedagogia moral de Jesus. Nele não se trata apenas de divulgação da verdade, mas do modo como a verdade deve ser oferecida à consciência humana. O Cristo não propõe um iluminismo abrupto, mas uma educação gradual da alma, respeitando as leis do progresso espiritual.

Quando afirma que ninguém acende uma candeia para ocultá la, Jesus estabelece um princípio universal. A verdade existe para iluminar. Contudo, ao falar por parábolas, Ele mesmo cria um véu simbólico. Esse aparente paradoxo é resolvido quando se compreende que a luz espiritual não pode ser violenta. A verdade imposta antes do amadurecimento interior produz resistência, medo ou negação. Allan Kardec esclarece esse ponto ao afirmar que toda revelação divina é progressiva e proporcional à capacidade moral e intelectual da humanidade. O Evangelho segundo o Espiritismo capítulo 24.

O cerne do artigo reside exatamente nessa adequação pedagógica. As parábolas não escondem a verdade. Elas a protegem. Funcionam como arquétipos morais que se adaptam ao nível de consciência de quem escuta. Psicologicamente falando, isso corresponde ao que hoje se compreende como assimilação simbólica. A mente humana integra primeiro imagens e narrativas antes de alcançar conceitos abstratos profundos. A psicologia analítica moderna reconhece que símbolos são instrumentos de amadurecimento psíquico e não obstáculos ao conhecimento.

Jesus afirma aos discípulos que a eles foi dado conhecer os mistérios do Reino. Não por privilégio arbitrário, mas porque já haviam desenvolvido disposição interior para tal. Léon Denis aprofunda essa ideia ao ensinar que o conhecimento espiritual é sempre consequência do esforço moral. A verdade não se concede. A verdade se conquista pela elevação do sentimento e da razão. Cristianismo e Espiritismo.

Outro ponto expressivo do texto é a advertência de que nada permanecerá oculto. Aqui não se fala de revelação externa, mas de maturidade interna. Quando a consciência desperta, ela mesma busca a luz. É nesse momento que colocar a candeia sob o alqueire torna se um erro. Joanna de Ângelis, dialogando com a psicologia profunda, ensina que a repressão do conhecimento gera conflitos internos, culpa neurótica e fé infantilizada. A fé que não dialoga com a razão adoece. Jesus e o Evangelho à Luz da Psicologia Profunda.

Raul Teixeira reforça esse ponto ao afirmar que a fé esclarecida é libertadora porque nasce da compreensão e não do medo. Quando a razão desperta e não encontra luz, o espírito desfalece. Por isso o Espiritismo surge historicamente como a retirada do alqueire, oferecendo explicações racionais sobre a vida, a dor, a justiça divina e o destino da alma.

Do ponto de vista da psicologia contemporânea, esse ensinamento dialoga com o conceito de desenvolvimento moral progressivo. Nenhum indivíduo salta da infância psíquica para a maturidade sem etapas. A espiritualidade saudável acompanha esse ritmo. A imposição precoce de conteúdos transcendentais gera dissociação ou fanatismo. A omissão prolongada gera vazio existencial.

Jesus portanto ensina quando calar e quando falar. O silêncio não é omissão. É estratégia de amor. A palavra não é virtude quando não encontra solo fértil.

CONCLUSÃO.

A candeia de Jesus não é uma tocha que incendeia consciências imaturas, mas uma luz colocada no ponto exato onde pode esclarecer sem ferir. As parábolas são o método do Cristo para respeitar o tempo da alma. Quando a humanidade atinge determinado grau de maturidade, ocultar a luz deixa de ser prudência e passa a ser negligência. Nesse estágio, a fé exige a razão, a crença pede compreensão e o espírito reclama verdade clara. Retirar o alqueire é um dever moral quando a consciência já aprendeu a olhar sem temer a luz.

“É principalmente em tuas mais profundas cicatrizes que a luz também entra.”

ONDE A LUZ SE INFILTRA.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.



“É principalmente em tuas mais profundas cicatrizes que a luz também entra.”


A afirmação não exalta a dor como virtude nem sacraliza o sofrimento como fim em si mesmo. Ela reconhece um princípio antigo da tradição moral e espiritual segundo o qual a fratura revela a verdade do ser. As cicatrizes não são apenas marcas do que feriu mas sinais do que resistiu. Nelas a consciência aprende a depurar-se, a soberba cede lugar à lucidez e o orgulho silencia diante do limite reconhecido. O que foi rompido abre frestas, e toda fresta é uma possibilidade de discernimento, pois somente o que foi atravessado pela experiência conhece o peso do real.


A luz não entra pela superfície intacta, lisa e protegida, mas pela matéria que já conheceu a noite e sobreviveu a ela. Há aí uma pedagogia severa e antiga: o humano cresce quando aceita ver-se sem ornamentos, quando consente em olhar suas falhas sem cinismo e suas quedas sem desespero. A cicatriz não é a negação da beleza; é a sua maturação ética. Onde houve rasgo nasce responsabilidade. Onde houve dor desperta-se a vigilância interior.


Assim, a luz que entra não ilumina para consolar, mas para ordenar. Ela não promete repouso fácil, mas clareza. E nessa clareza o espírito aprende que a verdadeira elevação não se dá pela ausência de feridas, mas pela dignidade com que se transforma o que sangrou em fonte de consciência, pois é nesse ponto exato que a alma, depurada, começa a erguer-se com firmeza e sentido.

A ARTE DE OUVIR QUANDO O MUNDO GRITA.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

(Os alarmistas são os que não prestam atenção aos suaves e verdadeiros sinais)

Há tempos em que o ruído se apresenta como virtude e a agitação como lucidez. Nesses períodos o alarmismo assume a aparência de cuidado enquanto a atenção verdadeira é confundida com passividade. Eleva-se o tom da voz mas empobrece-se o discernimento e o excesso passa a ocupar o lugar da compreensão.

Os sinais verdadeiros não se impõem pelo choque. Manifestam-se no encadeamento das causas na regularidade dos processos e na repetição discreta dos fatos que revelam uma direção. Exigem silêncio interior constância de observação e maturidade intelectual. Quem observa aprende. Quem se agita apenas reage.

O alarmismo nasce da ruptura entre percepção e entendimento. Incapaz de sustentar o tempo da reflexão o alarmista vive submetido ao instante e confunde urgência com verdade. Ao ignorar o que se anuncia lentamente perde a leitura do conjunto e se torna dependente do sobressalto.

Em oposição há os que vigiam sem alarde. Não por indiferença mas por disciplina. Eles reconhecem que a verdade raramente se manifesta de forma estridente e que as grandes transformações são precedidas por sinais quase invisíveis aos olhos apressados. Essa vigilância silenciosa não é inércia mas lucidez cultivada.

Assim o desfecho impõe-se com clareza lógica. Onde prevalece o ruído instala-se a confusão. Onde há escuta atenta forma-se o discernimento. Entre o clamor e o silêncio decide-se a qualidade do juízo humano e somente aquele que aprende a ouvir o que é discreto mantém-se firme quando o alarme se dissolve e a realidade permanece em silêncio e em clamor.

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO - O ORGULHO E A VAIDADE.
SOBRE O ORGULHO E A VAIDADE E A ILUSÃO DO DOMÍNIO INTERIOR.

ORGULHO E VAIDADE COMO DESAFIOS DA VIDA MORAL.

Procuremos examinar com serenidade e método dois dos defeitos que mais frequentemente se manifestam no psiquismo humano o orgulho e a vaidade. A análise desses estados morais exige disposição sincera para conhecê los em profundidade sem mascarar lhes os impulsos nem justificar lhes as expressões. A tolerância verdadeira inicia se no trato que dispensamos a nós mesmos pois ninguém se reforma por meio da autopunição mas pelo esclarecimento progressivo da consciência. O trabalho de prospecção interior portanto deve realizar se com brandura vigilante evitando tanto a complacência quanto a censura destrutiva.

Trazer aos níveis conscientes as manifestações impulsivas que ainda nos governam parcialmente é condição indispensável para que possamos educá las e controlá las. Não se trata de negar os defeitos mas de compreendê los em sua origem e dinâmica reconhecendo que o domínio interior não é fruto de repressão violenta mas de lucidez moral constante.

O ORGULHO À LUZ DA DOUTRINA MORAL

O orgulho constitui uma das mais antigas e persistentes imperfeições do espírito. Ele manifesta se quando o indivíduo passa a condicionar sua felicidade à satisfação do amor próprio e dos apetites grosseiros tornando se infeliz sempre que não consegue impor sua vontade ou preservar a imagem idealizada de si mesmo. Segundo os ensinamentos apresentados em O Livro dos Espíritos por Allan Kardec no exame das penas e gozos terrenos aquele que se prende ao supérfluo sofre intensamente diante das frustrações enquanto o espírito que relativiza as aparências encontra equilíbrio mesmo em situações adversas.

O orgulho induz o homem a julgar se mais elevado do que realmente é a rejeitar comparações que lhe pareçam rebaixadoras e a colocar se acima dos outros seja por inteligência posição social ou vantagens pessoais. Conforme se esclarece em O Evangelho Segundo o Espiritismo no capítulo dedicado à cólera o orgulho gera irritação ressentimento e explosões emocionais sempre que o eu se vê contrariado ou questionado.

Entre as características mais recorrentes do indivíduo predominantemente orgulhoso destacam se a hipersensibilidade às críticas a reação agressiva a observações alheias a necessidade constante de centralidade e imposição das próprias ideias a recusa em reconhecer erros e a dificuldade em abrir se ao diálogo construtivo. Soma se a isso o menosprezo pelas opiniões do próximo a satisfação presunçosa diante de elogios e a preocupação excessiva com a aparência exterior com gestos calculados e com o prestígio social.

O orgulhoso frequentemente acredita que todos ao seu redor devem girar em torno de si e não admite humilhar se por considerar tal atitude sinal de fraqueza. Recorre à ironia e ao deboche como instrumentos de defesa nas contendas e acaba por viver numa atmosfera ilusória de superioridade intelectual ou social que lhe impede o acesso honesto à própria realidade interior.

Na maioria dos casos o orgulho funciona como mecanismo de defesa destinado a encobrir inseguranças profundas limitações formativas conflitos familiares não resolvidos ou frustrações relacionadas à imagem social que o indivíduo construiu para si. Em vez de enfrentar tais fragilidades o sujeito identifica se com o papel que escolheu desempenhar no cenário social tornando se prisioneiro da própria representação.

VAIDADE COMO DESDOBRAMENTO DO ORGULHO

A vaidade deriva diretamente do orgulho e com ele caminha de forma próxima e complementar. Enquanto o orgulho se estrutura como convicção interna de superioridade a vaidade manifesta se como necessidade externa de reconhecimento e admiração. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo ao tratar das causas atuais das aflições ensina se que o homem muitas vezes é o responsável pelos próprios infortúnios mas prefere atribuí los à sorte ou à fatalidade para poupar a vaidade ferida.

Entre as expressões mais comuns da vaidade encontram se a apresentação pessoal exuberante no vestir nos adornos e nos gestos afetados o falar excessivo e autorreferente a ostentação de qualidades intelectuais físicas ou sociais e o esforço constante para destacar se aos olhos dos outros mesmo ao custo de provocar antipatia. Observa se ainda intolerância para com os que possuem condição social ou intelectual mais humilde bem como aspiração a cargos e posições que ampliem o prestígio pessoal.

O vaidoso revela dificuldade em reconhecer a própria responsabilidade diante das adversidades e tende a obstruir a capacidade de autoanalisar se culpando a má sorte ou a injustiça do destino por suas dores. Essa postura impede o amadurecimento moral e favorece a cristalização do defeito.

A vaidade atua de modo sutil infiltrando se nas motivações aparentemente nobres. Por essa razão constitui terreno propício à influência de espíritos inferiores que se aproveitam da necessidade de destaque para gerar perturbações nos vínculos afetivos e sociais. Todos trazemos em nós alguma parcela de vaidade em diferentes graus o que pode ser compreensível até certo limite. O perigo reside no excesso e na incapacidade de distinguir entre o idealismo sincero voltado a uma causa elevada e o desejo oculto de exaltação pessoal.

DIMENSÃO PSICOLÓGICA E MORAL DA VAIDADE

As manifestações externas da vaidade revelam quase sempre uma deformação na relação do indivíduo com os valores sociais. Quanto mais artificiais se tornam a aparência os gestos e o discurso maior costuma ser a insegurança íntima e a carência afetiva subjacente. Muitas dessas fixações originam se na infância e na adolescência quando modelos idealizados de sucesso e felicidade são assimilados sem discernimento crítico.

O vaidoso frequentemente não percebe que vive encarnando um personagem. Seu íntimo diverge da imagem que projeta e essa dualidade produz conflitos silenciosos. Há sofrimento interior e desejo de encontrar se mas também medo de abandonar a máscara que lhe garantiu visibilidade e aceitação. Com o tempo essa dissociação pode gerar endurecimento emocional frieza afetiva e empobrecimento do sentimento.

O aprendiz do Evangelho encontra nesse processo vasto campo de reflexão. A análise tranquila das próprias deformações permite identificar as raízes que as originaram e favorece o resgate da autenticidade interior. Despir se da roupagem teatral e assumir se integralmente constitui passo decisivo rumo à maturidade moral e à disposição sincera de melhorar sempre.

ORGULHO VAIDADE E DOMÍNIO INTERIOR

O orgulho não caminha por virtude mas por carência. Ele busca companhia porque teme o silêncio no qual a consciência poderia interrogá lo. Trata se de um afeto desordenado que se apresenta como força quando na realidade é fragilidade não confessada. Onde o orgulho se instala a segurança é simulada e o eu passa a representar um papel inclusive diante de si mesmo.

Convém recordar que os defeitos não são senhores autônomos da alma. Eles não governam por natureza mas por concessão. O erro fundamental do orgulhoso consiste em inverter a relação entre sujeito e atributo. O homem não é possuído pelo defeito ele o abriga o alimenta e o preserva como se fosse parte essencial de sua identidade. O que poderia ser corrigido passa a ser defendido e dessa confusão nasce a servidão moral.

A lucidez ética inicia se quando o indivíduo reconhece que possuir um defeito não equivale a ser definido por ele. O vício é acidente e não substância. Enquanto essa distinção não se estabelece o orgulho seguirá mal acompanhado aliado à negação à rigidez e à insegurança. Quando a razão reassume o governo interior o orgulho perde o trono e revela se apenas como um hábito suscetível de superação.

Assim a verdadeira elevação não nasce da exaltação do eu mas da coragem serena de reconhecê lo incompleto e perfectível pois somente aquele que se conhece sem ilusões caminha com firmeza rumo à imortalidade do espírito consciente.

SOBRE O ORGULHO E A ILUSÃO DO DOMÍNIO INTERIOR.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

O orgulho não caminha sozinho por virtude mas por carência. Ele busca companhia porque teme o silêncio onde a consciência poderia interrogá lo. Trata se de um afeto desordenado que se apresenta como força quando na verdade é fragilidade não confessada. Onde o orgulho se instala a segurança não é real mas simulada e o eu passa a representar um papel diante de si mesmo.

Convém recordar que os defeitos não são senhores autônomos da alma. Eles não nos governam por natureza mas por concessão. O erro fundamental do orgulhoso está em inverter a relação entre sujeito e atributo. O homem não é possuído pelo defeito ele o abriga o alimenta e o preserva como se fosse parte essencial de sua identidade. Essa confusão gera servidão moral pois aquilo que poderia ser corrigido passa a ser defendido.

A lucidez ética começa quando o indivíduo reconhece que possuir um defeito não equivale a ser definido por ele. O vício é acidente e não substância. Enquanto essa distinção não é compreendida o orgulho seguirá mal acompanhado pois se alia à negação à rigidez e à insegurança. Quando enfim a razão reassume o governo interior o orgulho perde o trono e revela se apenas como um hábito que pode ser superado.

Assim a verdadeira elevação não nasce da exaltação do eu mas da coragem serena de reconhecê lo incompleto e perfectível pois somente aquele que se conhece sem ilusões caminha com firmeza rumo à imortalidade do espírito consciente.

A GRAVIDADE INTERIOR DO EU QUE SE CONTEMPLA.
Do Livro: Primavera De Solidão. ano 1990.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

Conhecer a si mesmo não é um ato de curiosidade mas de coragem grave. É um chamamento silencioso que desce às regiões onde a alma se reconhece sem ornamentos. Nesse gesto há algo de ritual antigo como se o espírito precisasse atravessar sucessivas noites para alcançar uma única palavra verdadeira sobre si. Tal travessia não consola. Ela pesa. Ela exige recolhimento disciplina e uma fidelidade austera àquilo que se revela mesmo quando o que se revela é insuportável.

À maneira das grandes elegias interiores o sujeito que se observa descobre que não é senhor do próprio território. Há em si forças obscuras desejos sem nome medos que respiram lentamente à espera de serem reconhecidos. O eu que contempla torna-se estrangeiro em sua própria casa. E é nesse estranhamento que nasce a dor mais refinada pois não há acusador externo nem absolvição possível. O julgamento ocorre no silêncio e a sentença é a lucidez.

O sofrimento aqui não é ruído mas densidade. Ele se instala como uma presença fiel. Há quem o cultive com devoção secreta. Não por prazer mas por hábito. Sofrer torna-se uma forma de permanecer inteiro quando tudo ameaça dissolver-se. Assim o masoquismo psíquico não é escândalo mas estrutura. O indivíduo aprende a morar na própria ferida como quem habita um claustro. Conhecer-se plenamente seria abandonar esse espaço sagrado de dor organizada.

Quando alguém ama e tenta conhecer o outro por dentro rompe-se o cerco. O amor não pergunta se pode entrar. Ele vê. Ele nomeia. Ele permanece. E justamente por isso é rejeitado. Não porque fere mas porque revela. Ser amado é ser visto onde se preferia permanecer oculto. O outro torna-se espelho e nenhum espelho é inocente. Ele devolve aquilo que foi esquecido de propósito.

Há então uma violência silenciosa contra quem ama. Um afastamento que se disfarça de defesa. O amado é punido por tentar compreender. O gesto mais alto de amor torna-se ameaça. Como nos poemas mais sombrios da tradição lírica a alma prefere a solidão conhecida ao risco da comunhão. Pois compartilhar o precipício exige uma coragem que poucos possuem.

Essa recusa não é fraqueza simples. É lucidez sem esperança. É saber que o autoconhecimento não traz salvação imediata apenas responsabilidade. Ver-se é assumir-se. E assumir-se é perder todas as desculpas. Por isso tantos recuam no limiar. Permanecem à porta da própria verdade como sentinelas cansadas que temem entrar.

Ainda assim há uma nobreza trágica nesse esforço interrompido. Pois mesmo falhando o ser humano demonstra que pressente algo maior em si. Algo que exige recolhimento silêncio e um tempo longo de maturação. Como frutos que amadurecem na sombra a alma só se oferece inteira quando aceita a noite como condição.

Conhecer-se é um trabalho lento sem aplausos. Um exercício de escuta profunda em que cada resposta gera novas perguntas. Não há triunfo. Há apenas a dignidade de permanecer fiel à própria busca mesmo quando ela dói. E talvez seja nesse permanecer que o espírito encontra sua forma mais alta não na fuga da dor mas na capacidade de atravessá la com consciência e gravidade.

CÂNTICO DE GRATIDÃO INTERIOR.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

Agradeço por tudo o que me foi dado, até mesmo pelo que chegou envolto em sombras. Cada instante, claro ou turvo, veio como lição silenciosa moldando a tessitura do meu espírito. Agradeço pelo alento que sustém a vida, pela respiração que me devolve ao presente, pela claridade que insiste em nascer mesmo sobre o solo das inquietações humanas.

Agradeço pelo que floresceu e pelo que se desfez. O que se perdeu ensinou a escuta interior. O que permaneceu ensinou a fidelidade aos valores que silenciosamente me sustentam. Agradeço pelas mãos invisíveis que orientam meu passo quando minha visão declina. Agradeço pelos intervalos de quietude onde a alma se aquieta e reencontra sua própria dignidade.

Agradeço pela dor que me depurou, pelo amor que me elevou, pela esperança que murmura mesmo quando o dia se apaga cedo. Agradeço pelo caminho, ainda que irregular, porque nele encontro o chamado para ser mais íntegro e mais consciente.

Agradeço pela vida que pulsa sem alarde. Agradeço pela força que me atravessa. Agradeço pela presença silenciosa que me envolve como claridade antiga. Agradeço porque, no íntimo, descubro que tudo o que me toca deixa algum vestígio que amplia minha compreensão e aprofunda meu sentido de existir.

E ao agradecer, ergo minha voz íntima ao que me transcende, reconhecendo que cada passo, cada pensamento e cada amanhecer se unem como fios de uma mesma tapeçaria espiritual. Assim sigo, com o coração inclinado, celebrando a grandeza do simples e a grandeza do eterno que habita em mim, avançando rumo à luz que concede a sensação mais rara de perdurável imortalidade.

A GEOGRAFIA SECRETA DO DESEJO.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

O convite não é súbito nem vulgar. Ele nasce da lenta consciência de que o corpo do outro não é apenas matéria oferecida ao toque, mas território onde a própria identidade reorganiza-se. Aproximar-se é um ato filosófico,estranho e secreto. Cada centímetro revelado desmonta antigas certezas e reconstrói-se o pensamento a partir da carne sentida.

O corpo amado deixa de ser limite torna-se linguagem. A pele já não conserva cor porque a cor pertence ao olhar comum e aqui não há superfície. Há profundidade. Há uma psicologia na ampulheta do gesto e uma ética no toque. O desejo não invade. Ele interroga. Ele escuta. Ele compreende antes de possuir.

Neste encontro não existe pressa. A tradição clássica desse desjo conhece o valor da espera e da contemplação. O olhar percorre como quem lê um tratado silencioso. O toque argumenta. O corpo responde. Cada aproximação formula-se como uma tese sobre o que significa existir para além de si no corpo de alguém amado, mesmo sem anular a própria essência.

A mente e o raciocínio não se ausentam. Pelo contrário. Eles observam o próprio abandono com lucidez. O prazer não dissolve-se do pensamento. Ele aprofunda-se. O outro torna-se espelho e amor de rendição. Nele a identidade expande-se sem perder-se. Nele o desejo alcança a dignidade da reflexão real.

Quando enfim o encontro completa-se não há triunfo nem posse. Há reconhecimento. Dois universos não fundem-se. Eles compreendem-se em silêncio e permanecem íntegros.

Amar assim é aceitar que o desejo mais elevado não quer consumir o outro, mas revelar aquilo que só existe quando dois corpos pensam juntos.

A SEGUNDA MILHA E O PERDÃO EVANGÉLICO SOB A ÓTICA ESPÍRITA.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro .

A seguir apresentam-se os capítulos e versículos bíblicos mencionados, acompanhados de comentários interpretativos à luz do Espiritismo, em consonância com a Codificação.

Lucas 6:29 a 30.
“Se alguém te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tomar a capa, não impeças que leve também a túnica. Dá a todo aquele que te pedir. E ao que tomar o que é teu, não lho tornes a pedir.”

À luz do Espiritismo, este ensino não se refere à anulação da dignidade pessoal, mas à superação do instinto de revanche. A Codificação esclarece que a violência gera violência e que o espírito só se emancipa quando rompe o ciclo do ódio. Oferecer a outra face significa não reagir moralmente ao mal recebido, libertando-se das paixões inferiores. Trata-se de uma atitude interior de domínio sobre si mesmo, virtude essencial ao progresso espiritual.

Mateus 5:4.
“E se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.”

Este versículo, núcleo simbólico da chamada segunda milha, encontra profunda correspondência com o princípio espírita da resignação ativa. A Codificação ensina que as provas difíceis são instrumentos de crescimento e que o mérito está na forma como o espírito as enfrenta. Caminhar além do imposto representa aceitar a prova sem revolta, transformando uma imposição injusta em exercício voluntário de amor e compreensão. Não é submissão cega, mas elevação moral consciente.

Mateus 5:44.
“Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem.”

O Espiritismo aprofunda este mandamento ao explicar que os inimigos de hoje são frequentemente espíritos ligados a nós por débitos do passado e os possíveis amigos de amanhã. Amar o inimigo é reconhecer que ambos se encontram em estágios diferentes da mesma caminhada evolutiva. Orar por quem persegue é enviar vibrações de equilíbrio e romper laços de animosidade que atravessam encarnações. Aqui o amor deixa de ser emoção e torna-se ciência moral.

Lucas 23:34.
“Pai, perdoa lhes, porque não sabem o que fazem.”

Neste clímax do Evangelho, o Cristo revela a compreensão plena da ignorância espiritual como raiz do mal. A Codificação afirma que o erro é sempre filho da imperfeição e que ninguém pratica o mal com lucidez plena do bem. O perdão de Jesus não nega a falta, mas compreende a limitação do espírito humano. Trata-se do modelo máximo de indulgência, apresentado como meta evolutiva para a humanidade.

Filipenses 3:13 a 14 e 20.
“Esquecendo me das coisas que atrás ficam e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação.”
“A nossa pátria está nos céus.”

Sob a ótica espírita, essas palavras refletem a consciência da imortalidade do espírito e da transitoriedade da vida corporal. A verdadeira pátria é o estado de harmonia moral que se conquista pelo aperfeiçoamento contínuo. Prosseguir para o alvo é avançar espiritualmente, superando quedas e aprendizados de múltiplas existências. O Espiritismo confirma que o progresso é lei divina e que nenhum esforço sincero se perde.

Conclusão.

À luz do Espiritismo, ir além do que nos pedem é um ato de lucidez espiritual. Não se trata de aceitar a injustiça, mas de não permitir que ela se instale no íntimo como rancor. A segunda milha é o espaço da libertação interior, onde o espírito escolhe crescer em vez de reagir, compreender em vez de condenar.

Esses ensinamentos não exigem perfeição imediata, mas sinceridade no esforço. Cada gesto de perdão alivia o fardo invisível da alma. Cada passo além do orgulho aproxima o espírito da paz que não depende das circunstâncias exteriores. Assim, o Evangelho e a Codificação convergem para uma mesma verdade consoladora. O amor compreendido e vivido é o caminho mais seguro para a restauração interior e para a esperança que sustenta a caminhada humana.

O MAL COMO FORÇA CONCEDIDA.
" O mal só possui a força que lhe é dada. "
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

A afirmação de que " O mal só possui a força que lhe é dada. " encerra uma das intuições morais mais antigas do pensamento ético.
Ela pressupõe que o mal não é um princípio autônomo nem uma realidade substancial
Trata-se antes de uma condição derivada que se manifesta quando a consciência abdica de sua vigilância.

Desde a filosofia clássica até as tradições morais mais severas compreende-se o mal como privação e não como criação.
Ele não edifica estruturas próprias
Apenas ocupa os espaços deixados pelo recuo da lucidez e da responsabilidade.

A força do mal não nasce de si mesma
Ela é transferida pela omissão pelo medo pela repetição do erro tolerado.
Cada concessão ainda que silenciosa converte uma fraqueza em hábito e um hábito em domínio.

No campo psicológico o mesmo princípio se confirma
Paixões desordenadas não vencem por superioridade mas por insistência consentida.
O que não é enfrentado com clareza moral acaba por adquirir musculatura emocional.

A ética tradicional sustenta que o enfrentamento do mal não se dá pelo embate ruidoso mas pela recusa interior.
Negar alimento àquilo que se nutre da dispersão é mais eficaz do que lutar contra suas aparências
Onde não há concessão não há permanência.

Essa compreensão preserva a dignidade humana ao afastar o determinismo moral.
Não reduz o indivíduo à condição de refém das circunstâncias.
Reconhece a responsabilidade sem transformar a culpa em desespero.

O mal revela-se assim como um parasita da consciência.
Sobrevive apenas enquanto lhe for permitido.
Quando a razão moral reassume o comando o que parecia poderoso dissolve-se por falta de sustentação e a existência reencontra seu eixo mais alto no qual a retidão não é esforço heroico mas consequência natural de uma consciência desperta e soberana.

HIC EST HOMO:
A SENTENÇA QUE CONDENOU A CONSCIÊNCIA DO MUNDO.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro .

A expressão latina “Hic est homo” não é mero enunciado histórico. Ela é um veredicto metafísico. Ao apresentá Lo assim, o poder político não descreve um corpo ferido apenas, mas revela o retrato acabado da humanidade diante da Verdade. Não é o Homem idealizado dos discursos triunfais, nem o herói das epopeias bélicas. É o Homem real, exposto, vulnerável, silencioso, carregando em si o peso moral de todos.

Nesse instante solene, a multidão não contempla um réu comum. Contempla a própria consciência refletida. O açoite que rasga a carne é o mesmo que rasga o pacto ético da civilização. A cruz não é somente instrumento de suplício, mas eixo simbólico onde se cruzam justiça e covardia, fidelidade e abandono, espírito e matéria.

Ao libertar Barrabás e entregar o Justo, a história não comete apenas um erro jurídico. Ela inaugura um padrão recorrente. Sempre que a verdade incomoda, prefere se soltar o criminoso confortável à verdade exigente. Sempre que a consciência exige transformação, escolhe se crucificar o que denuncia.

“Hic est homo” torna se, assim, uma sentença eterna. Eis o homem quando abdica da razão moral. Eis o homem quando negocia princípios por aplauso. Eis o homem quando teme mais a perda do poder do que a perda da alma. Contudo, paradoxalmente, eis também o Homem que redime, pois mesmo sob escárnio, não amaldiçoa, não revida, não se corrompe. O silêncio dEle é mais eloquente que qualquer acusação.

Ali, entre dois culpados, encontra se o Inocente. Não por acaso no centro. O centro é o lugar do equilíbrio, do sacrifício consciente, da pedagogia espiritual. A cruz central não acusa apenas Roma ou Jerusalém. Ela interpela cada época, cada sociedade, cada consciência individual.

“Hic est homo” permanece atual porque continua a nos perguntar, sem palavras, se escolhemos Barrabás ou se reconhecemos o Homem que nos convida à elevação interior. E enquanto essa escolha for adiada, a cruz continuará erguida no íntimo da história humana, aguardando que a consciência desperte para a sua própria busca pela vida verdadeira.

ARGOS E A VIGÍLIA DA FIDELIDADE ABSOLUTA.

O episódio de Argos constitui um dos momentos mais silenciosamente trágicos e moralmente elevados da narrativa antiga. Não é uma façanha de guerra nem um triunfo político que encerra a longa errância de Odisseu, mas o olhar cansado de um cão esquecido no limiar da casa que um dia foi nobre.

Após vinte anos de ausência, dez consumidos pela guerra e outros dez diluídos na provação do retorno, o herói chega à sua pátria reduzido à aparência de um mendigo. Tal metamorfose não é apenas corporal. Ela é simbólica. Odisseu regressa despojado de glória visível, privado de reconhecimento social, colocado à prova em sua essência moral. A casa está ocupada por usurpadores. A esposa está cercada. O reino encontra se em suspensão ética.

Argos, outrora um cão vigoroso de caça, fora abandonado num monte de esterco, negligenciado pelos servos que já não respeitavam a antiga ordem. Velho, doente e quase cego, conservava apenas aquilo que o tempo não pode corroer a memória do vínculo.

Quando Odisseu cruza o pátio, nenhum humano o reconhece. A aparência engana os olhos treinados para os signos do poder. Argos, porém, não vê com os olhos sociais. Ele reconhece pela presença essencial. Ao ouvir a voz e sentir o odor do seu senhor, ergue as orelhas, move a cauda com esforço e tenta aproximar se. Não ladra. Não chama atenção. Apenas confirma, em silêncio, que a fidelidade sobreviveu ao tempo.

Odisseu vê Argos. E nesse instante ocorre uma das mais densas tensões morais do poema. O herói que enfrentou monstros e deuses não pode ajoelhar se diante do próprio cão. Revelar se significaria colocar em risco o desígnio maior da restauração da justiça. Ele precisa seguir adiante. Contém as lágrimas. O silêncio torna se uma forma de sacrifício.

Argos, tendo cumprido sua vigília, morre. Não de abandono, mas de conclusão. Esperou o retorno para poder partir. Sua morte não é derrota. É cumprimento. Ele fecha o ciclo que a guerra abriu. Onde os homens falharam em reconhecer, o animal guardou a verdade.

Este episódio revela uma antropologia moral profunda. A fidelidade não depende da razão discursiva nem da convenção social. Ela nasce da constância do vínculo. Argos não exige provas, explicações ou aparências. Ele sabe. E ao saber, encerra sua existência.

A grandeza deste momento reside no fato de que o primeiro reconhecimento do herói não vem da esposa, nem do filho, nem dos aliados, mas de um ser esquecido, humilhado e descartado. A ética antiga ensina aqui, com sobriedade severa, que a verdadeira nobreza não está na glória visível, mas na lealdade que resiste quando tudo o mais se dissolve.

Argos não fala. Não combate. Não julga. Apenas espera. E ao fazê lo, torna se imortal na memória humana, pois há fidelidades que não atravessam o tempo para viver, mas vivem para atravessar o tempo, tocando a imortalidade daquilo que jamais traiu.

CREPÚSCULO DOS OLHARES QUE SANGRAM LUZ

Olho nos teus olhos e algo antigo desperta, como se a noite respirasse dentro do nosso peito. A lua inclina seu rosto sobre ti, oferecendo um lume pálido que se mistura à palidez de nossas almas que se procuram desde a penúltima dor. Há um frio doce que percorre o ar, um silêncio que se esculpe em nossas carnes como um sacramento soturno.

A única lágrima que guardamos nos recônditos mais ocultos se desfaz lentamente, como se abrisse uma fresta entre dois mundos. Não é apenas lágrima. É o resto de uma saudade que jamais encontrou nome, é a memória de um pacto selado quando ainda éramos apenas um rumor de espírito à beira de outro universo.

O romantismo aqui não é júbilo. É ferida luminosa. É o toque místico do invisível que paira entre nós, sussurrando que o amor nunca é de superfície, mas sempre de abismo. E é no abismo que te encontro, envolto em uma aura de noite eterna e, ainda assim, como se guardasses o pressentimento de uma alvorada impossível.

Tu esperas por mim. Eu espero por ti. Somos dois vultos que caminham por corredores espirituais, cada qual trazendo no peito a impressão de que a vida inteira foi apenas prelúdio para este instante. A lua testemunha. Os recônditos aquiescem. E o amor é profundamente nosso, que se eleva como neblina sagrada que se recusa a morrer.