Coleção pessoal de GabrieldeArruda

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⁠Devo morder minha língua ante a estupidez triunfante? Que espécie de verdade morreria de vergonha por ferir almas raquíticas? Não! Se vossas almas se esfacelam ao toque da verdade, não é minha língua que deve sangrar — são vossas certezas que merecem apodrecer!

⁠A vida não examinada ilude, a examinada deprime.

À medida que as IAs generativas se alimentam incessantemente de nossos dados, somos confrontados com uma crescente fome de autenticidade nas expressões criativas. Não acredito que o conceito de 'morte' da arte seja uma ideia alarmista, mas sim uma provocação. O que restará de nossa humanidade quando entregarmos a elas não só a capacidade de criar, mas também o processo criativo que é, por essência, uma expressão intrínseca da experiência humana? Estamos, talvez, trocando nossa singularidade por uma simulação do que éramos.

⁠Não fiz o que queria,
porque nunca soube o que queria.
Não amei o que deveria,
porque nunca soube se deveria.
E, entre esse "dever" e esse "querer",
perdi-me.

Perdi-me entre o ser e o parecer,
onde se estendia um campo de batalha,
onde todas as minhas vontades desertavam
antes mesmo do primeiro tiro, deixando apenas as bandeiras plantadas
em território nenhum.

As pessoas vivem.
Eu assisto ao filme mudo da existência alheia,
da poltrona desconfortável da minha consciência —
esta cadeira de espinhos
que chamo de "eu".

Elas vivem de migalhas e festas,
de segundas-feiras sem graça,
de desejos medíocres,
de pecados sem culpa.
E eu tenho mais sonhos que noites,
mas nenhuma janela para voar.

Ah, se ao menos me dessem
um riso emprestado,
um amor qualquer,
uma vida sem importância —
eu a aceitaria como um mendigo
aceita a última moeda que não compra nada,
mas faz tilintar no bolso.

Mas não me deram.
E agora,
o que me resta
é escrever versos, poesia que ninguém lerá
num caderno que ninguém encontrará.

Talvez eu mesmo tenha sido
apenas um rascunho de homem, aquela primeira página arrancada
e amassada no cesto de papel,
onde Deus joga os projetos inacabados.

Há todo um universo que não me pertence,
todo um dolorido e quieto
não-viver.

As pessoas passam — não como rios, mas como garrafas vazias
rolando no asfalto.
Não tive paixões — tive asterismos.
Constelações de desejos que nunca se tocaram.

Quando a noite aperta o cerco como um credor implacável,
e os últimos faróis se apagam como velas num bolo de aniversário não comemorado,
eu desenterro meus mortos
e faço-lhes dançar ao som de um órgão de rua.

Tenho mais sonhos que o céu tem estrelas,
mas nenhum chão onde plantá-los.
Ter todos os apetites e nenhum dente,
todas as fomes e nenhuma boca.

Eu, notário do amor não consumado,
registrava em ata o que nunca aconteceu —
protocolos de beijos não dados,
autos de carícias não realizadas,
processos de encontros
que permaneceram eternamente
na sala de espera do destino.

Enquanto, lá fora, implacável como um metrô noturno,
a Realidade segue, indiferente,
passando sem parar pela minha estação.

⁠A arte é o véu dourado que oculta, por breves momentos, o rosto grotesco da existência.

⁠Na calçada onde o concreto se racha,
Sob passos apressados, vejo figuras:
Mendigos, esses monumentos esculpidos pela dor e pelo abandono,
Partes da paisagem, sombras de aversas.
Estátuas esquecidas em praças que ignoramos,
Com rostos e histórias, mas nós, indiferentes,
Passamos como se o tempo não os reclamasse,
Mergulhando na rotina, nas horas lentas.
Hoje me interrogo: o que é ser visível?
A roupa que visto, o bem que acumulo,
É só camuflagem, armadura que me isola.
Sob essa fachada, frágil e cativa,
Sinto a tênue linha entre ser e não ser. Vida miserável...
Eu, que me nomeio alguém, sou apenas um rosto entre muitas máscaras,
Um nome sem significado na memória do mundo.
Se eu me apagasse, quantos chorariam a ausência?
A vida seguiria, indiferente às minhas lutas.
Um mendigo cai, e a rua devora o corpo,
Com a mesma indiferença que o ignorou em vida.
Passam as gentes, a calçada permanece,
E a vida avança, sem pausas, sem lamentos.
A invisibilidade é pena pesada;
E eu, tão próximo desse triste destino,
Percebo que o meu endereço é só um nome,
Uma casa, talvez, mas não um lar.
Fernando disse sabiamente: “Hoje não há mendigo que eu não inveje,
Só por não ser eu.” Na imensidão citadina,
Todos somos mendigos, de afeto, de memória, de um sentido,
Buscando ser vistos, mesmo que por um breve instante,
Nessa profunda solidão que é viver.

⁠Sem dúvida, garanto-vos que saber demais
É como tapar os ouvidos, e não saber nada.
Se eu adoecesse, reconheceria isso:
Quem realmente deseja entender também escolhe sofrer.
O que sei sobre os conceitos e as ideias?
De que vale o conhecimento que nasce do fenômeno,
E de que serve a intuição sensível
Em relação ao conceito do intelecto?
É uma razão incondicionada das coisas,
Mas que razão há nos animais e nos homens (que também são animais)?
Não podemos conhecer ou experimentar o mundo todo,
Mas ele é real e existe, como uma totalidade metafísica.
Entre todos os filósofos, creio que tudo isso é falso,
E há razão suficiente no não saber.

⁠⁠Estou à procura de algo, o quê? Não faço a mínima ideia,
E isso realmente importa? Sinceramente, tanto faz...
Mas oh, maldito desejo que pulsa!
O tédio de não possuir o que desconheço,
E a ânsia por algo que não se sabe.
Como posso querer o que nunca vi,
Se, talvez, querer nunca foi?
Nem sei se ainda existe,
Ou se apenas existiu, ou se pode existir.
Para onde vou, tudo que encontro
Pertence a alguém, pertence a alguém,
Tudo tem posses e senhores,
E a mim, que restará?
A quem ou a que pertenço? Sei lá!
Tudo tem nome, tudo tem endereço,
mas eu permaneço desconhecido, incerto.
Talvez eu não seja deste mundo, e, sinceramente, tanto faz!

⁠Há um buraco negro em meu peito,
um abismo que devora a luz que sou,
deixando a minha alma inquieta, fora da órbita.
Um universo na minha mente se expande,
planetas de pensamentos que colidem e se metamorfoseiam;
tanta imensidão não cabe neste corpo tão diminuto,
que agoniza sob o peso da própria grandeza.
Meus amores e sonhos, infinitos na sua finitude,
são tão distantes quanto as estrelas que piscam longínquas.
Ah... metafísica! Em nenhum mundo encontro disposição,
apenas o fardo de estar indisposto,
cansado de aqui, cansado de lá,
Alá me acuda, ou Deus, que fiz eu aos deuses?
Estou cansado de teologia,
cansado de qualquer lugar que me aprisione.

⁠Eu tenho o péssimo hábito
de amar tudo aquilo
que me escapa à mão.
Talvez o amor, em essência,
seja um desejo inatingível,
perseguindo incansavelmente
o próprio rabo, como um cão à roda.
Carrego em minha pequenez
a cruel ironia
dos sonhos que, alçados,
se erguem como montanhas firmes,
e que, num instante breve,
se desmoronam em montes de areia.
Soterrado pela rotina,
pela futilidade do dia-a-dia,
sinto o peso da realidade
que escorre entre meus dedos
como areia numa ampulheta.
Talvez esperar que o mundo
se despenhe em barranco,
e morrer deitado à sombra
não seja de toda a má ideia.

⁠⁠Eu vivo um dia de cada vez,
Levanto-me cedo, enfrento o trem,
E volto tarde, sem ninguém.
Construo sonhos de papelão,
Como um mendigo,
Mãos calejadas, olhos cansados,
Essência perdida.
Vivo um dia de cada vez,
Como se fosse o último,
Não por querer viver,
Mas por precisar comer.
Construo um lar de solidão,
Como um empregado,
Com tijolos de suor e dor,
E paredes de ilusões.
Vivo um dia de cada vez,
Como se fosse uma prisão,
Não por querer viver,
Mas por não ser ninguém.
Construo uma vida de incertezas,
Enfrento a vida, e me perco,
Sem coragem para lutar…

⁠⁠Eu acredito em Deus, mas me pergunto se Ele crê em mim,
assim como cremos na Sua chuva, e no seu Sol.
O que é real? As paredes sólidas e frias de concreto,
concreto, a realidade concreta. Ou a memória fugaz
de um abraço quente e terno, terno, visto o terno,
chego ao trabalho, olho-me no espelho, e não vejo nada.
Cego, vejo além do espelho e enxergo através da realidade sensível,
sensível, atravesso as aparências em busca de algo que transcenda o tangível.
Mas então o espelho despedaça-se diante dos meus olhos,
como coisa real, um mosaico de sentimentos e lembranças,
desfaz-se e reconstrói-se a cada instante. Cada caco reflete uma versão minha,
mas, entre tantos, quem realmente sou eu?
Há tantos de mim que não podem tantos estarem certos, e entre tantos, perdi-me.

⁠⁠⁠Eu sinto uma profunda dor silenciosa...
Gosto do som da música, do percurso
da minha casa até o trabalho;
estou sempre ouvindo música.
Em casa e no trabalho, ouço o barulho
dos carros, dos comboios e de toda a gente.
Chego em casa, ligo a televisão e ouço o noticiário:
outra vítima do silêncio se atirou
nos ruidosos trilhos do trem.
No trabalho, ouço o rádio, que toca uma música ridícula, e
minh'alma sofrida dança desolada.
Gosto do som da chuva, lágrimas do céu;
até os homens choram, silenciosamente.
E o choro da terra é abafado
pelos nossos gritos ambiciosos;
ouço o barulho das fábricas, corro para o campo,
e a chuva, tempestuosamente,
em seu suave cair, encharca meu coração ressecado.
Gosto do canto dos pássaros;
da minha cama me levanto,
e nela me deito, ouvindo os tordos ao amanhecer
e os urutaus ao anoitecer que, calmamente,
levam distante meu espírito atormentado.
Gosto de deitar-me e dormir
com o barulho do ventilador;
porque gosto de barulho,
assim silencio os gritos sussurrados
em minha cabeça. E eu, que tenho sido tão quieto,
se os ouço e me falam, descanso resignado.

⁠Sublime

Fiz grandes e nobres propósitos, mas sou tão pequeno,
Sim, tão pequeno e insignificante.
Observo as grandes cidades de concreto e aço,
Entre arranha-céus que roçam o céu,
Vejo pessoas cruzando as ruas, e os carros.
Há vielas estreitas, onde cada pequeno passo
Descobre o encanto revelado pelo tempo,
Que talvez se perca nesta vida vulgar,
Mas permanece gravado em grafites vulgares.
Vida vulgar, vulgar, como um mendigo verdadeiro.
Vou ao campo e vejo os animais, e as crianças,
Nos vastos jardins, entre rosas delicadas e lírios em flor,
O perfume suave que enche o ar, e o vento que acha meu cabelo.
Cada pétala, um juramento de amor...
Assim saibamos valorizar o simples, o modesto, o singelo.
Descobrir o sublime no cotidiano, no ordinário,
Na essência real das coisas,
Encontrar a beleza que transcende o mundano,
A verdade mais metafísica.
Por trás de cada nascer e pôr do sol dourando o céu,
Onde há pequenos planetas distantes,
Sob os verdes tapetes e vastos campos,
E na imensidão divina, onde o céu se alarga no firmamento.
Sempre há pequenos milagres a perceber,
Em cada gesto simples, um mundo descoberto,
Na plenitude do ser e do existir,
Onde a grandeza habita nas igrejas e casas, e nas mentes,
Onde podemos vislumbrar o infinito num beco e ouvir a voz de Deus num viaduto.
Mas sou, e serei sempre, o que não soube, fiz de mim sublime, humano.

⁠Às vezes, uma tristeza tão penetrante
Invade e arrebata minha alma,
Levando-a para um lugar desconhecido,
Onde me perco e não me encontro,
Onde não existem portas nem janelas,
Apenas uma estrada longa rumo ao mistério da vida.
Inseguro, volto minha atenção para trás,
Com os olhos sobre os ombros,
E o peso das minhas decisões sobre as costas,
Tropeço nas minhas incertezas.
Rendido, me entrego ao chão,
Derramo-me sobre a cama e inicio um novo dia nessa velha rotina.
E mesmo quando acordado, eu converso comigo mesmo, tenho o hábito de conversar sozinho.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto.
Eu penso demais, e a minha cabeça pesa toneladas.
Lembro de coisas que gostaria de ter esquecido e imagino coisas que gostaria que não tivessem acontecido.
Deus, com sua ironia, me amaldiçoou com o pensamento, e me fez inquieto, inquisitivo.
Há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

⁠Parassonia

Estou cansado, é claro,
Porque, a esta altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
Estou cansado de pensar, a toda hora, há tantos anos, desde a minha mocidade.
A minha cabeça já não mais encontra repouso, noite após noite, o sono me escapa, como se temesse adentrar neste caos que é a minha mente.
Quando finalmente o apanho, sonâmbulo, eu converso com as paredes.

⁠(Des)encaixes

⁠Sou uma peça defeituosa neste quebra-cabeça da vida, tão fragmentado. Não tenho um lugar de encaixe, não. Estou desconectado das outras peças. Talvez eu deva cortar os meus excessos, minhas ásperas arestas que me impedem de encaixar-me neste tão cruel jogo.
Estou vencido, talvez tenha desistido ou mesmo nunca tenha tentado coisa alguma. Devo despir-me das ilusões, das expectativas vãs, para poder encontrar uma peça que possa me completar. Devemos lutar para conquistar o nosso espaço, mas tudo isso me pesa.
A pele que visto é errada; rasguei-me e de mim nada restou. Esta é a razão do meu sofrimento e das coisas fugidias. Quem me dera pudesse resolver este grande desafio, montar este estúpido jogo e dar-me por satisfeito.
Às vezes a vida é traiçoeira, e o destino parece um enigma insolúvel. Mas para mim, a vida nunca foi senão uma acompanhante de sentir. Compreendi finalmente que a sua beleza está na futileza. Aproveitar a vida, deixe-me ser azarado no jogo; tenho tido azar na sorte, mas a minha sorte está no amor, ah, e como eu amei.

⁠⁠Epiderme

Dentro de mim habita o verdadeiro terror,
Onde os monstros se escondem sob a pele,
Revelando a verdade que nos abate,
Não se iludam, aqueles que confiam em nós!
Não há cama que os oculte, pois não se escondem debaixo dela,
Mas por baixo dos lençóis e os seres, onde não há certezas,
Não creio em mim, com certeza, sou um monstro, não mártir, nem herói.
Mediocramente humano, foi minha vida, escravo do que nunca serei
A capacidade humana, essa sempre me aterrorizou mais que fantasmas.
Consagro a nós o desprezo, tudo isso seja o que for que sejas
Aqueles que confiam, não se enganem.

⁠Marginal

Às margens profundas do meu ser, vagueio como um rio agitado sem leito. As palavras, como pesadas pedras, afundam no abissal silêncio impenetrável.
As pobres almas que toquei, como folhas secas outonais, desprendem-se e voam para longe. Desaparecem na bruma do cruel tempo.
Ó rio, sem rumo, sem destino, és espelho da minha própria existência.
Rio sou. E fluí.
Leva-me para além.
Que eu seja a folha seca que flutua em tuas correntezas, que se despede, e que o tempo, implacável, me leve para a outra margem.⁠

⁠Impermanência

Quão alegres são as chegadas, loquazes,
E os prazeres que consigo trazem,
O espírito se incendeia, dança,
Quão tristes são as partidas, silentes,
E os prazeres que consigo levam,
O espírito se dilacera, despedaça.
Ah, estou farto, meu tolo coração, tantas vezes ridículo, deseja pelo dia
Em que os encontros superarão as despedidas. Como uma pessoa a quem lhe impõe a ter a sua desgraça.