Coleção pessoal de Fsantos11

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Educação liberal consiste no estudo cuidadoso das obras dos grandes gênios da cultura a fim de preservá-las, interpretá-las ou renová-las.

Jesus Cristo, segundo o Evangelho, aos doze anos não somente estava estudando como também ensinando as doutrinas judaicas. Ele já havia, portanto, assimilado toda a cultura judaica. O Buda passou anos estudando com ascetas e místicos hindus para assimilar a tradição hindu. Moisés, segundo a tradição, não somente sabia as doutrinas judaicas como também estudou a tradição egípcia, recebendo uma excelente formação no palácio do faraó. Confúcio disse certa vez que se tivesse mais cinquenta anos de vida ele os dedicaria todos ao estudo dos clássicos da tradição chinesa. Então, uma característica comum dos grandes talentos consiste no fato de que todos fizeram um esforço de assimilação cultural, e a partir disso fizeram uma contribuição.

O que Mortimer Adler chamou de 'grande conversação' consiste no diálogo do indivíduo com os grandes talentos da cultura. Não basta que você leia as suas obras, é preciso que você dialogue com eles, que você tente reproduzir em você a experiência deles quando eles deram determinada contribuição. Essa é outra característica interessantíssima das grandes obras. Como as grandes obras falam de ideias mais ou menos inovadoras, pioneiras, então a maior parte das pessoas não as compreendem. E como não é fácil falar de um objeto inédito, ao escrever sobre ele o gênio cultural traça em sua obra o caminho mental que o levou a fazer determinada descoberta. Então uma grande obra não ensina apenas a sua ideia central, mas também dá uma ideia de como funciona a mente de um gênio. Nesse sentido, ela treina ou prepara a mente do leitor para que opere de modo semelhante à mente de um gênio. Esse é o principal benefício pessoal que alguém pode extrair de uma educação liberal.

Quando Moisés retornava de seus retiros, o seu rosto brilhava de tal modo que as demais pessoas não conseguiam encará-lo. Isso não é uma metáfora, é real. Esse fenômeno específico eu nunca testemunhei, mas conheço pessoas que testemunharam.

Observem qualquer objeto natural. Depois de observar qualquer objeto, por mais impressionante, interessante, belo e grandioso que ele seja, como as grandes paisagens, os grandes mamíferos (que são sempre espécimes impressionantes), árvores especialmente belas, rios, depois de observar tudo isso, observem o sol. Existe uma diferença entre qualquer objeto natural e o sol. Pois bem, a diferença entre as pessoas de excepcional qualidade e um santo é como a diferença entre os objetos naturais mais belos e o sol. O santo irradia algo que as outras coisas são incapazes de irradiar e são no máximo capazes de receber (…) É muito difícil conceber exatamente o que é um santo sem uma mínima experiência da santidade. Por isso a leitura de hagiografias é indispensável, pois assim nós temos ao menos uma experiência imaginativa, indireta da santidade.

Eu me lembro que ainda muito jovem li as memórias de Goethe. Goethe era um sujeito que achava que nós deveríamos cumprir todas as nossas obrigações para com a sociedade. Porque nós temos de ser superiores a ela, não inferiores. Se nós consentimos que a sociedade nos marginalize e nos derrube, então nós seremos seus escravos.

Eu tinha muita amizade com o doutor Juan Alfredo César Müller. Ele era um sujeito goetheano. A ética que ele seguia era a do Goethe, baseada em três coisas: o homem deve ser digno, prestativo e bom. O dr. Müller era a encarnação dessas três coisas, era digno, prestativo e bom. Você não pode fugir das suas obrigações sociais. Claro que, às vezes, você as cumpre imperfeitamente. Mas você não pode fugir delas, porque se você fugir, você se enfraquece. E se você se enfraquece, você torna-se uma vítima inerme da pressão. Você tem de se esforçar, tentar fazer o máximo para que seja mais forte do que a pressão da sociedade, não mais fraco, jamais uma vítima.

Goethe fala de sua ética do trabalho em seu livro de memórias "Poesia e Verdade" e nas "Conversações com Goethe", escrito por seu secretário, que teve a prudência de anotar os diálogos que tinha com Goethe nas conversações do dia-a-dia e que eram jóias.

As hagiografias e os clássicos da literatura nos informam sobre distintas dimensões da existência. A leitura das vidas dos santos enfatiza a dimensão vertical da existência humana, ou seja, o homem existe para Deus, e amá-Lo, aproximar-se Dele é todo o sentido da existência. Essa dimensão vertical é o centro da existência humana. Já os clássicos da literatura tratam da dimensão horizontal, isto é, da diversidade da condição humana. Eles informam ao leitor sobre inúmeros tipos e circunstâncias humanas, oferecendo, assim, uma ideia do quanto a alma humana pode variar segundo as mais diversas circunstâncias. Ter uma ideia razoável da amplitude da condição humana é muito importante, mas essa amplitude torna-se, por vezes, um pouco virtualizada nas vidas dos santos, porque elas enfatizam não a diversidade da condição humana, mas o seu sentido essencial. As vidas dos santos dizem que a vida humana tem um centro e este centro deve voltar-se para cima para encontrar-se com o centro da realidade total, que é Deus. Então ambos os tipos de literatura são indispensáveis para que possamos tirar o máximo proveito de nossa inteligência; para sabermos que não basta sermos inteligentes, mas é preciso que estejamos informados acerca da nossa situação, de quem nós somos, do que é um ser humano, do que é a vida humana.

FUNÇÃO DA ARTE E DO ARTISTA

A importância do escritor está, sobretudo, na função que ele exerce de tornar a experiência expressável. Porque a linguagem é o único recurso que o ser humano tem para isso. E tudo o que não é verbalizado nos domina. São aqueles estados obscuros que existem dentro de você e você não sabe o que são, aquele lusco-fusco, aquela coisa meio fantasmagórica. Quando você se expressa, tudo se ilumina e cai sob o teu domínio. Então, uma sociedade que não tem um número suficiente de poetas, romancistas, dramaturgos não é capaz de verbalizar a sua experiência verdadeira. Resultado: cria-se um abismo entre a experiência vivida e a fala. A experiência vivida torna-se obscura, opressiva e incompreensível; e a fala só repete estereótipos. Quando você não sabe o que está acontecendo, você fala do que não está acontecendo. Isso é um estado totalmente esquizofrênico e gravíssimo.

Nós devemos encontrar um equilíbrio entre a satisfação de todas as nossas necessidades e a não satisfação. A consistência desse equilíbrio é a seguinte: o excesso de privação conduz o ser humano ao desespero; e o excesso de posse o conduz à indolência. Se nós obtivermos deste mundo tudo o que nós queremos, nos tornaremos ao final espiritualmente indolentes. Por outro lado, se não possuirmos deste mundo nada do que precisamos, nos tornaremos ao final desesperançados. Isso quer dizer que o complemento do querer a divindade não é o não querer o mundo, mas o não querer o mundo demasiadamente. Pois do ponto de vista da divindade o mundo é um de seus aspectos.

O equilíbrio é encontrado quando o ser humano conduz a sua vida de tal modo que ele nunca esteja plenamente satisfeito ou plenamente insatisfeito. Devemos acostumar a nossa alma com o fato de que as coisas do mundo vêm sempre pela metade. Quem acha que o mundo deve ofertar tudo o que é desejável, acaba por tornar-se idólatra. Por outro lado, quem acha que o mundo é incapaz de oferecer alguma situação satisfatória, acaba por tornar-se ateu. Quem estabelece uma dicotomia entre o mundo e Deus acaba por acreditar que não existe Deus algum. O ser humano deve, então, reunir o mundo e Deus em sua alma individual. A sua individualidade deve conter uma relação com Deus e uma relação com o mundo, e ambas as relações não podem ser contraditórias. Elas devem se complementar num certo sentido como o sol e a lua se complementam. O sol é sempre luminoso. A lua cresce e diminui. Essa oscilação lunar representa o tipo de relação que o ser humano deve estabelecer com o mundo. O mundo não irá oferecer luz todo o tempo, mas também não oferecerá trevas todo o tempo.

AUTOCONHECIMENTO E EDUCAÇÃO

Todos aqui já tiveram acessos de tristeza ou desespero de origem desconhecida. Todo mundo já teve isso. Ora, se existe algo na tua própria alma que você não sabe de onde veio, existe, portanto, um conteúdo que é estranho a você. Ou seja, a tua alma é tão conhecida quanto uma cidade onde você acaba de desembarcar pela primeira vez. Você está perdido dentro de si mesmo. A tua alma é o instrumento pelo qual você conhece o mundo, mas se você a desconhece dessa maneira, quantos metros você espera avançar no caminho do conhecimento antes de ter limpado as lentes com as quais você vai olhar para este mundo? Uma certa limpidez de alma, um certo conhecimento do indivíduo por si mesmo, de modo que ele saiba de onde vêm suas emoções, de onde vêm seus desejos e o que o compõe efetivamente por dentro, são condições sine qua non da verdadeira educação. Não existe educação sem o efetivo autoconhecimento. Mas se num curso universitário de filosofia você levantar esse problema, dirão: 'Se você quer autoconhecimento que vá procurar um padre ou um psicanalista, pois nós estamos aqui para estudar filosofia'. Mas que raio de filosofia é essa que não se preocupa em saber se a alma do sujeito está habilitada para ela? Que raio de ensino é esse que não cumpre a condição da maturidade que Aristóteles e Platão colocam como condição básica para o estudo da filosofia? O que eu quero dizer é que ao longo dos tempos a noção de educação foi sendo perdida. Ela é conservada hoje apenas em núcleos muito limitados, em grupos de pessoas que sabem e continuam cultivando o seu verdadeiro sentido. Mas o ensino de massas, público e privado, não está dando às pessoas senão um grosseiro simulacro de educação.

MATURIDADE E EDUCAÇÃO

Aristóteles insiste muito numa coisa chamada maturidade. Maturidade não no sentido fisiológico, mas no sentido intelectual. O homem maduro é o homem que teve certas experiências e aprendeu com elas. Quando Aristóteles enfatiza que somente o homem maduro pode guiar a comunidade, está se referindo aos homens que conseguiram absorver um certo número de experiências decisivas que colocaram a sua alma um pouquinho acima do nível de consciência de sua comunidade. Esse homem maduro não precisa ser santo, profeta ou herói, mas simplesmente é alguém que tem uma alma um pouco mais ampla porque chegou a ter certas experiências significativas.

A finalidade da educação, tal como eu a entendo e tal como foi entendida nos tempos antigos, é a maturidade. O que o homem maduro fará com aquilo que eu lhe ensinei é problema exclusivamente dele, pois a maturidade que ele irá exercer será a dele, não a minha. Quando ele se deparar com determinado problema, a sua circunstância será outra diferente da minha, os dados serão outros e não há nenhuma possibilidade do professor antever tudo isso. Isso significa que uma vez conquistada a maturidade, a finalidade da educação está terminada, e o educador deve ir embora para casa. E o homem maduro, uma vez formado, pode se transformar ele mesmo num educador, se quiser, ou irá fazer outra coisa, já que não é só na educação que homens maduros são necessários.

É fundamental entender que educação liberal é a preparação da alma para a maturidade. O homem maduro é o único que está capacitado para fazer o bem ao meio em que vive. O bem deve ser conhecido. Mas o discernimento entre o bem e o mal não é imediato. Não adianta ter um formulário, os Dez Mandamentos ou o código civil e penal. O discernimento entre o bem e o mal é uma questão de percepção que tem de ser refinada para cada nova situação que você venha a viver, porque ambos costumam aparecer mesclados. Jesus disse: na verdade amais o que deveríeis odiar, e odiais o que deveríeis amar. Este é todo o problema da educação: desenvolver no indivíduo, mediante experiências culturais acumuladas, a capacidade de discernimento para que ele saiba em cada momento o que deve amar e o que deve odiar. Ninguém pode dar essa fórmula de antemão, mas a possibilidade do conhecimento existe e está consolidada em milhares de obras. Uma educação bem conduzida pode levar o indivíduo à maturidade e ao verdadeiro julgamento autônomo.

CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA UMA VIDA FELIZ

A natureza do propósito ao qual uma pessoa está devotada pode conduzi-la para a redenção ou destruição. Pode torná-la uma boa pessoa ou uma má pessoa. As pessoas más são más porque são infelizes. Mas, é claro, existem graus de maldade ocasionada pela infelicidade. Há pessoas que devido à infelicidade são autodestrutivas, destróem apenas a si mesmas, o que é, claro, uma forma de mal. Mas há aquelas que contentam-se apenas quando destróem a vida de outras pessoas. E essas pessoas sentem alívio quando fazem o mal, não felicidade. Também não faz diferença se elas têm ou não consciência de suas maldades e infelicidades. O que realmente faz diferença na vida é caminhar na direção da felicidade ou da infelicidade. Todas as demais suposições são mais ou menos supersticiosas. A questão é: existem critérios objetivos pelos quais você pode caminhar na direção da felicidade ou da infelicidade. E você deve usar estes critérios para que as coisas dêem certo: 1) a felicidade na vida depende que os propósitos não sejam imaginários. Este é o primeiro passo: você deve verificar se o que você está querendo não é uma fantasia da tua cabeça, porque se for, você já começou errado, inaugurando com isso o caminho da infelicidade; 2) você deve escolher um propósito que dependa maximamente da tua atividade. Nenhum propósito depende exclusivamente de você, todos eles dependem um pouco da intervenção de elementos externos. Mas se proponha a um que dependa maximamente de você. Todo o resto, se a pessoa tem ou não consciência de seus erros, não interessa. A consciência das pessoas não é testemunhada por nós. Ela só existe para a pessoa e Deus. Então ela só deve ser considerada por Deus. O que nós podemos e devemos considerar são os critérios objetivos que nos indicam aquelas vidas conduzidas para a felicidade ou para a infelicidade.

O PROPÓSITO DA ESMOLA

O propósito da esmola não é resolver a vida do pedinte. Mas se nós não sabemos o que o mendigo irá fazer com o dinheiro e nem a esmola irá resolver a vida dele, por que Cristo falou 'Dá a quem te pedir'? Na verdade, com esse conselho Cristo quis nos ensinar uma coisa sobre este mundo.

Neste mundo você jamais irá resolver todos os problemas. Mesmo que algum dia venha a existir uma sociedade inteiramente justa, ainda continuarão a existir as calamidades naturais, ou seja, haverá circunstâncias nas quais não existirá alimento e abrigo para todos. A justiça não é capaz de solucionar todos os problemas do mundo porque a justiça não elimina um mal, ela no máximo recupera um bem pré-existente. Por exemplo, se você tem um livro roubado, o máximo que a justiça poderá fazer será devolver o teu livro, sendo ela incapaz de criar o mesmo livro. A justiça não aumenta o bem que há no mundo, apenas o mantém. Mais ainda, como nenhuma sociedade é perfeita, a justiça não é capaz sequer de manter integralmente o bem. A justiça apenas diminui o ritmo de degradação dos bens. A justiça consegue devolver todos os bens roubados para os seus respectivos donos? Não. Ou seja, mesmo com a justiça, o bem que há no mundo diminui.

E por qual meio você pode restaurar um pouco do bem existente no mundo? Através da misericórdia. A misericórdia realmente elimina o mal. Mas qual é a raiz do mal? A raiz do mal é o estado de miséria, o estado de privação de um bem fundamental juntamente com a impossibilidade de obter os meios para adquiri-lo. Como exemplo podemos citar o caso de algum mendigo alcoólatra. Enquanto mendigo, ele perdeu o poder econômico de sustentar-se. E porque ele é alcoólatra, ele não tem como recuperar esse poder econômico. Se ele fosse apenas alguém que perdeu o emprego, ele estaria numa condição de pobreza, e não de miséria, pois o pobre ainda dispõe de recursos pessoais para conseguir um novo emprego.

A miséria é o mal fundamental neste mundo. Mas a miséria é atomística, ou seja, o miserável sobrevive um dia de cada vez. Quando você encontra um miserável e lhe dá esmola, você prolongou a vida dele por mais um dia. O dinheiro que você deu era um bem material para você, mas para o miserável era a garantia de sobrevivência por mais um dia, ou seja, um bem muito maior do que o material. A esmola é o único meio de você inserir um bem no mundo ao mesmo tempo em que elimina um mal.

A essência do cristianismo é a seguinte: Deus é invisível, mas Ele tornou-se visível numa Pessoa. Mas você está no século XXI. Onde está essa pessoa aqui? Essa Pessoa não está andando ao teu lado como já esteve andando ao lado de outras pessoas milênios atrás. Então essa Pessoa deve ter providenciado meios que prolongassem a Sua Encarnação no decorrer dos séculos. Para isso, a ideia presente no cristianismo desde o seu início é 'Eu sou a videira, vós os ramos'. Com isso Cristo quis dizer que os santos recebem a vida divina que Nele existe essencialmente. O que o tronco e os ramos têm em comum? Justamente a seiva vital que irradia do tronco para os ramos. A vida interna dos ramos é exatamente a mesma vida interna do tronco. Entre os ramos e o tronco existe, por um lado, uma descontinuidade exterior: tronco não é ramo e ramo não é tronco. Mas, por outro lado, e numa dimensão interior, os ramos e o tronco são a mesma coisa. Na dimensão vital e essencial eles têm a mesma vida. Desde o começo, os grandes teólogos e místicos já diziam que essa vida é a própria vida divina que em si mesma é invisível, mas tornou-se visível através das ações e pensamentos do Cristo. Então, quando você reproduz um ícone de um santo, ou venera alguma relíquia de um santo ou o próprio santo, você está buscando com isso a seiva espiritual que vai do tronco para os ramos.

NOBREZA

Meditei, meditei e meditei por muitos anos e cheguei à conclusão de que a virtude que mais falta ao brasileiro, em geral, é a nobreza.
Ele até tem dó dos outros, é tolerante, otimista etc. Mas lhe falta nobreza. A nobreza é uma fusão de coragem, generosidade e auto-controle. Brasileiro é muito medroso, pão-duro e lascivo num nível até perigoso.

A coragem deve ser para enfrentar as injustiças que os outros sofrem sem temor da morte, da difamação e da pobreza. A generosidade deve ser de si mesmo e dos bens materiais. O medo da pobreza e o 'pão-durismo' nos reduz à condição de animais. Só o ser humano é capaz de doar para um estranho. Nenhum animal faz isso. E o auto-controle também nos deixa mais humanos. Nenhum animal diz 'não' quando uma possível satisfação dos sentidos lhe é apresentada.

As pessoas são 'iguais' enquanto imagens de Deus, mas são objetivamente superiores ou inferiores de acordo com os seus graus de nobreza. O inimigo nobre deve ser mais valorizado que o aliado mesquinho.

A caridade é uma virtude teologal e não moral, só vem quando Deus quer, mas a nobreza é cultivável. Vejo muita gente que não tem nobreza nenhuma arrotando caridade cristã por aí. Olha, pelo fato da caridade ser uma virtude teologal, o sujeito que a tem nem é consciente disso. Se você acha que tem, é porque não tem. Com a nobreza não é assim. A nobreza é cultivável e observável.

Eu já encontrei nobreza entre mendigos, nobreza em nível elevado. Já os ricos brasileiros, e por ricos me refiro a qualquer um que tenha mais do que o necessário para suprir as necessidades básicas, são os menos nobres do mundo. Eu testemunhei isso diretamente.

Ausência de nobreza é sinônimo de animalidade, mas existem graus nisso.

É importante lembrar que a nobreza, por definição, parte do indivíduo para a sociedade. O nobre mais nobre (mais corajoso, mais generoso e mais auto-controlado) é o isolado.

Querem uma instrução bem prática? Façam o voto de NUNCA negar esmolas (mesmo que só tenham uns centavos), estudem um pouco de música e um pouco de artes marciais.

Querem que seus filhos sejam nobres? Coloquem eles para estudar artes marciais e música e façam com que eles dêem esmolas, tanto como intermediários do dinheiro dos pais como de suas próprias coisas (brinquedos, roupas etc). Leiam muitos contos de fadas e de cavalaria para eles também.

SOBRE A INVEJA E OS PECADOS DA CARNE

O invejoso tem desgosto pelo bem do outro. O invejoso não tolera que o bem possuído pelo outro seja apreciado ou valorizado. Ele sempre busca diminuir o valor do outro através de calúnias, e pode chegar até mesmo a lançar mão de meios para destruir ou entristecer o possuidor do bem. O bem é naturalmente amável, mas o invejoso tem o pior tipo de amor pelo bem. O invejoso perverte o amor pelos bens. Na verdade, o invejoso gostaria de receber os louvores ou alegrias que os bens proporcionam a outras pessoas, mas ele olha para si e não se vê capaz de alcançar esses bens. Então, se ele não pode elevar-se ao patamar do outro, ele buscará rebaixá-lo ao seu. Para isso ele irá destruir ou diminuir o valor desses bens e de quem os possui. Tanto que uma das filhas da inveja é a murmuração, também conhecida por calúnia ou difamação. Isso é tremendamente perverso para a ordem do mundo porque quando as pessoas passam a apreciar menos o bem proporcionalmente passam a apreciar o mal.

Todos os vícios estão em todos. Todo mundo nalgum momento já sentiu algo de vaidade, orgulho ou inveja, os chamados pecados do coração, e já sentiu algo de luxúria ou gula, os chamados pecados da carne. A sensação física causada pelos pecados do coração e pelos pecados da carne é completamente diferente. A impressão deixada pelos pecados da carne é que o desejo está disperso por todo o nosso corpo. Eles não dão a impressão da existência de um núcleo de maldade. Tanto que a resposta para a pergunta 'Por que este desejo é mau?' não é evidente. Pois não há um núcleo de maldade facilmente identificável. Os pecados da carne criam desordens na alma, embora não tenham realmente um núcleo de trevas. Eles são maneiras desordenadas de querer coisas boas. Eles são uma espécie de febre não de doença. Mas os pecados do coração possuem um núcleo de maldade. Os pecados do coração são mais graves porque congregam forças tenebrosas no centro da atividade psíquica. E esse centro é justamente o meio pelo qual a pessoa interage com Deus. É para esse centro que as graças de Deus orientam-se e disseminam-se por toda a alma. Quando esse centro é coberto por forças tenebrosas há o impedimento da circulação dos bens espirituais na alma. Ao passo que os pecados da carne apenas desperdiçam esses bens. Eles são uma espécie de vazamento não de obstrução. Observem-se a si mesmos quando vocês forem tentados por ambos os tipos de pecados e vocês perceberão essa clara diferença entre eles.

Os valores indispensáveis para a vida humana – não somente para as civilizações, mas também para cada um dos indivíduos – são sete:

1) Uma consciência clara e definida da objetividade da inteligência humana. É preciso saber que a inteligência humana é objetiva;

2) É preciso saber que a vontade humana é livre;

3) É preciso saber que educando os teus instintos você será capaz de sentimentos nobres;

4) A inteligência humana opera sobre dois domínios diferentes: o domínio do imutável (necessário) e o domínio do contingente; mas não podemos esperar que ela tenha a mesma clareza no domínio do contingente como tem no domínio do necessário;

5) O sujeito precisa ter uma ideia do seu papel na humanidade e aprender a usar as circunstâncias concretas para a realização desse papel. Se ninguém, ou um número muito pequeno de indivíduos fizer isso, a sociedade será infeliz, e uma massa muito grande de infelicidade é uma das principais causas de revoluções e destruições civilizacionais. Quando muitas pessoas são infelizes, torna-se fácil manipulá-las;

6) O ser humano precisa conhecer as vidas plenamente realizadas;

7) Ele precisa estar cônscio da possibilidade da vida mística.

Se faltar alguma dessas coisas numa vida individual, o sujeito será privado de uma dimensão humana e certamente sairá prejudicado. Qualquer civilização tem de oferecer, numa dose mínima que seja, o acesso a essas sete informações. Se faltar alguma delas a civilização será incompleta e necessariamente será substituída por outra.

Se os valores estéticos e técnicos fossem nulos espiritualmente nenhuma grande tradição teria produzido grandes obras de arte. Mas a história evidencia que a composição de hinos, a produção de instrumentos rituais, a construção de templos e outros bens surgem logo após o aparecimento de uma religião. Somente esse fato prova que os valores estéticos e técnicos possuem algo de espiritual. Nenhuma religião, em nome de um idealismo espiritualista, permitiu que os templos fossem construídos de qualquer jeito. O próprio São Francisco, talvez um dos maiores advogados da pobreza enquanto método espiritual, ao reconstruir templos, os resconstruía com o máximo cuidado e beleza. Certo dia um padre me disse que os poucos fragmentos das palavras do Cristo em aramaico indicam que muito provavelmente o Cristo discursava em verso. Então muito provavelmente todos os discursos do Cristo eram poemas. Essa é mais um prova do conteúdo espiritual da arte.

A beleza de um objeto material transcende a sua materialidade. É por isso que a beleza é amável, pois a beleza do objeto indica algo que é mais do que o objeto considerado em si mesmo. Por isso é frustrante ver algo ou alguém belo que não corresponda à sua beleza. São Boaventura dizia, e com muita razão, que os processos internos no ser humano que atuam na contemplação estética são exatamente os mesmos da contemplação mística. E como sétimo superior da ordem franciscana, ele também era um grande advogado da pobreza enquanto método espiritual.

Os franciscanos eram defensores da pobreza, não da feiúra. A pobreza não pode ser confundida com a feiúra. A renúncia é ela mesma bela enquanto ato humano. É belo ver um homem que privou-se de tudo por Deus. Além disso os franciscanos compensavam a sua penúria material com uma riqueza de cantos. Os franciscanos cantavam e riam o tempo todo. Isso até causava alguma estranheza em certos mosteiros beneditinos porque segundo a regra beneditina a gargalhada é proibida. Se os franciscanos não tinham a arte da arquitetura ou vestimenta, tinham, ao menos, a arte do canto.

Aparentemente, ao defender as Cruzadas, São Bernardo estava defendendo a existência de um território estritamente cristão e Jerusalém deveria fazer parte desse território. Num primeiro momento, então, a finalidade dessa defesa era de ordem política. No entanto, a finalidade ia muito além disso. A raiz da defesa de São Bernardo estava fincada, inicialmente, em sua contemplação da cristandade. Em segundo lugar, estava em sua percepção de que era estritamente necessário dar para as pessoas de índole aristocrática um direcionamento espiritual.

Não podemos esquecer que na Idade Média a Europa era composta por várias tribos guerreiras. O mesmo acontecia entre os índios da América do Norte. São Bernardo, então, questionou-se acerca de como essas pessoas de índole aristocrática poderiam assimilar o cristianismo e alcançar a santidade. O anseio de orientar espiritualmente os guerreiros europeus foi a motivação principal para a defesa de São Bernardo às Cruzadas, para a fundação da Ordem do Templo e para o delineamento dos ideais de cavalaria. São Bernardo foi o primeiro santo que delineou a imagem do legítimo cavaleiro cristão. Ele percebeu que a vida estritamente monástica e contemplativa era inconcebível para a maior parte dos aristocratas europeus. Compreendeu que o centro mais elevado e concebível para uma imensa parte da população européia era a nobreza de caráter e decidiu fazer desse centro uma via de santificação para os europeus.

Os aristocratas europeus, apesar de professarem sinceramente o cristianismo, idealizavam suas virtudes como oriundas de figuras mitológicas não-cristãs. Essa dualidade foi um grande problema na Europa. Os aristocratas europeus possuíam dois conjuntos de valores positivos, porém incompatíveis. São Bernardo foi o responsável pela solução dessa incompatibilidade. E para pôr em prática essa solução, São Bernardo defendeu as Cruzadas.

As pessoas podem achar qualquer coisa das Cruzadas, mas o número de aristocratas que alcançaram a santidade nesse processo foi incalculável. E santidade sempre é bom. É claro que São Bernardo sabia que as Cruzadas possuíam uma certa ambigüidade e não durariam para sempre. Mas ele também sabia que as Cruzadas definiriam a imagem exata do guerreiro cristão, sendo isso indispensável para a civilização cristã. A convicção profunda que nós temos hoje de que a força deve ser usada em nome da generosidade, da justiça e da nobreza é herança de São Bernardo. Se não fosse por São Bernardo, até hoje acharíamos que existem os brutos e inescrupulosos de um lado, e os cristãos que aceitam apanhar passivamente do outro. Não haveria qualquer possibilidade de solucionarmos essa dicotomia. O cristianismo não teria assimilado uma boa parte da sociedade e a sociedade não teria assimilado uma série de valores cristãos. São Bernardo foi o responsável pela existência de muitos santos e pela existência de um mundo cristão.

Grande parte das objeções dos artesãos à Revolução Industrial baseava-se justamente no fato de que o ambiente industrial os impedia de serem artesãos. O ambiente criado pela Revolução Industrial era feio, desagradável e completamente incompatível com o homem possuidor de uma arte. O tecelão era um artista, algo que o trabalhador de uma fábrica têxtil já não era. O afeiamento do mundo foi o primeiro efeito da Revolução Industrial.

Mas a Revolução Industrial era inevitável na medida em que existia no mundo uma massa enorme de pessoas incapazes de encontrar um centro em si mesmas. Pessoas que não são capazes de probidade ou de outros centros superiores em suas personalidades precisam encontrar um centro exterior. Se o número de tais pessoas é significativo, torna-se necessário a criação de um número proporcional de funções servis para que essas pessoas sirvam a outras pessoas, sendo esta função servil um substituto para algum centro interno. Praticamente todas as sociedades humanas admitiram a existência de servos ou escravos, ou seja, pessoas desprovidas de um centro interno, pessoas cujas vidas não possuíam um propósito, mas que poderiam servir a outras pessoas que tinham uma centralidade interior.

A alma humana é expectativa e desejo. A alma humana é tender para algo que ela não é. Nenhuma alma encontra plena satisfação em si mesma. A alma foi feita para a satisfação ilimitada, não limitada. Toda satisfação limitada implica necessariamente num elemento de insatisfação. Apreciar uma coisa qualquer significa naquele momento deixar de apreciar todas as demais. Embora uma satisfação limitada qualquer seja um símbolo da satisfação ilimitada em Deus, o próprio ato de satisfação é uma limitação. O indivíduo precisa perceber que subjacente a qualquer desejo humano há um elemento incalculavelmente maior que o objeto da satisfação. Há um elemento em sua alma que não pode ser exaurido pelo objeto limitado. O objeto da satisfação sempre termina antes de sua alma. O desejo da alma humana é ilimitado. Então apenas um objeto ilimitado pode satisfazer o desejo ilimitado da alma. A plena consciência dessa ilimitação da alma humana aliada à ausência de disposições para satisfazer essa mesma ilimitação é o que caracteriza a Santíssima Virgem. Para a Santíssima Virgem, a alma só se satisfazia com Deus, então ela não quis mais nada que não fosse Deus.

Não houve um momento ou um período na sua vida em que ela dependia exclusivamente de outros seres humanos? Em que você não tinha a menor condição de manter sua vida? Por exemplo, quando você estava no ventre da sua mãe, você não tinha o menor poder sobre a sua própria vida, e ela tinha o poder total e absoluto. Por mais ou menos nove meses, ela decidiu não exercer esse poder de forma maldosa.

Depois que você nasceu, você imediatamente arrumou seu primeiro emprego e começou a cuidar da sua vida? Você trocou sua primeira fralda e saiu para a rua para procurar seu primeiro emprego? Não, alguém cuidou de você durante muitos anos antes de você sequer conseguir pedir por um primeiro emprego, que, aliás, também foi um ato de bondade, porque você teve que pedir – não era seu.

Eu sei que é muito mais interessante e maravilhoso pensar o seguinte: “o mundo é mau, meus pais são uma droga, eles é que estragaram minha vida”, eu sei que é muito mais interessante isso, mas a verdade sobre as coisas é o seguinte: no dia em que você nasceu, eles poderiam ter te jogado fora, e ninguém ia perceber, ninguém ia sentir sua falta. No entanto, eles não fizeram isso.

Foi um ato de bondade. Eles estavam fazendo um sacrifício em vista de um benefício que eles não sabiam se iriam receber, que não havia meio de garantir que eles iriam receber. Esse ato de bondade é tão importante, tem um valor tão alto na existência humana, que todas as religiões do mundo colocam o seguinte: “primeiro, você tem que servir a Deus; em seguida, você tem que respeitar e cuidar dos seus pais” – todas elas. Os seus pais podem ter sido até canalhas, mas eles não te mataram.

Para compensar a instabilidade da inteligência exercida sobre o campo das coisas mutáveis e contingentes, Deus põe no céu não somente a Lua, mas também as estrelas. As estrelas representam aqui uma participação fragmentária do indivíduo na inteligência humana, no entanto indispensável. As estrelas representam o conjunto das máximas e costumes bem fundamentados de que dispõe uma civilização. São pequenas luzes que orientam a sua vida cotidiana.

Por exemplo: no ônibus, um sujeito do seu lado deixa cair a carteira e não vê, você pega a carteira e pensa: "Pego o dinheiro ou não?", você não precisa raciocinar muito, só lembrar: "Não roubarás". Esses pontos de luz servem como orientação para tomarmos decisões nesses momentos; você não precisa se lembrar do por quê é errado roubar, não precisa da ciência toda da moral na sua mente nesse momento pra não pegar a carteira do sujeito, basta lembrar: "Alguém provavelmente mais sábio do que eu disse: Não roubarás". Isso é um ponto de ligação entre o sujeito e a inteligência humana; naquele momento pode ser o único ponto que se tem; diante da circunstância concreta: "Dalí 2 minutos ele vai sair do ônibus, você também, são 15 segundos pra tomar uma decisão; você está cheio de dívidas, perdeu o emprego, a carteira do sujeito está recheada, parece que ele está muito bem de vida". O número de contingências pode apagar as razões pelas quais você não deve roubar; você pode lembrar-se de toda propaganda comunista que já jogaram na sua cabeça: "Ele devia dividir comigo mesmo, ele é um maldito capitalista e eu um trabalhador explorado". Tem tanta coisa que pode estar na sua mente naquele momento, que é impossível que você rememore os princípios da moral, e deles derive de fato que você não deve fazer aquilo. Mas uma máxima que foi assimilada no decorrer dos anos na sua vida é suficiente pra travar a sua ação. Esse é um mecanismo indispensável de civilização.

A ciência da moral e as razões reais do por quê não se deve roubar nunca estarão presentes na maioria das mentes humanas, a maioria nunca vai estudar teoria moral, mas as pessoas também não podem roubar. Então é preciso que todas as pessoas tenham um mecanismo para recordar critérios de ação imediatos que possam ser aplicados sem muito esforço da inteligência, que possam ser aplicados mesmo num cenário desfavorável ao uso da inteligência; porque existem muitas situações do cotidiano que são desfavoráveis ao uso da inteligência, são noites de Lua Nova; são quando você está cansado, de mal humor... Não dá pra pensar, mas tem de tomar uma decisão.

Está claro que a inteligência vai necessariamente se alternar nesses dois planos e que ela nunca estará somente diante do plano chamado dia, em que as coisas são evidentes, as diferenças são claras, nítidas? Em inúmeras vezes a sua mente estará diante desse panorama chamado noite, e nesse panorama você tem de tomar as decisões cruciais para sua vida.