Coleção pessoal de FabricioHundou

21 - 40 do total de 165 pensamentos na coleção de FabricioHundou

NESGA FOGO

Badé girando o mundo do fogo
Kaô - sem queda no voo

a gratidão não cabe num verso
a gratidão não cabe num verbo

ninguém é a rua n'qu'eu moro - viu?
retinto da água de rio

pralém do céu que invade
infinitudes particulares
febre y curiosidades
de Áries

ODOYÁ VIRÁ

Antônia Francisca
à beira da Orla
o mar passando café
y ela mandado beijo
pra quem passa ou
a quem nunca
virá

SALVADOR-DE-MIM

Baía de Todos os Santos
como o cheiro do dendê
os mosaicos de Bel Borba
o vulto de salitre
saudade em toda a Orla

SEGU-IR

difícil mesmo
é jogar frasco de perfume fora
ou sacola-embrulho que veio presente;
desviciar-se de café
perdoar desleixo
ver algo novo se quebrar

difícil é esquecer do que falta
lembrar do que essencialmente é

risco é desejar outra infância
desapego é não querer a volta
segu-ir o sinuoso Aweto
paradoxos do soprar o fogo

deixar ( )
embora

INSTANTE

agora, depois de tudo/
antes de tudo:

praticar a teoria do
sentir a alegria
no momento que vier

abundante

da Lua Cheia à
Lua Minguante

instante

ANÁLISE CINESIOLÓGICA DO ABRAÇO

desejo-lhe escafandro
ruas no oceano
olhos y guelras
faz jus adivinhar o mar

júbilo não vai lhe faltar
júbilo não vai lhe faltar

cartografia d'água
cesária do Tumucumaque
Òsun Aboto/Oxum Yaboto
lágrima boricada
rua de correnteza
neto Xacriabá
cidadania ribeirinha
amor flutuado
Asc. em Câncer
Saturno em Aquário

alguém muito cheiroso
sentou aqui há pouco
no banco em que estou
vista pra janela
camarote de curioso-aprendiz
lugar de quem atira paixão
assobio de
bem-te-vis

GAMBOA

o mar da Gamboa
faz nas pedras
ijexá em 10bmp

cortejo pra maré
fanfarra pra quem vier
as ondas se cacheiam

saudade é terapia
do soprar pra dentro
y fora

já me benzi muito naquelas águas
já me benzi muito naquela calma

EXCESSIVO PÁSSARO

Existe em mim uma carência que se renega quando encarada, faz da fuga uma jornada; um bocado de entorpecentes astrológicos. Língua solta em escrita-queixosa. Piada, piada, piada.

(Sol Sagitário-Capricórnio/asc. Câncer/ Lua em Áries/Vênus, Mercúrio, nod. Norte em Sagitário)

Por excesso de inteligência/lúdico/criatividade as transformações ganham justificativas ou são quantificadas no meu paradoxo. Sustento há pouco tempo essa teoria. Muitos dias de terapia frente ao espelho! - não necessariamente Narciso vi. Aliás, quis ver.

Qualquer emoção eu cegamente sei nome y origem. Amo sem receita. Muitas justificativas que dei [pra mim mesmo] tornaram-se poemas. Algumas composições são meramente fantasias-reais. Perceba eu justificando. Perceba-me poetizando.

Tenho muito apreço pelo uso de hífen. Ensinam-me à tudo separar.

Falar no/do passado me estanha a saudade. Mistura de tesão, drama, banzo, verdade. Medito peridiocamente. Tomo banho de Anil. Acendo vela com copo de água. Uso guia. Presenteio com búzio. Rezo Ave Maria. Vejo Oxum.

Não é bem "pássaro" a metáfora biográfica. Piava! Oito e Oitenta. Infinito. Hipócrita. Aprendiz.

Quando demoro em alguma casa, logo penso na finitude. Defendo o aluguel, sou quem esbraveja o neoliberalismo do arbítrio. Já acordei em muitas casas. Em termos de moradia, mudei poucas vezes. Por ter muitas relações, acho que posso fazer escola dos relacionamentos. Até posso, mas inclino à autoestima ou excesso de segurança - acabo vasto na solitude. Fico pouco tempo porquê aro e mexo em Terra, construo logo outra casa...viro cidade: mapa astral.

Junto!

QNM

meu endereço
onde padeço
onde me reconheço
quês, nadas, Marias
porquês

rua cheia de Guiné
vestibular pra não perder a fé

já tive cabelo bom
cúspide pra ser preto
y dipôs doutros entusiasmos
expecto somando desejo
ainda quando não percebido
mesmo que um lapso ríspido
me arrete

(desfibril-a-dor)

amanhã não sei se esqueço
s'eu ninar
ou rezar
é banzo - de qualquer
jeito

bora livre
chinelo de vento
demora num gerúndio
y um bocado de
sonhos

BOLSO DE UM MOÇO

a passarada verde brada
o teu sorrir: a própria ortografia
não há graça tão mais bem acentuada
só de pensá-lo, destoam as rimas

há sombra fresca em tuas letras,
um acanho! - o moço tímido se ajeita
se esconde, mas não se cala
ele é
língua de brisa y timbre de gaitas

mas se houver coisa na vida
qu'eu desejo por teimosia
é poder ser algum dia
a reticência em sua
poesia

ou largar dessa besteira
d'olhar relógio (para ver se tu chega)
vou lá eu ser alfabeto nada
quero ser dois bolsos e
apertar as tuas mãos
nas minhas

A espontaneidade, quando usada constantemente, torna-se habilidade.

ESU PASSAGEIRO-PRIMEIRO

O ônibus da prefeitura é novo, tem ar condicionado, as janelas não abrem, tem câmera no teto, luzes fluorescentes, chão de chapa de alumínio-xadrez y é amarelo/branco. Parando na Estação Campo da Pólvora, somente a porta da frente se abre para os novos passageiros. Quem tinha de saltar, saltou antes desse ponto.

Alguns "tocs tocs" solicitam a abertura da porta traseira. O motorista não abre, talvez nem tenha escutado. As batidas continuam enquanto o ônibus permanece parado. Por fim, o motorista concede, a porta arreganha e sobe um homem negro-retinto, aproximadamente 1,83, cabelos crespos com traços de dreads, vestindo regata, short e blusa de frio amarrada na cintura, aparentemente embriagado, usando duas bengalas canadenses; tinha um coto de amputação no membro inferior esquerdo.

Com voz estridente, berrou às "senhoras & senhoras" que era poeta. Recitou dois poemas, caminhando com dificuldades ao longo do corredor do ônibus em movimento. Esbarrava num e outro, não pedia desculpa, seguia declamando sua poesia autoral. Na segunda, fez pausa e disse que qualquer moeda lhe serveria para um café. Ninguém estendeu mãos, nenhum barulho de moeda. Parecia um estorvo artístico. A minha mediocridade participava paralisadamente daquele sarau de performance da sobrevivência sem sequer pronunciar uma misericórdia. Uma moeda seria mais útil que minha opinião rimada ou uma compaixão com menos auto julgamento. Não fiz absolutamente a ele. O ignorava em meu corpo; o captava com os ouvidos.

Grande coisa...!

A última poesia era sobre tomates secos. Ele dizia que tomates secos eram como gosto de sangue, gosto de amores. Não necessariamente nessa ordem, mas a metáfora era sobre 'tomate/sangue/amor'. Eu ouvia tudo e traduzia vermelhadamente em imagens. Vermelho.

O ônibus foi parando, a porta se abriu para os passageiros saltarem y o poeta sem perna - que já estava nos fundos - finalizou o poema aproveitando o embalo de descida. Sequer esperou as moedas, tampouco esperou os aplausos, as sellfies e elogios.

Que bom, pois não houve.

Laroyá, Esú. Abre os caminhos para a vida passar!

"CAROSSO"

Não tinha completado sequer três meses desde a minha chegada. Estava muito cedo pra qualquer 'morbo'. Não é que seja sempre de boa uma relação honesta com um esboço de adoecimento, mas já estava tudo tão movediço por aqui...Ter uma amigdalite era sim assombro. Antes fosse essa a dedução. Tireoide - pensei! Outros absurdos também foram cogitados. A região era focal: garganta/laringe/pescoço. Falei de patologia, contudo, a sensação era bolinha de tênis verde-fluorescente; caroço de abacate, nó de corda, ovo que desceu pela goela abaixo e não quebrou. Nenhuma dessas opções eu tinha me apetecido y resolvi comer sem mastigar. Tinha sido posto ali em alguma distração que tive. Bem em minha garganta. Por falta d'água, não era. Nada a descer, aparentemente.

Na transição entre a fase da percepção e queixa, resolvi dar um prazo àquele troço qu'eu sentia. Por sorte - e sorte não pode ser escolhida - me espiritualizei com o tal desconforto. Não doia. Não mexia. Então chamei de desequilíbrio do chákra laríngeo (cor anil). Podia ser isso, afinal, eu tinha passado por uma prática de 21 dias de meditação. Troquei o 'raciocínio clínico' ou aprimorei as associações esdrúxulas. Continuava ali.

Até aqui, não contei sobre os tantos textos e palavras não-ditas nos respectivos três meses. Eu tinha engolido um bocado de palavras. Tive orgulho pra vomitar. Seria desperdício? A meritocracia do hiato me pegou feio.

Finalmente, um dia mandei mensagem. Uma escrita poética, fugaz y entrelinhas. Mas eu estava prestes à cura. Falei e em pouco tempo foi passando. Tantas palavras e sentimentos pra dizer o que é sintomático.

Nunca mais engulo medo. Nunca mais prometo silêncio no futuro.

Guaco!

AOS

aos amores amados:
agradecimento pelo aprendizado
aferição dos tamanhos deixados
transformação é a ordem do espaço
y câimbra/azia/lacrimação
fazem parte de qualquer
altura
afetiva

não há poesia disperdiçada
nem quando não é vista
nem quando não é declamada
não pertence a amores desatentos
não se eterniza em desdém/relento
não depende de 'sim'
quase sempre evita 'não'
poesia é criação fisiológica
se faz até em
modo avião

MANGUSTÃO

Moço, o senhor podia vender mangustão. Maneja tão bem todas as frutas que aqui estão expostas; um verdadeiro boticário - sabes olfativamente ofertar tantas delícias. O perfume mixado de manga rosa, goiaba, bergamota, jaca y jenipapo: não há quem não salive ao passar perto. Essa banca é a oportunidade de comer as cores que a vida sempre pariu. Também sou parido de árvore. Facilmente enraízo, me agrada sol, água boricada, 'auto poda', dou fruto, flor e desfolho. Desde que comi mangustão, procuro repetir o gozo. Tenho pedido pouco, agradecido muito. Até amor incondicional conheci. Já encontrei quase tudo o que acusei falta, mas mangustão tem sido a cobiça. O senhor podia vender mangustão! Veja que planejo comprar. Tantas coisas me são dadas para encontrar... meu recém poder de compra até esperança quis pagar.

saudade é sintoma ou cisma.