Coleção pessoal de Davi-Roballo

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A morte não vem buscar o corpo — vem libertar o que o corpo escondeu.

⁠A alma desce ao corpo como um viajante a um porto estranho, sem mapa nem idioma. Viver é decifrar esse enigma com os olhos fechados.

⁠Entre nascer e morrer, há a travessia — e cada travessia é um templo feito de escolhas e perdas.

⁠Nascer é ser lançado ao deserto da vida. Viver é aprender a ouvir o vento que embala a dança do viver. Morrer é tornar-se o próprio vento.


Morrer não é o fim: é apenas o regresso ao silêncio, com as pegadas do mundo ainda gravadas na alma.

⁠A vida não é uma linha entre dois pontos, mas um círculo que se fecha quando o espírito compreende o porquê do primeiro passo.

⁠Nascer é cair do silêncio de Deus no ruído do mundo. Viver é tentar lembrar o caminho de volta.

⁠Sentir-se não é ser: o delírio pode vestir paletó e saias, mas permanece nu diante da realidade.

⁠A vida não exige certezas, apenas coragem: cada escolha é um passo no escuro que revela a luz que tu és ou a sombra que te habita.

⁠O homem moderno não carrega um relógio no pulso — carrega um espelho onde enxerga o seu pavor de morrer. Quanto mais caro o relógio, mais profunda a ilusão: ele não deseja marcar as horas, mas esquecer que está sendo marcado por elas.

⁠Um dia compreenderás que a luz mais verdadeira não ilumina, mas vela; que a presença mais poderosa não se impõe, mas sussurra por dentro; e que há mais eternidade no silêncio de um homem esquecido do que nos discursos que se pretendem eternos.

⁠O amor que espera retorno é comércio; o que permanece, mesmo em silêncio, é semente de eternidade. Só ama incondicionalmente quem já morreu para o orgulho. O amor sem condições não busca se completar no outro, mas transbordar dele.

⁠Amigo é aquele que caminha ao teu lado sem desejar ser teu destino. A verdadeira amizade não exige espelhos, mas presença. Entre os que riem contigo, poucos te verão quando estiveres invisível ao mundo — esses são os amigos.

⁠A educação que adestra a memória e esquece a alma é apenas um adorno para o ego.Instruir sem despertar é como acender uma vela sob um balde virado. O saber que não conduz à liberdade é apenas outra forma de cativeiro com diploma.

⁠De que serve amar os livros, se o amor não te move à leitura? De que serve ler, se da leitura não extraíres o sumo da ideia? E de que serve abstrair, se não fores capaz de decantar a essência silenciosa que a mensagem, velada, te oferece?

⁠A religião é aquele antolho disposto na lateral de cada olho, para que não vejas que, na vida, caminhas sozinho sobre um fio estendido entre um abismo.

⁠As flores são apenas pedidos de desculpas da Terra por ter gerado essa criatura prepotente e destrutiva que é o homem.

⁠No Brasil o povo vende sua dignidade por um favor, depois acha ruim os políticos fazerem o mesmo, só que em escala maior.

⁠A grande ilusão que nos atravessa não está apenas na política ou na religião, mas na esperança cega de que exista, em algum lugar, um refúgio onde a verdade repouse intacta. Somos todos enganados, sim — mas o engano não é o oposto da verdade; é seu disfarce mais íntimo, moldado pelo grau de consciência que conseguimos suportar. Cada mentira que abraçamos com devoção, cada crença que nos tranquiliza ou revolta, revela menos sobre o mundo e mais sobre a anatomia oculta de nossa alma. No fim, não cremos no que é verdadeiro, mas no que ecoa silenciosamente aquilo que somos.

⁠O Destino dos Lúcidos

O destino dos lúcidos é carregar o peso da verdade
como quem leva água num vaso rachado:
sabendo que, a cada passo, algo se perde,
e mesmo assim caminhando.
Ver além dos olhos é uma ferida secreta,
uma lâmina de luz que sangra devagar,
enquanto a maioria adormece embalada
pelo suave consolo da ilusão.
Os lúcidos atravessam cidades silenciosas,
templos abandonados, desertos sem nome.
Carregam nos ombros o que não pode ser dito
e nos olhos o que o mundo se recusa a ver.
Por vezes, desejam também dormir —
mas a lucidez é uma chama que não se apaga:
ela arde nos ossos,
ela queima no coração,
ela sussurra entre os passos:
“Segue…”
Pois o que vê não pode fingir que é cego,
e o que sabe não pode regressar à ignorância
sem rasgar a própria alma.
O destino dos lúcidos é ser ponte entre mundos,
eco entre silêncios,
voz entre os adormecidos
e chama acesa
nas noites sem estrelas.