Coleção pessoal de cordel_na_rede

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Quem tem coragem no sangue
Não sente medo da sorte,
Passa em fogo e não se queima,
Embarca em qualquer transporte,
Nada no rio da vida,
Voa nas asas da morte.

⁠O mundo só não acaba
Porque não chegou o dia,
Porém com tanta goiaba
Achando que é melancia,
O teto do céu desaba
E a terra fica vazia.

⁠Entre gritos e suspiros,
O ceifeiro não se cala.
Casa-grande traz o vírus,
Mas quem mais morre é senzala.

⁠Quem anda na senda escura,
Com passo ligeiro ou tardo,
Terá de levar um dia
Da vida o pesado fardo
E, após mirar o rival,
Sentir em si mesmo o dardo.

Quem vive para agradar
Da plenitude se priva.
Se um conselho eu posso dar:
Não agrade, apenas viva.

Já fui tantos e nenhum
e, no entanto, irei morrer
talvez sem ter sido um
dos muitos que tentei ser.

A inveja perfura e dói
das bordas até o centro
e depois disso corrói
os invejosos por dentro.

Se essa dor que eu não queria
fosse embora do meu peito
para outro peito, eu seria
infeliz do mesmo jeito.

Não vivemos no passado,
Porém ele vive em nós:
É o antes sem o qual
Não haveria o após,
É a voz da humanidade
Ecoando em minha voz.

ARRIBAÇÃO

Quando deixei minha casa,
Jamais pensei em voltar.
Passarinho que cria asa
Só quer saber de voar.

Voei, caí, levantei,
Fiz juras para o luar,
Fui cavaleiro, fui rei,
Enquanto pude sonhar.

Passou o tempo, e a saudade
Achou de me incomodar,
Lembrando a outra metade
Que deixei no meu lugar.

Busquei de novo o meu norte,
Pedindo à Estrela Polar
Que tua boca suporte
Os beijos que quero dar.

(do livro "Olhos de Pedra", Pergunta Fixar, 2018)

Odiar é plantar dores
Numa quadra antes florida,
E amar é semear flores
Na primavera da vida.

Diante do olhar do outro
todo mundo é diferente.

Falar de ordem e progresso
Será sempre uma balela,
Se a bala do retrocesso
Mata o pobre na viela.

Falar de paz e sossego
É dar razão aos milicos,
Rugindo feio pra os pobres
Lambendo as botas dos ricos.

Levantai-vos, Castro Alves
Do túmulo onde dormis,
Vinde já nesse momento,
Com vossa lira feliz
Permutar as Vozes d’África
Pelas de vosso país.

Na loteria da vida,
Cada um faz o seu jogo
E o ponteiro da sorte
Empurra todos no fogo
Dá a cada um seu prêmio,
Sem ninguém lhe fazer rogo.

Sou menino criado na cidade
nunca tive uma infância na fazenda
o sertão para mim foi uma lenda
que pairou sobre a minha mocidade.
Conheci o sertão, isto é verdade,
assistindo o cinema brasileiro;
Glauber Rocha me deu esse roteiro
e eu que sou bom aluno fui atrás...
Os chocalhos são sinos matinais
nas dolentes canções do bom vaqueiro.

SONETO ANTIFASCISTA

A barbárie caminha a passos largos
E as hienas aplaudem sem pudor,
Sem pensar nos embargos. E os embargos,
No seu bojo, trarão tristeza e dor.

Se os canalhas ocupam altos cargos,
E se o tempo se mostra aterrador,
Colheremos os frutos mais amargos
Vendo o sangue que jorra e mancha a flor.

Depois disso, não mais as primaveras,
Só a luta que brota das esperas,
Ante a fome que mora nas calçadas.

Depois disso, a revolta dos descalços
Sufocada na paz dos cadafalsos
E abafada nas frias madrugadas.

Corrente, fivela, argola,
Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola,
Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.

O amor quando se alberga
no peito do rico ou pobre
se torna logo um guerreio
com capacete de cobre
e só obedece a honra
porque a honra é mais nobre.

Se o amor é soberano
a honra é sua coroa,
portanto, um amor sem honra
é como um barco sem proa,
é como um rei destronado
no mundo vagando à toa.

A VOZ DO SILÊNCIO

Os degraus são da dor e do sofrer,
Só os calam as vozes da virtude,
Mas o lodo da vil vicissitude
Faz o tolo, de início, esmorecer.

Quem se prende a esta lama sem saber,
Gasta muita beleza e juventude,
E, depois da total decrepitude,
Se despede da vida sem viver.

O brotar dos sagrados germes n’alma
Do andarilho, na dor e paz, o acalma
Entre os juncos do ser que é sua senda.

Cada vício é o riso de uma hiena,
E a virtude é a voz meiga e serena
De quem forja na queda a própria lenda.