Coleção pessoal de CatarinaL
Alfétena II - Fuga
É a verdade que devoro ou talvez o tempo, quem dirá?
Sou uma prisão da qual não posso escapar!
E, caso fosse possível, para mar ou além?
Em um mundo de tão pouco, há de considerar-se a pena.
Caudal das lágrimas
É diante de todo este conforto que o homem chora, contudo, desfazendo-me do que é colo, apego-me ao que é sonho, pois sonhar já não é tão simples.
Porque se sangro, sangro de meu corpo, daquilo que me é carne, por aquilo que tão pouco sei.
Assim, para debelar tão puro ódio, tarda-se a oração, pois tal delírio me induz a realidade.
A meia lua
Um lugar tão longe.
Ao ser, um vazio.
Uma lua ao distante.
Um distante tão sombrio.
Foi da lua tal o brilho
Que do ser, um lugar
Um vazio tão distante
Foi-se longe ao luar.
VII - Caso Demiurgo
Não é repentino o fogo, nem por demasia o temporal.
Caso jactante o homem, dar-vos-eis glória aos Sandeus?
Far-vos-eis murito a mular o marado que farado a feitura fugidia?
Tal indispõe da peleja o anturguero alante, domador da razão e amante do caos?
Fragmento VII - Algea
Uma vez que a tristeza é violentada em sua sutileza, nem mesmo Hélio, em sua rogativa, pode amainar seus ventos, de sorte que, barafustar é seu penúltimo ato antes da atimia.
Aquilo que o homem desconhece de si, intui do outro, sendo tal conhecimento, desrespeitoso e inclemente.
Asseguro-te, diante da tristeza, o aninhar de um abraço possui mais poder transformatório que a faculdade de entender o abstrato de outrem.
Fragmento VIII - Violência simbólica II
É em tal precipício de pulsões que o fortuito cumpre o hábito.
A brisa torturante varre o antídoto da inópia, assim,
não pode experimentá-lo nem morte, muito menos vida.
Não há armas nessa peleja; nem tampouco ato que livre.
Parcas águas não podem saciar o homem sem domínio de si,
obstinado a beber daquilo que lhe é comum.
Efluir
Fosse tristeza só minha, choraria, mas é de meu corpo, das juntas a alma, mais que o sangue.
Fosse sangue só meu, morreria, mas é da vida, pobre vida, esvai-se em sangue, agora, também em lágrimas.
IV - Caso lúcido
Dar-se que passiva consciência acomode lucidez duvidosa ou que razão aparente seja reflexo primitivo.
Ora, motivo algum tiveram os homens, cônscios quanto ao ato, juraram inocência, não há que estranhar tamanha rapina, é que nascido o homem dificilmente sobrevive o ser.
XIII - Caso Ontem II
Peguei-me pensando no ontem como quem junta retalhos, agora, o ontem, é apenas uma lembrança fragmentada a ser discutida.
Para mim tais lembranças são como um sonho, tendo em si mesmo sua própria condição de realidade, porquanto, diante da perspectiva do tempo, a diferença do ontem para o hoje é a reminiscência do instante no processo de transição da realidade temporal à realidade atemporal.
Trata-se de um rudimento surrealístico do tempo que transgride a verdade sensível e condicional do momento.
IX – Caso Democracia II
Dá-lhe paz moribunda à dama marginal, sê-lhe bom filho e devota-lhe sentimento virtuoso.
Provai, e vede que no dia de tua necessidade te será por penúria e agravo.
E tu, criatura do sentimento, conhecerás o rebento de tuas chagas, o biltre de vida artificial, o qual sem nome, nem rosto, figura o senso.
VIII - Caso Democracia
Ainda que por ti tenha tamanho afeto, fui néscio ao constar em parte teu.
Sofri o que minhas lágrimas a ti contaram, a dor e o porquê mensura-se, pois dos homens fui cativo em ordem humana, sendo assim, amiúde pejoso vício e ignávia fantasia.
Todavia, uma brisa leste sustou-me tal censura, posto que não houve nenhuma razão para o feito. Desta feita, estou a par de que uma só é a verdade.
Portanto, torna-me um em teus braços vulgares e desperta o que de mim suportas.
Fragmento VI - Violência simbólica
Peço-te, mostra-me como ter-te em liberdade.
Dou-te a boca, e não me chamas pelo nome.
Tiro-te o chão, logo começas a gritar.
E se teu grito é liberdade, por quem clamais?
Cala o teu brado, pois não há quem desperte.
Já não adianta reconhecer tais desequilíbrios.
De ato para si e ficção para o outro.
Tal a tirania do teu beijo e a ironia da tua face.
III - Caso pergunte
Perguntei, contudo, resposta alguma obtive, exceto do silêncio, antes o barulho.
Esquadrinhei a fundo, porém, o chão ainda dava aos pés.
Já não é do tempo o remorso ou da fagulha o fogo.
Não é lenha que esbraseia, nem é pó que cinzenta lassidão.
Não é ferro que ferruja ao ato, nem cinzel que fumega coisa fugidia.
Antes que percebas devota-te em ser, pois o homem, o homem faz perguntas que não quer saber.
Saulo Nascimentto
Fragmento I - Ankou
Um vulto indistinto, entre outros vultos distantes.
Não houve um tempo em que ele era, não houve sequer um instante.
Os outros deixam para trás seus sonhos, desejos e deveres, seus inconstantes.
Ele, porém, em seu sadismo divino, ínsito na própria penumbra,
flutua, do nascimento ao desaparecimento, protegido no seio da imortalidade.
Saulo Nascimentto
Fragmento II - O canto do fim
Estrelas descem e atiçam a chama violeta.
Cães da virulenta coletividade conduzem os que anseiam, imprudentemente, o devir dos insaciáveis.
Assim, os infortúnios que favorecem os excluídos, são as bem-aventuranças da individualidade desperta.
Saulo Nascimentto