Coleção pessoal de CarlosVieiraDeCastro

241 - 260 do total de 378 pensamentos na coleção de CarlosVieiraDeCastro

⁠DE QUEM É O MUNDO

Este mundo que nas suas fundações
Era de todos e de ninguém;
Não havia donos da terra
Nem reis, ministros, barões,
Só mesmo o mistério que encerra
E a finisterra detém?
Tomaram rédea da terra e das águas
Por força de mortais ações
De roubos, pilhagens e grilhões,
Em submissões de choros de mágoas.
De quem é o mundo?
Agora, é de quem mais roubou
E antes deles e dos outros e mais,
Heranças malditas, infernais,
Cheiro a sangue de quem tombou.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 03-10-2022)

⁠DEMÊNCIA
Ela, vem de mansinho
Como gato matreiro,
Ronceiro,
À caça dum passarinho.
Anda, vem, não tenhas medo
Ladra dos seres pensantes,
Fazedora de cenas chocantes.
Anda, que eu fico quedo
Como uma estátua a rir de ti,
Aqui,
Sem medo.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 29-09-2022)

⁠SINFONIA DE OUTONO

Que sons, que magia
Andam no ar todo o dia.
Cantam os frutos ao cair no chão
Toca ainda o vento suão
Nas luras das árvores da fornicação.
A terra farta de ser emprenhada
Pede ao lavrador a paz da enxada.
O lavrador, amealha o pão
Que a mãe terra lhe pôs na mão.
É pão, é fruto, é vinho de suor
E tanta gente a rezar pelo melhor.

Eu também rezaria a cantar
E, ai, se a natureza me desse voz
Eu cantaria para todos vós
Num canto pranto de arrebatar -
Corações do meu abono,
Nesta sinfonia de Outono.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 28-09-2022)

⁠O REFLEXO NA CRUZ

O quarto tão só e iluminado
Pelo pirilampo de uma velinha
Frágil, ténue como a minha
Luz, que tremula este meu fado.

Paredes negras, uma cruz só,
Um teto como um céu a cair
Desabando em mim a sentir
A mágoa de morrer sem dó.

Rompem-se trevas, o negrume,
Explode em vulcões loucos a luz,
Refletindo os raios na cruz,
Parecendo que o irmão Jesus
Me olhava sem azedume,
Num odor de divinal perfume.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 27-09-2022)

⁠PLANTEI

Plantei rosas em pedras.
Nasceram só cardos de espinhos
Rudes, abruptos, mesquinhos,
Sem vontade de afagar.
Voltei a plantar.
Rosas em terra dos campos
Negra, de húmus santos,
Como mulher nova a engravidar.
E os cardos sempre a medrar.
Enxertei cardos com rosas
Plantei e surpresa minha:
Nem cardos, nem rosas,
Apenas teimosos espinhos
Tantos como bichinhos.
Nunca mais planto uma rosa.
Ou por sina ou meu azar
Só nascem espinhosos cardos,
Como pesados fardos
Às costas do meu penar.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-09-2022)

DOU-VOS

⁠A minha tonta cabeça.
Fazei dela bola de futebóis
Nas vossas disputas de álcoois.
Dou-vos os olhos quase mortos
Tristes e absortos.
Dou-vos o peito magoado
Sem jeito de construção
De um novo estrado
Para tapete de chão.
Dou-vos barriga e vísceras
Algumas com úlceras.
Dou-vos os braços e pernas
Já de ossos com cavernas.

Só não vos dou o meu coração
Esse órgão de eleição -
Já o dei a alguém
Que Deus tem -
Desde que nasci até então,
Àquela que me deu a vida
Sofrida,
À minha querida
Mãe!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-09-2022)

⁠ALMA PERDIDA

Caiu-me a alma.
Não sei se dentro de um rio,
Ou na turbulência do mar.
Talvez na montanha
Tamanha de frio,
No calor do estio,
Quente de enregelar.
Será que ela fugiu de mim
E se esconde na cidade imensa
À espera da recompensa,
Numa espécie de arlequim
De rir pelas ruas
Sujas e nuas.
O que é que minha alma pensa?
Fartei-me dela, tão tensa
E cada vez mais pretensa
Gozando comigo sem par,
Que não perco mais um minuto
Em absoluto,
Para a encontrar!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 23-09-2022)

⁠RISO DA MANHÃ

Sempre que rio pela manhã,
À tarde choro lacrimoso,
À noite vem o pranto doloroso
Com lágrimas que queimam,
Sulfúricas,
As minhas ilusões telúricas,
Sempre que rio pela manhã.

E neste signo de afã,
Eu prometi a mim mesmo:
Não rir mais pela manhã!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por escrever, em 23-09-2022)

⁠Não sei como nem porque, troco muitas vezes o nome, a graça, a pessoas como eu.

Mas quando se trata de bois, nunca lhes troco o nome, pelo contrário: anuncio-os aos quatro ventos, sem medos, comichões ou outros pruridos.

⁠CONSTRUÇÃO

Ele construía tudo.

Desde o alicerce mudo
Até ao telhado
Que lhe cobria o pecado
De pintar as paredes
Com cordas e redes
Para sustentar o verbo
Das falas que adjetivava
Um presente sem futuro
Quando mergulhava
Nos advérbios do obscuro
Sem pretéritos perfeitos
Ou mais que imperfeitos.

Ele, o poeta, contruía tudo,
Mas a si próprio, não!
Arquiteto de ar sisudo,
Com a pá da paz na mão.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 21-09-2022)

NA VARANDA

⁠Dois, na varanda.

Duas cadeiras baloiçando
Como a brisa esvoaçando
Por entre macieiras sem fruto.

Ouvia-se a bola chutada por um puto
No sussurro da tarde triste
Que mesmo magoada resiste
Ao sonho do bem-amar
O que não existe
Na solidão dum olhar.

Dois, na varanda,
Duas cadeiras baloiçando...
Era só eu, num sonho que manda
E a nostalgia do vento brando.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 21-09-2022)

⁠Um homem só deixará de ser livre, quando lhe roubarem as chaves da sua gaiola.

SENHORA DAS ÁGUAS

Mulheres grávidas,
Mas ainda castas...

Dizei-me, ó águas
Revoltas,
De placentas soltas
Quais as origens
Da senhora das águas
Virgens,
Como a senhora
Governadora
Das águas do mar?

Dizei-me também, senhora:
Quando nasceram as águas
Das minhas mágoas
Sem mandrágoras,
Sem fé,
Em sacrilégios, até?

Vieste sozinha,
Senhora minha,
Ajudar ao parto
Das águas da vida
Guardadas em tua guarida.

Por isso, nunca nasço
Nem nascerei sem águas
E sem o sangue que não se vê
À partida,
Senhora das Águas
Das mágoas
Da minha vida. ⁠

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 09-09-2022)

DIZ-ME NUM VÓMITO

Diz-me, porque estás triste ?
Amor rebelde, sem meu coração
Do sangue que pedias
Com a tua espada em riste,
Nessa mão,
Tremulando
Velhinha de emoção
Como a minha ficando
Apalpando o que não existe.

Diz-me, porque estás triste ?
Assombramento meu,
Sempre ao cimo da minha cama
De penas,
Tão apenas
Nas noites claras de breu,
Quando eu tinha medo de mim
Ao subir as escadas da cama musical
De bacanais infernal,
Que dizem ser ruim,
Até a do Orfeu.

Maldito seja eu
E quem me desafia
Em euforia,
Nesta noite tão só, tão fria,
Em que vou, sem vir
Mais que tempo de ir
Sem pena
Nem pensar
De voltar.

Diz-me, porque estás triste?...

(Carlos De Castro, " in Portugal Sem Censura, No Brasil, Sim", Em 06-09-2022)

⁠ÉS TU

A pomba.
Da paz
Que não existe,
A não ser no dicionário
Antigo, a cair de podre,
Bafiento e de bichos
Repelentes,
Só lidos por cabrestões
De pitos de funil.

Escusas tu,
Minha pomba
Falsa,
De cor branca,
Comida pelos aventesmas
De mil palavras
De enganar,
Sim, tu:
Escusas de dar voltas
Nos ares a dizer
Que inventaste a paz,
Que ela, a paz, está feita
Em solfejos de mortes
Anunciadas.

E, cuidado,
És sempre tu a primeira
A abater,
Depois de mim,
Claro:
Eu, o agitador,
Conciliador.

(Carlos De Castro, " in Portugal Sem Censura, Brasil, Sim", Em 06-09-2022)

⁠A POESIA QUE ANDA NO AR

Não te quero ver.
Enquanto em ti não houver,
Pombal aberto
De pombas a voar
Nos céus de sal,
Na paz com abraços
Estilhaços
De abraçar
A poesia que anda no ar,
Como estrelas prenhes
De estrelar.
Nos céus do mar
A abarrotar
Por inventar
Nostalgias,
Sem alegrias
De escrever
Para agradar.
É que depois,
Vem a inveja
Negra cereja
E a poesia anda no ar
Aos tombos.
Sem destino,
Porque o poeta é pequenino.

(Carlos De Castro, in Poesia Sem Censura Em Portugal Existe, no Brasil Não, em 03-09-2022)

⁠BARCO AO PERTO

Quem me dá um barco?
Sim, um barco à vela.

Onde eu possa navegar
Ao perto do longe,
Que muito longe
Eu tenho medo
De navegar.
Eu só navego sem medo,
Nas ondas brandas,
Calmas,
Do teu olhar.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 01-09-2022)

I N V E N Ç Ã O

⁠Fui eu que inventei o amor,
Mesmo sem saber se era dor
Aquele ardor que se sente
Logo que se pronuncia
A palavra amor.

Senti-lo, é bem pior
Do que praticá-lo?
Eu sei lá!
Só sei que o amor
É uma coisa
Que quase deixaram
De pronunciar
Com medo do bicho amor.

Afinal, não fui eu
Que inventei o amor
E jamais
O inventarei.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 01-09-2022)

⁠SEPULTURA

Não há sepultura
para o corpo inerte.

Somente uma prisão
terráquea
onde se expia a vida
que já foi movimento,
num silêncio
e numa calma
comoventes.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 01-09-2022)

QUADRAS DESATADAS

⁠Bom dia, é uma saudação
Aos amigos que escolhemos
Mas é também reflexão
Para os desafios que temos.

Pensei que o ser já o era,
Enganei-me estupidamente,
Ao ver uma terrível fera
Beijar a pomba inocente.

É um exemplo a seguir,
Nesta jornada de perigos,
E assim se fazem os amigos
E outros que estão por vir.

Na praia, uma branca rosa
Marca o nosso sítio de amar,
A nossa flor tão chorosa
Ao ser levada pelo mar.

Não longe vem o Outono,
Adeus Verão que já rodou
Como a roda da tua saia
Na saudade que ficou.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 28-08-2022)