Coleção pessoal de besu

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Ó MEU DEUS

Ó meu Deus,
se esta é a distância
que separa a mocidade
da infância,
se são teus
estes modos de verdade,
que outros hei de querer meus?

Ó meu Deus,
se este é o caminho
que traça a tua bondade,
devagarinho
farei seus
meu amor, minha saudade,
e em tudo serei adeus.

TODOS ACORDAMOS TRISTES

Todos acordamos tristes e impacientes:
que melancolia desceu na chuva da noite?
Que sonhos teve cada um de nós,
já esquecidos e ainda atuantes?
Que anjos amargos ficaram à nossa cabeceira?
Todos acoradamos com o coração pesado
e os lábios aflitos.
Que bebida acerba nos foi vertida dos céus?
Que confidências nos fizeram os mortos e os Santos?
Nossos olhos abriram-se a custo, sob muito sal.
Nossos braços estavam sem força, ao despertar do dia.
Por que montanhas caminhamos, de íngreme pedra?
Que desertos atravessamos, de vento e areia?
Em que mares deixamos a sombra do nosso vulto?
Acordamos despojados, divididos, dolentes,
e, exaustos, começamos a recompor
aquilo que, sem nenhuma certeza,
supomos, no entanto, ser, em alma e esperança.

OS MORTOS SOBEM AS ESCADAS

Os mortos sobem as escadas,
sorrindo com seus claros dentes.
Alegrias que nunca tiveram
quando eram vivos e presentes,
felicidades que apenas sonharam
e foram lágrimas somente.

Os mortos sobem as escadas:
inesperados visitantes
vindos dos reinos sem fronteiras
às nossas casas, dessemelhantes.
Ai, bem se vê que não estão vendo
que um vivo é um morto mais distante!

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

HUMILDADE

Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem pra quê.

CONHEÇO A RESIDÊNCIA DA DOR

Conheço a residência da dor.
É um lugar afastado,
Sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
Com umas imensas vigílias, diante do céu.

A dor não tem nome,
Não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.

O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
Mas não é rosto de corpo,
Nem o seu espelho é do mundo.

Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência, longe,
em caminhos inesperados.

Às vezes sento-me à sua porta, na sombra das suas árvores.
E ouço dizer:
“Quem visse, como vês, a dor, já não sofria”.
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.

GATO NA GARAGEM

Que imensa preguiça!
Um gato se estica
longo, de pelica,
de pluma e peliça.

A noite é de tubos
de rodas e cubos
borracha e aço curvos
em subsolos turvos.

Que noite! uma poça
de sombra na boca.
Cega, se alvoroça
e infla, a pupila oca.

Luminosos manda
seus olhos; verde anda
em luz; anda e nada
e é dono do nada.

A noite postiça!
E o gato se estica
em sua pelica,
em sua peliça.

ESPELHO CEGO

Onde a face de prata e cristal puro,
e aquela deslumbrante exatidão
que revela o mais breve aceno obscuro

e o compasso das lágrimas, e a seta
que de repente galga os céus do olhar
e em margens sobre-humanas se projeta?

Onde as auroras? Onde, os labirintos,
- e o frêmito, que rasga o peso ao mar,
- e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos?

Ah, - que fazes do rosto que te entrego?
- Musgos imóveis sobre a sua luz...
Limos...Liquens - Opaco espelho cego!

DAS MINHAS MÃOS, QUE SÃO TÃO FIRMES

Das minhas mãos, que são tão firmes,
cai-me o espelho, que era tão claro,
e à meia-noite se divide,
com meus olhos cheios de teatro.

Nas grandes sedas do vestido,
ficam meditando meus braços.
E de longe correm antigos
pássaros cheios de presságios.

Há um cristal de sonho e de lua
cobrindo com serenidade
as adormecidas criaturas.

Uma mulher no alto da noite
pensa que é solidão, que é tarde,
e que o cristal levou seu rosto.

Se não chover nem ventar,
se a lua e o sol forem limpos
e houver festa pelo mar,
- ir-te-ei visitar.


Se o chão se cobrir de flor,
e o endereço estiver claro,
e o mundo livre de dor,
- ir-te-ei ver, amor.


Se o tempo não tiver fim,
se a terra e o céu se encontrarem
à porta do teu jardim
- espera por mim.


Cantarei minha canção
com violas de eternamente
que são de alma e em alma estão.
- De outro modo, não.

BERCEUSE PARA QUEM MORRE

Dorme... Dorme... Rolam pelas
vertentes
das montanhas, as estrelas
cadentes...

Meu amor, a noite mansa
dança,dança
no silêncio do Jardim...
Lento, um cipreste balança...
Tu, descansa,
meu amor, perto de mim...

Dorme, dorme como as rosas
noturnas,
quando há trevas perigosas
de furnas...

Meu amor, não se descreve
esta neve
que dos céus descendo vem...
É um beijo breve... O mais breve...
O mais leve...
Que não se deu em ninguém...

Dorme... O luar se espalha triste
na altura...
Quem sabe, é, tudo que existe,
loucura?

Tenho seis servos que me ensinaram tudo o que sei: O quê?, Porquê?, Quando?, Como?, Onde?, e Quem?

FLOR JOGADA AO RIO

Entre eclusa e esparavel
faremos a canção triste
para uma flor de papel.

O esparavel a amparar-te,
a eclusa a esperar por ti
e o tempo amargo a quebrar-te.

Flor imaginária _ flor
que vais viver para sempre
só de imaginário amor.

Por isso, entre o esparavel
e a eclusa ficas tão triste
como a canção num papel.

ATÉ QUANDO TERÁS, MINHA ALMA, ESTA DOÇURA

Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre _ insegura _ segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?

O MUNDO DOS HOMENS ENVOLVE-ME

O mundo dos homens envolve-me,
porém não me abraça.

Eu não tenho nada com a onda,
mesmo que naufrague dentro dela.

Se tu não sentes esta coisa simples que eu sinto,
esta unidade que não se rompe,
mesmo quando compreende e participa...

(Então, ó deuses, de que somos, de quem somos, quem somos, e como provaremos sermos todos irmãos?)

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta

E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará...

Nem tudo é fácil

É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.
Se você errou, peça desculpas...
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?
Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida... Mas, com certeza, nada é impossível
Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos,
Mas também tornemos todos esses desejos, realidade!

Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.