Coleção pessoal de bellelara

Encontrados 7 pensamentos na coleção de bellelara

Eu apresento a página branca.

Contra:

Burocratas travestidos de poetas
Sem-graças travestidos de sérios
Anões travestidos de crianças
Complacentes travestidos de justos
Jingles travestidos de rock
Estórias travestidas de cinema
Chatos travestidos de coitados
Passivos travestidos de pacatos
Medo travestido de senso
Censores travestidos de sensores
Palavras travestidas de sentido
Palavras caladas travestidas de silêncio
Obscuros travestidos de complexos
Bois travestidos de touros
Fraquezas travestidas de virtudes
Bagaços travestidos de polpa
Bagos travestidos de cérebros
Celas travestidas de lares
Paisanas travestidos de drogados
Lobos travestidos de cordeiros
Pedantes travestidos de cultos
Egos travestidos de eros
Lerdos travestidos de zen
Burrice travestida de citações
água travestida de chuva
aquário travestido de tevê
água travestida de vinho
água solta apagando o afago do fogo
água mole sem pedra dura
água parada onde estagnam os impulsos
água que turva as lentes e enferruja as lâminas
água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções
insípida, amorfa, inodora, incolor
água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
água onde não há seca
água onde não há sede
água em abundância
água em excesso
água em palavras.

Eu apresento a página branca.

A árvore sem sementes.

O vidro sem nada na frente.

Contra a água.

O escuro é metade da zebra

Cego

Estou cego a todas as músicas,
Não ouvi mais o cantar da musa.
A dúvida cobriu a minha vida
Como o peito que me cobre a blusa.
Já a mim nenhuma cena soa
Nem o céu se me desabotoa.
A dúvida cobriu a minha vida
Como a língua cobre de saliva
Cada dente que sai da gengiva.
A dúvida cobriu a minha vida
Como o sangue cobre a carne crua,
Como a pele cobre a carne viva,
Como a roupa cobre a pele nua.
Estou cego a todas as músicas.
E se eu canto é como um som que sua.

Os peitos

Mulheres
têm dois
peitos. Os
homens têm
um peito só.

O meu tempo

O meu tempo não é o seu tempo.
O meu tempo é só meu.

O seu tempo é seu e de qualquer pessoa, até eu.

O seu tempo é o tempo que voa.
O meu tempo só vai onde eu vou.

O seu tempo está fora, regendo.
O meu dentro, sem lua e sem sol.

O seu tempo comanda os eventos.
O seu tempo é o tempo, o meu sou.

O seu tempo é só um para todos,
O meu tempo é mais um entre muitos.

O seu tempo se mede em minutos,
O meu muda e se perde entre outros.

O meu tempo faz parte de mim,
não do que eu sigo.

O meu tempo acabará comigo
no meu fim.

Cultura

O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.

O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.

O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.

O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.

O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.

A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.

O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.

O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.

O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.

Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.

Iluminuras

Pensamento vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agora
sem o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.