Coleção pessoal de agf

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Vigília das Mães

Nossos filhos viajam pelos caminhos da vida,
pelas águas salgadas de muito longe,
pelas florestas que escondem os dias,
pelo céu, pelas cidades, por dentro do mundo escuro
de seus próprios silêncios.

Nossos filhos não mandam mensagens de onde se encontram.
Este vento que passa pode dar-lhes a morte.
A vaga pode levá-los para o reino do oceano.
Podem estar caindo em pedaços, como estrelas.
Podem estar sendo despedaçados em amor e lágrima.

Nossos filhos têm outro idioma, outros olhos, outra alma.
Não sabem ainda os caminhos de voltar, somente os de ir.
Eles vão para seus horizontes, sem memória ou saudade,
não querem prisão, atraso, adeuses:
deixam-se apenas gostar, apressados e inquietos.

Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos,
querem ir sozinhos, e não sabemos por onde andam.
Não sabemos quando morrem, quando riem,
são pássaros sem residência nem família
à superfície da vida.

Nós estamos aqui, nesta vigília inexplicável,
esperando o que não vem, o rosto que já não conhecemos.
Nossos filhos estão onde não vemos nem sabemos.
Nós somos as doloridas do mal que talvez não sofram,
mas suas alegrias não chegam nunca à solidão de que vivemos,
seu único presente, abundante e sem fim.

A pálida luz da manhã de Inverno,

A pálida luz da manhã de Inverno,
O cais e a razão
Não dão mais esperança, nem uma esperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem um vazio sequer,
Para o meu esperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.

Eu não tô aqui pra sofrer, vou sentir saudade pra que, quero ser feliz
Bye, bye, tristeza não precisa voltar

Dói no coração, às vezes eu lembrar que te amo e não quero te amar

Quero não lembrar, que às vezes sem querer
Me apanho falando em você

A solidão é nada
você vem na hora errada
em que eu não te quero aqui
Que solidão que nada,
eu preciso é ser amada
eu preciso é ser feliz

Nunca terminem o dia sem assinar a paz. Às vezes penso nos casais que, depois de tantos anos, se separam. Talvez não tenha sabido perdoar a tempo.

Eu sei que o tempo vai mudar conforme a maré
A sua caminhada mostra quem você é
Problemas não derrubam eu tô sempre de pé
Mermo com olho grande testando minha fé

Deixei tudo pra traz mas prometi que ia voltar
Meu porto seguro é ela me pedindo pra ficar

Dois grandes destinos

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais

Ontem nos nossos passeios
Havia música e enleios
Perfumes, flores e canção
Hoje pela nossa estrada
Resta uma sombra enlutada
Folhas secas, solidão

Ontem a lua furtiva
Testemunha festiva
Nós dois conversando a sós
Hoje, triste e pezarosa
Se escondeu, fugiu de nós

Ontem nossas mãos unidas
Apertavam nossas vidas
Na febre do nosso amor
Hoje distantes e vazias
Apertam nas noites frias
Um nome, um verso e uma flor

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais

Se eu soubesse que esse mundo
Estava tão corrompido
Eu tinha feito uma greve
Porém não tinha nascido
Minha mãe não me dizia
A queda da monarquia
Eu nasci, fui enganado
Pra viver neste mundo
Magro, trapilho, corcundo,
Além de tudo selado.

Assim mesmo meu avô
Quando eu pegava a chorar,
Ele dizia não chore
O tempo vai melhorar.
Eu de tolo acreditava
Por inocente esperava
Ainda me sentar num trono
Vovó para me distrair
Dizia tempo há de vir
Que dinheiro não tem dono.

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

Triste Partida

Meu Deus, meu Deus. . .

Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai

A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai

Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois a barra não tem
Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai

Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai

Nós vamos a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natá
Ai, ai, ai, ai

O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai

No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai

De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai

E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade lhe molho
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai

Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
À lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai

O Poeta da Roça

Sou fio das mata, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô

Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá

Meu verso rastero, singelo e sem graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade
Canto uma sodade que mora em meu peito

Tua pele traz o cheiro de jasmim.
É teu perfume, flor, cravo, canela e alecrim
Procurando alguém
Só pra cuidar do seu jardim
Regando sua vida todo dia até o fim

Se eu tivesse um mundo só meu, tudo seria bobagem. Nada seria o que é, porque tudo seria o que não é. E, ao contrário, o que é, não seria. E o que não seria, seria. Entende?

Sempre odiei a necessidade de sono tanto como a morte, ele derruba até os homens mais poderosos.

Todos nós queremos mudar o mundo
Mas quando você fala em destruição
Você já sabe que não pode contar comigo

O Tormento de Deus

Deus disse: "Se tal vos repugna,
não acrediteis em mim,
mas ficaria feliz
se encontrásseis algum encanto
num ou noutro ser da minha lavra:
o búzio, onde dorme a música,
o plátano, que cresce para lá das estrelas,
o mar, que diz cem vezes: "Eu sou o mar."
Sinto-me muito humilde:
o meu universo não é mais belo
do que um poema perdido."

O poeta e o poema

Dói meu poema em mim nos seus dois nascimentos:
sobre o papel, dentre em meu peito.
Ele me investe, á enfrentamento,
demônio feito

essa criança a quem se atira fora, ao lixo,
com tanta raiva e rejeição!
Rapta meus versos, só capricho:
São meus ou não?

Dói meu poema em mim no curso da escritura
pois que não quer minha lição.
Para ele eu sou escória pura:
lesma do chão.

Eu me pergunto quando irei compreendê-lo,
trazendo o ritmo seu comigo.
Tenho rigores ou desvelo
de um cão amigo.

Trata-me qual vilão: para que serve o poeta
se é bom sem ele o verso e a rima?
Eu sou a presença indiscreta:
Risque-se em cima!

Dói-me menos o poema uma vez instalado,
definitivo, bem nutrido,
e o meu humor fica acalmado
ao tê-lo lido.

Aceito-o, ele me aceita: uma doce harmonia
deverá, creio, vir à cena.
Tudo de ambíguo se esvazia:
Que paz serena!

Temos de juntos ir à conquista da meta,
deste vasto universo, ousados
pois o poema e o poeta
estão vedados.