Cecilia Meireles Despedida Amigo
O mosquito escreve
O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.
Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.
Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.
Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?
E ele está com muita fome.
Recado aos Amigos Distantes
Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
Se me contemplo,
tantas me vejo,
que não entendo
quem sou, no tempo
do pensamento.
Vou desprendendo
elos que tenho,
alças, enredos...
Formas, desenho
que tive, e esqueço!
Falas, desejo
e movimento
— a que tremendo,
vago segredo
ides, sem medo?!
Sombras conheço:
não lhes ordeno.
Como precedo
meu sonho inteiro,
e após me perco,
sem mais governo?!
Nem me lamento
nem esmoreço:
no meu silêncio
há esforço e gênio
e suave exemplo
de mais silêncio.
Não permaneço.
Cada momento
é meu e alheio.
Meu sangue deixo,
breve e surpreso,
em cada veio
semeado e isento.
Meu campo, afeito
à mão do vento,
é alto e sereno:
Amor. Desprezo.
Assim compreendo
o meu perfeito
acabamento.
Múltipla, venço
este tormento
do mundo eterno
que em mim carrego:
e, una, contemplo
o jogo inquieto
em que padeço.
E recupero
o meu alento
e assim vou sendo.
Ah, como dentro
de um prisioneiro
há espaço e jeito
para esse apego
a um deus supremo,
e o acerbo intento
do seu concerto
com a morte, o erro...
( voltas do tempo
— sabido e aceito —
do seu desterro...)
Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, — e resiste,
Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente...
Cabecinha boa de menino mudo
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.
Cabecinha boa de menino santo
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto.
Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuiria.
"Vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação
Quem ordena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
cai o castigo e o perdão
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados...
liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são"
"Tenho o coração parado
Como se não fosse viva (...)
Vamos a ver se a minha alma
Fala verdade ou mentira"
Que tudo passa...
O prazer é um intervalo
na desgraça
Que tudo acaba!
Quem diz que a montanha de ouro não desaba?
Que tudo engana
Gente, só a morte mesmo,
é soberana
"Nós aqui movendo as águas
e as pedras, desta maneira!
-Pois, não deixaremos nada:
nem o nome da caveira
Que a nossa vida
é a mesma coisa que a morte
-noutra medida"
"Escuto os alicerces que o passado
tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas
de muros de ouro em fogo evaporado"
"Tão feliz que me sentia,
vendo as nuvenzinhas no ar,
vendo o sol e vendo as flores
nos arbustos do quintal,
tendo ao longe, na varanda,
um rosto para mirar"
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos diaslímpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
"Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol."
Máquina Breve
O pequeno vaga-lume
com sua verde lanterna,
que passava pela sombra
inquietando a flor e a treva
- meteoro da noite, humilde,
dos horizontes da relva;
o pequeno vaga-lume,
queimada a sua lanterna,
jaz carbonizado e triste
e qualquer brisa o carrega:
mortalha de exíguas franjas
que foi seu corpo de festa.
Parecia uma esmeralda
e é um ponto negro na pedra.
Foi luz alada, pequena
estrela em rápida seta.
Quebrou-se a máquina breve
na precipitada queda.
E o maior sábio do mundo
sabe que não a conserta.
Música
Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida
no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,
puro e sem nada,
- rosa encarnada,
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,
e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,
mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua
a minha vida
num chão profundo!
- raiz prendida
a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,
muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada
ao tempo lento...
Minha partida,
minha chegada,
é tudo vento...
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada...
“Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Querer ser a alma infinita de tudo.
Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti”?
"Riqueza grande ta terra
quantos por ti morrerão! (...)
Há multidões para os vivos:
porém quem morre vai só. (...)
há mais forças, mais suplícios
para os netos da traição. (...)
Quem não presta, fica vivo;
Quem é bom, mandam matar."
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