Carlos Drumond de Andrade Contagem do Tempo

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O amor não é um sentimento, é um modo de ser. É um juramento interior de defender o ser amado até à morte, mesmo quando ele peca gravemente contra você. O amor é mesmo, como dizia Jesus, morrer pelo ser amado. Quando a gente espera que o amor torne a nossa vida mais agradável, em vez de sacrificar a vida por ele, a gente fica sem o amor e sem a vida. O amor é o mais temivel dos desafios, porém, quando você o conhece, não quer outra coisa nunca mais.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.

Libelo

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é pra ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor de cheirar?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos pra mexer na terra e arranhar uns acordes no violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar...

- Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de casa e de bar?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?

- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o desatino o carrega em sua onda sem rumo?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...

Vinicius de Moraes
Para uma menina com uma flor

Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo.

Que o senhor volte os olhos para ti e te dê tua paz.
Que o senhor te abençoe.

Um modo diferente de pensar,
personalidade forte,
olhos castanhos marcantes e profundos
Ela ri do nada, mas só ela sabe o que a fez rir,
com sono, mas atenta a tudo que acontece.

Sempre com um sorriso marcante no rosto,
mesmo triste está com aquele sorriso vivo no rosto,
rosto esse que nunca quero ver triste.

Emite alegria a todos que estão perto dela,
até a pessoa mais triste por perto fica com felicidade perto dela.
Uma inteligencia muito grande e diferente que valoriza tudo que á é apresentada.

Como seu nome é Gótico tem uma natureza mística,
magia essa que lança a mais poderosas das magias a AMIZADE.

Loucas as pessoas que não se encantam com essa Gótica.
Gótica essa que não assusta,
mas só traz a alegria e a amizade.

Perder um amor não é o fim da capacidade de amar, é apenas o recomeço de novas possibilidades.

Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental.

Vinicius de Moraes

Nota: Adaptação de trecho do texto "Receita de Mulher".

Fui tomar satisfação a meu pai sobre esses assuntos do céu: "O povo diz que o céu é la em cima e o inferno é lá embaixo. Mas se a Terra é redonda e tem céu em toda a volta, onde fica o inferno?". Meu pai, meio agnóstico, meio crente, me deu uma palmadinha carinhosa e se saiu: "O inferno é aqui mesmo. Vá brincar!"

Rock'n roll não é vestir preto, rock'n roll é ter um cérebro.

Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.

Machado de Assis
Dom Casmurro

Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta.

Marla de Queiroz

Nota: Trecho de texto de Marla de Queiroz. Por vezes, é atribuído de forma errônea a Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector.

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Para os que Virão

Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.

Monólogo de Orfeu

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa

O meu peito em soluços!
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo!

Vinicius de Moraes
Álbum "Vinicius: Poesia e Canção"

Nota: Música composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim

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Não há amor fora da experiência do cuidado. A vida requer cuidado, os amores também.

Que pode ser tão raro, que não pode ser incluso na lista dos "Desapegos"?

Porque eu tenho pesadelos que parecem tão reais até quando você me abraça. E eu acordo triste, e brigo de verdade e passo o dia grave e dolorida como quando a gente leva um tombo no piso liso... que é só o passado. É como se eu sentisse um ciúme horroroso do meu livro predileto comprado em sebo, a dedicatória apaixonada que não é a minha, os resquícios do manuseio de outras mãos. Alguém corrompeu o trecho que eu mais gostava quando grifou à caneta algo que não pude apagar com borracha e que era tão secretamente meu. Desenhou corações onde só havia minha dor e eu discordei da interpretação alheia. E achei aquilo tudo de uma crueldade atroz. Mas permaneci com o livro no colo, cheia de um afeto confuso por ele: afeto pelo que era, angústia por já ter sido de outro alguém, e aquela sensação (imbecil) de falta de exclusividade. Eu que sempre achei que tudo é e está para o mundo. Perdoa o meu senso de autoimportância, já que não consigo perdoar o meu egoísmo. Eu sei que em alguns presentes, no embrulho, laços do passado são aproveitados. Eu só queria que eles não fossem tão vermelhos: desses que doem nos olhos e no coração.

A paz não é um bandeira branca, é uma alma limpa.