Camila heloíse
Sabe a poesia mãe dos dias? Revirou. Revirou lixo e achou luxo. Revirou estômago e vomitou temporal.
Avisou que no coração agora, é carnaval.
Comprimir numa caixa as percepções que capto, as decepções e os desencantamentos diários; ao final emudecer e lacrar. Não vale a pena falar.
Serei eu que corro demais contra o tempo sem necessidade? Ou as pessoas que se entregam a ele por falta da vontade?
O absurdo calou minha boca com golpes duros de irrealidade. Desde então não existem mais palavras, só fantasmas e um túnel com luz no final.
Era um vazio corrosivo, uma falta permanente, um buraco negro engolindo e partindo-a em pedacinhos de cristal ao chão.
A vida que ficou, que fique...
Era noite de lua nova, da minha varanda, acendi um cigarro...
queria relaxar meu corpo e alma.
O dia tinha sido duro, os caminhos querendo se fechar, e eu queria só me isolar.
Foi quando de verdade, me deparei com aquele luar, que estava lindo de louvar...
E pude despertar pro meu caminhar, e não mais naufragar...
Resolvi naquela noite, não mais perpetuar, aquilo que não era pra me edificar.
Quero me elevar, me resguardar e não mais me sujeitar...
A vida que ficou, que fique...
É como se eu quisesse pegar um objeto inalcançável...
tem vidas e situações, que nada podemos fazer, a não ser crer.
Tudo começa a partir de nós, como posso querer para o outro, aquilo que nem ele quer para si?
Não posso mudar o passado recente e de outrora...
Quero ousar em meu cantar, em meu habitar, a vida que quero proclamar.
Vivendo os dias devagar sem ter pressa de acabar...
E os meus ascendentes, que me desculpem...
mas não quero estacionar, quero florescer e em largos caminhos passar...
Olhar para trás e de verdade apagar aquilo que pessoas tentaram findar.
E seguir a sonhar, com os meus anjos a me acompanhar...
Porque se estou nesta vida, a mesma, é para ser seguida, de cabeça erguida.
E ir além, amando e me dedicando, pois me quero bem!
Camila Senna*)
Ah, Coração de margarina
Ansioso por derreter
Não se arrepende de sentir
Quão derrete, quão é feliz
Razão para deixar de assim ser não ousa procurar,
prefere desconhecer
Ele ali,
renegado por si próprio,
jogado ao léu,
mal se lembra de quem foi.
Recostado num banco sujo
conta os carros que passam na avenida,
sem propósito pra vida.
Será que hoje terá comida?
É livre, mas vive limitado a uma praça.
É homem, mas criou raízes num canteiro.
Talvez pense: "nunca desistirei".
Se isso é bom ou ruim, não sei.
Ele não tem direção, é como um plebeu sem rei.
Maltrapilho, fétido...
Será que sempre fora assim?
Alma sempre tivera, apesar de qualquer adversidade.
Disso sempre se lembra até com certa facilidade
e julga-se importante sem jamais ter sido premiado com medalha ou troféu,
simplesmente por saber já ter sido para alguém como um pedaço de céu.
Reluzente sem ser ouro
Mesmo assim é tesouro
Não se esconde nem mesmo se guarda
Gosta de brilhar e ser admirado
Vaidoso como é acredita que é sábio
Esse é seu único defeito
Que com algum carinho pode ser superado
Pois tem muito que lhe compense
Ideia, afago, sugestão
Tudo sem suspense
Paciente, cheio de encantos
Certos tesouros ao se dividir são multiplicados
Invadiu meu ser, me consumia sem dó
Um calor que se instalava por todo meu corpo
E em minha cabeça era capaz de dar nó
O desejo era gritante e eu já rouca e cansada
Sem mais condições, não aguentava
Só naquilo eu pensava
Apressada fui ao seu encontro
Ávida pra curar meu pranto
Enfim cheguei, meu doce deleite
Na geladeira um litro d'água
Matei assim minha sede!
É espelho, intransponível
À simplória vista, patente
À sensível, profundeza sem fim
Prazer é olhar-te e me deixar envolver
É oceano, intrigante
Obscura superfície
Tanto mistério esconde
Prazer é mergulhar-te e me deixar absorver
É noite, fascinante
Breu, que não impera absoluto
Graças ao luar e às estrelas
Prazer é admirar-te e me deixar amolecer
Vestia os olhos com amor para melhor o outro ver
Mesmo que feio lhe parecesse, moldava com ternura o seu perceber
Por detrás da carapaça alguma beleza havia de encontrar
E se todo mundo é feito de defeito, tantos seria capaz de suportar
Caso não entendesse procurava razão, e se não encontrasse...
Ah, deixa estar!
A beleza da gente está na dificuldade que há em executar
Essa tarefa impossível que inventamos de a cabeça do outro desvendar
São infinitas as diversidades para assimilar
E, no mais:
O próximo amar não é o mesmo que as diferenças aceitar?
Sonho quase adormecido
Quase é consciência
Quase é elevação
Lúcido devaneio
Nele pode tudo
Cria
Mata
Sente
É
Como dança
Ora leva
Ora levam-no
Profetiza
Quase decide
Por vezes
Do controle escapa
Criatura
Avivou-se
Ganhou nariz
Desvencilhou-se
Rende-se o autor
Habituado a tal audácia
Levemente
Permite-se levar
Deita
Deixa
Sonha
Dorme
Acorda, então
Ideias em turbilhão...
Será intuição?
Sozinha na multidão
Como tantos outros
A sós consigo mesma
Esperava por resgate
Soprou a mensagem
Qual será o destino?
Naufragou numa ilha
Mas sonhava sair dela
Seria possível?
Imaginava-se voando
Encontrando a paz
Desejada paz de alma
Idealizava o bem viver
Que ali não poderia estar
Juntou-se a outro náufrago
Compartilhavam tal propósito
Deram as mão
Eram fortes
Seguiram com esperança
De início planejaram
Dia após dia, pouco a pouco
Traçaram uma rota
Detalhes e mais detalhes
Arquitetaram uma embarcação
Testaram por precaução
Era hora de esperar
O dia perfeito chegaria
Iriam embarcar rumo a paz
Quanta expectativa
Viveram naquela agonia
Por longos tempos
Enfim o tal dia se aproximava
Conforme precisos cálculos
Seria no próximo entardecer
Eis que surgia o esperado crepúsculo
Que fascínio
Um lindo céu de batata doce
Observar era como fazer uma prece
Era como estar em transe
Quando se deram por conta
Tarde demais, que sorte
Foi-se o tal momento perfeito
Não embarcaram, nem esbravejaram
Tudo era fantasia
A paz que tanto almejavam
Dentro daquela velha ilha estaria?
Não foi necessário embarcarem rumo à paz
A paz embarcou rumo a eles
Invadiu suas almas com sutileza
O esperado pôr-do-sol
Foi mesmo digno de espera
Tal qual realeza
Defendia a ideia
Com fé e sofreguidão
Argumento tinha de cor
Persuadiu
Foi convicto
Noutro dia repensou
Cambiou
Não enganou
A percepção mudou
Impetuosa
Toma de assalto
Faz a cabeça
Muda a opinião
Cria verdades
Olha nos olhos
Toca sem pudor
Dispara o coração
Estado de graça
Querer bem ao mundo
Até com o dia chuvoso
Satisfação
Tira o senso crítico
A outros olhos é ridículo
Mas quem se importará
Quando tratar-se de paixão?