Quintana Amar
Gosto muito de não registrar os acontecimentos da minha vida (não escrevo diários, não tiro muitas fotos) para poder recriá-los mais tarde nas minhas ficções com toda a liberdade, sem me preocupar com como realmente aconteceram, mas como me lembro deles. Eu realmente não me importo com a realidade dos eventos, mas como os vivi ou os senti.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Delícia de fechar os olhos, por um instante e assim ficar, sozinho, fabricando escuro... sabendo que existe a luz!
O que mais me revolta nas matemáticas são as suas aplicações práticas.
Todo esse apego do homem ao cachorro é porque o cachorro considera o seu dono o primeiro homem do mundo...
Se a tua vida não puder ser uma tragédia grega – por amor de Deus! – não a faças um tango argentino...
A única coisa que nos diferencia de peixes num aquário é que temos consciência dos limites de nosso mundo…
Haverá coisa escrita que não seja póstuma? Tudo que sai impresso é epitáfio...
Proletário
Sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados.
Os chinelos são um par de gêmeos obedientes, sempre juntinhos ao pé da cama, pacientemente à espera do papai, que às vezes custa tanto a chegar.
Preocupar-se com a salvação da própria alma é indigno de um verdadeiro gentleman.
Fazia tanto calor que as sombras se ocultavam debaixo da barriga dos cavalos e da copa das árvores.
O bom das filas é nos convencerem de que afinal esta pobre vida não é tão curta como dizem.
Meu Deus, por que será que nos sentimos tão culposos diante desse olhar interrogativo que nos lançam, às vezes, os cães? Mas culposos de quê?
Conhecer o mundo não adianta nada: as viagens apenas complicam a ignorância.
O mais difícil na morte é acomodar-se a gente aos novos hábitos.
Talvez a poesia não passe de um gênero de crônica, apenas: uma espécie de crônica da eternidade.