Luze Azevedo

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⁠o ato do perdão, dizem, é libertador.

perdoar pode não trazer essa libertação esperada, pois a dor ou o impacto dos eventos passados é profundo e contínuo. a ideia de que o perdão é uma chave que "libera" automaticamente o futuro pode ser uma expectativa irrealista.

algo que afrouxa as correntes, solta os grilhões e permite à alma respirar aliviada, como se o peito estivesse livre de um peso imensurável. mas há um tipo de perdão que, em vez de abrir portas para o futuro, mantém os pés do perdoador e do perdoado presos no passado, numa espécie de armadilha emocional que finge ser redenção. esse é o perdão que não edifica, que não ilumina. um perdão que parece ouro à primeira vista, mas que, com o tempo, mostra-se apenas uma ferrugem que corrói.

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⁠⁠02h15 | 02.set.024 - o verbo que transita entre nós

o verbo que transita entre nós,
é ponte entre o ser e o sentir,
um laço invisível de existir.
carrega o peso de histórias passadas,
e a leveza de promessas caladas.

o verbo que transita entre nós,
transita entre o olhar e o gesto,
no eco de um sorriso modesto.
navega em mares de dúvida e fé,
costurando o destino em cada maré.

o verbo que nos habita e nos move,
não se cala, não cessa, nem dorme.
é a chama que arde, constante e nova,
transformando o mundo enquanto nos envolve.

Inserida por LuzeAzevedo

⁠O Sorriso de Paúba
a chuva havia dado uma trégua em Paúba, trazendo aquele cheiro de terra molhada misturado ao sal do mar. o céu, ainda carregado de nuvens cinzentas, parecia hesitar entre a melancolia do temporal e o brilho de um sol tímido, que tentava se infiltrar entre as frestas das nuvens. foi nesse cenário que ela surgiu, caminhando pela areia úmida como se o próprio dia se inclinasse para saudá-la.

seu sorriso era um farol. não era daqueles espalhafatosos, que exigem atenção em qualquer multidão. não, o dela era outro tipo de magia. ele surgia suave, mas de uma maneira que parecia dançar no ritmo da brisa marítima. não era um sorriso para ser apenas visto, mas sentido. e eu senti.

sentados à mesma distância do mar, mas em mundos diferentes. eu, com meu caderno no colo, rabiscava palavras que ainda buscavam algum sentido. ela, com os pés descalços, parecia não escrever, mas caminhar entre histórias com sua escultura de gravetos. seus olhos capturavam o horizonte, como se o vasto azul escondesse respostas que só ela sabia interpretar.

"Parece que o mar quer nos empurrar um pouco mais perto dele," disse, com aquela voz que já carregava a melodia de quem sabe acolher.

conversamos sobre o clichê e a poesia dos dias nublados. ela falava com a sabedoria de quem já havia enfrentado tempestades, mas sabia que cada uma trazia uma promessa de arco-íris. perguntou-me o que eu rabiscava, e quando mostrei os versos inacabados, seu olhar brilhou. "Você escreve o que sente ou sente o que escreve?" perguntou, me deixando sem resposta e completamente fascinado.

mais tarde, o sol finalmente venceu a batalha contra as nuvens. o céu ganhou cores vibrantes, e Paúba, antes melancólica, se transformou num quadro vivo de tons dourados e alaranjados. ela olhou para aquele espetáculo natural e comentou, quase sussurrando: "Tem coisas que a gente só entende quando para pra olhar."

aquele sorriso, que não era farto nem escandaloso, era na medida para impactar qualquer coração que carecia de um pouco de luz, me deu adeus. nos abraçamos, e foi ali, naquele instante, que entendi o poder da conexão coração com coração, bantendo no mesmo tom. era como se ela tivesse a chave para reorganizar qualquer desalinho do meu dia.

ao vê-la partir, percebi que não perguntei seu nome, mas também não precisava. pessoas assim não precisam de títulos ou etiquetas. elas são o momento, o instante de renovação. quando voltei para meu caderno, as palavras pareciam fluir com mais clareza. e no meio daquelas linhas, escrevi: "Ela tem um sorriso que é remédio, um raio de sol que aquece até os dias mais tempestuosos."

Paúba nunca mais foi a mesma para mim. e eu nunca mais fui o mesmo para o papel.
@19 de setembro de 2011

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⁠⁠04h16 | 06.jan.025 — ⁠/ainda estamos aqui/ Meu Amigo!
Reflexos de um Globo de Ouro e uma Canção

no domingo, 05JAN024, Fernanda Torres subiu ao palco para receber o Globo de Ouro por sua atuação em Ainda Estou Aqui. o aplauso emocionado não era apenas para a atriz, mas para a força de um filme que resgatou sentimentos e memórias. entre elas, o interesse renovado por um disco marcante de Erasmo Carlos, aquele que trazia a emblemática É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo.

o álbum, lançado há décadas, representava mais do que um marco do rock brasileiro. era um rito de passagem, o som de um jovem músico cruzando a ponte entre o ímpeto da juventude e as reflexões da vida adulta.

curiosamente, a música que ecoa no filme foi lançada no mesmo ano em que a trama se desenrola, quase como se o tempo tivesse dado um nó. estivesse certo em sua decepção. mas talvez também possamos ressignificá-la. a utopia não é o inalcançável, mas o horizonte que nos guia. É o sonho que nos move, inspira e dá sentido, mesmo diante do caos. se perseguir o impossível é um ato revolucionário, então que sejamos rebeldes.
Erasmo, em entrevista à revista Veja em 2021, desabafou com uma franqueza cortante:
"O mundo todo involuiu. Não era esse o mundo que eu imaginava nos anos 1970. Eu imaginava que as coisas seriam mais esclarecidas, mais modernas, mais fáceis. Eu imaginava a ciência do bem prevalecendo sobre a ciência do mal. estou decepcionado com o mundo, inclusive com as pessoas."

é uma confissão que reverbera. afinal, quem nunca se sentiu assim? hoje, parece que as crises ~ climáticas, sociais, econômicas e emocionais ~ colidem em uma sinfonia dissonante, forçando-nos a encarar o que negligenciamos: o coletivo, a empatia, a comunidade, e a nossa harmonia com o planeta.

reverter essa trajetória não é simples, mas tampouco impossível. começa pelo olhar interno, pelo desaprender de padrões que nos trouxeram até aqui. é preciso construir novos caminhos, onde a solidariedade e o bem comum sejam os guias. pequenas ações, conversas profundas, gestos sinceros ~ tudo isso tem um peso que, somado, pode redesenhar o futuro.

e, sobre a utopia, o Tremendão talvez estivesse certo em sua decepção. mas talvez também possamos ressignificá-la. a utopia não é o inalcançável, mas o horizonte que nos guia. é o sonho que nos move, inspira e dá sentido, mesmo diante do caos. se perseguir o impossível é um ato revolucionário, então que sejamos rebeldes.

entre prêmios, canções e reflexões, ainda Estou Aqui não é apenas um filme ou uma conquista. É um convite para pensar sobre quem somos, para onde vamos e como ainda podemos ~ e devemos ~ dar um jeito, meu amigo.

Inserida por LuzeAzevedo