Douglas Trindade
Pobre indivíduo, individado como só ele
É o destino, diaxo! O todo poderoso
Se soubesse que ia ser assim, não teria entrado na casa do cifrão
Só queria ter um lar, um cantinho para chamar de seu
Quanta hipocrisia ronda esse popular
Acreditou no anúncio e viu no que deu
Agora só resta rezar
E marcar na memória
O quanto um falso sorriso doeu
Essa é a verdade do país continental
Onde o malandro tem sempre seu lugar
No pesadelo de cada trabalhador
Inclusive no meu
Brilham como diamante
Os olhos destes amantes do dia
Por um instante, as joias são belas
Mas não amadas pelos olhos
Desses amantes da vida
Para rasgados costumes
Trago novas costuras
Feitas com linha cultura
De informar-se para só depois transformar
Há lugar para se acomodar em paz
Sem alugar a paz incomodada do mundo
Se tem pena de tudo
É uma pena não ter solução
É uma pena para cada questão
Aguenta apenado cidadão
A pena do cidadão
Pássaros não usam dicionário,
eles apenas voam e se entendem.
Quem será que os ensinou,
a não serem como a gente?
Me sinto distante desses seres racionais,
que não ligam se suas penas são diferentes dos demais…
A partir de hoje,
vou partir ontem em dois
e partir para o amanhã.
Pode-se inventar soluções
do que enfeitar problemas.
PARTIR
Navegar-te foi ausência
Entender-te foi silêncio
Parto agora sem ressalvas
Parto também o meu peito
Logo à frente um sorriso
Ao sul de algum lugar
A vida é partir
A morte é ficar
DOIS
Uma ideia
Calma e doce
Alma e corpo
Lua ao fundo
Finda o outro
Sem relevo
Contorna o eterno
Amor profundo
Na varanda
Dois corações
Dos corações
Que pulsam o mundo
Perco-me em pensamentos, e quando o vento retoca a beleza das folhas do ipê ao lado de minha janela, a vida num sopro mostra-se branda. O peito antes apertado, agora expande-se como se fosse abarcar tudo que a vista alcança. Minha angústia dissolve com tamanha rapidez que parece nunca ter existido. E eu, retomo o prumo de minha existência; e como aquele vento, sigo a retocar a beleza de tantas outras folhas por aí…
DA POESIA INDIGESTA
Corro, recorro
Penso, repenso
Sem pressa a prece em socorro
Em absurdo meu Eu absorto
Num rastro de uma dúbia linha
Agora tênue linha transpasso
E creio
Na pele
na carne
E no espaço
Quando nem homem resta
Do que sobrou
Do risco
Da fresta
Sem rima
Na via sem volta
Da poesia
Por fim
Em mim, indigesta
PÁLIDAS PAREDES BRANCAS
Quando olhei, pálidas paredes brancas
Tão gélidas que congelavam-me o pudor
Cercavam um pequeno espaço irregular
De um lado o peso do tempo
Intacto e sólido
Do outro, o peso do corpo
Disperso e flácido
E no centro de tudo
O olhar do retirante
Ríspido e desconexo
Acuado pelas pálidas paredes
E pelo esboço de uma era
Que sucumbiu ao veneno das meias verdades
E do riso frouxo e estéril
SONÂMBULO
Vitória para ti sonâmbulo
Que perambula na tessitura da noite
E no relevo das notas, ruidosas noturnas
Deita teu corpo cansado e disperso
Enquanto o sono esconde o sonho mais belo
Dado ao guerreiro como troféu de ouro e sonífero
Pela odisseia noturna da todos os dias
No limbo e na relva do acordado desgosto
Onde o ruído do ventilador é ode ao calor
E também uma das sete pragas do Egito de tuas entranhas
E do fervor infernal de teus pensamentos
Tão agarrados a tua carne
Que parecem fios de linho do lençol que nunca o cobre
O corpo que nunca para
Por hora vago e flutuante
Sozinho e tenso
Imagina o sol já se pondo
E sem armas nas mãos, o olhar desfalece
A coluna estala, mais uma ruga aparece
O alarde das horas marcam tua pele frígida
Náufrago, que durmas de olhos abertos
Absorto na sede da indigesta vitória
Pois nas tuas olheiras mais um dia floresce
A guerra acaba
O sono cede
Amansa teu prumo
E vai trabalhar
SILÊNCIO
Que longo silêncio nos consome
Que até o pingo suave da chuva
Retumba seco
E ecoa na alma
Que até a freada de um carro distante
Se torna presente
e freia minha fala
tímida
tremula
E rasa
Que longo silêncio
Que derruba calado
Nosso olhar desviado
Para o canto da sala
E no canto que cruzam
Paira o longo silêncio
Paira o pingo da chuva
E outro carro que freia
E a mão que não toca
E o calor que não vem
Pois a fala apertada
Sem querer quase fala
Que no canto da sala
O olhar que não cruza
Já cruzou outro alguém
A MESA
Mesa que apoio meus braços
Por laços a tenho há anos
Mogno maciço curado
A pena, lamentos e prantos
TROVÕES
Trovões, trovões, trovões
Mil vezes teus brandos trincados
Que rompam a tampa do mundo
Mas não os encontros marcados
REI CALISTO
Calisto é rei do mundo
O mundo tem um rei
E há de ser o velho Calisto
O resto não é digno
O resto é frouxo
O resto não é Calisto
O verdadeiro rei
Mas uma avaria aconteceu
E até Calisto é carne
E toda carne é resto
Aquele resto que não é rei
Mas apodrece com dignidade
Ora, ora rei Calisto
Agora és podre aos pés do mundo
Jogado ao resto no solo
E carne ao sol cheira mal
Aqui jaz O rei Calisto
Visto a luz de um verme
Um resto indgno, frouxo e mortal
POEMINHA DO DESASSOSSEGO
Foge agora o sentimento
cerne bruto a lapidar
pelo gorjeio do tormento
sobre o afago do luar;
turvo ensaio a rima
sinto pulsar o coração
anseio pela obra-prima
ao moer minha paixão;
e os gritos antes imersos
no silêncio sem coragem
agora rasgam estes versos
e desatinam minha imagem;
e tudo vaza e tudo grita
num acalanto sem perdão
e pela artéria da escrita
navega a esmo a razão;
então voo feito nada
leve ao sopro de Caeiro
sem o olhar da musa amada
resta a pena e o tinteiro;
ouço sutil minha essência
como harpa nota a nota
sou faísca da existência
na vã redoma da revolta;
caio desperto em teimosia
fôlego de tolas incertezas
e quando vejo é poesia
divina dama das tristezas;
surge rubra em vasto alarde
arrebata o mundo que percebo
tem ela o poente da saudade
dor da verdade que recebo;
foge agora o sentimento
foge o ar, o verso e a aflição
foge o assombro em pensamento
foge o desassossego em questão;
- Posto em um arranjo
sem o espanto de outrora
vejo a face de agora
juro, sonha, parece anjo!
O SAPATO
Marquei o traço do passo apurado,
do sapato seco.
Partia torpe no calor, eu o via árido
no beco.
Quem o calçava passava aperto
naquela fuga.
Era a gravata cara voada ao vento.
Era ruga.
Olhos famintos, não minto, suando,
sem rumo, sufoco!
Atenta doutro lado, a vida, passando
o pisado oco.
Não esqueço o dia daquela trajetória ruim.
Tempo que passar.
Marquei-o tanto na memória, que a mim
doía caminhar.
PORTA
Batem na porta
de madeira macia
com uma raiva que dura
consome o que importa;
Pouco explico a madeira
mas a vida eu queria
macia e desnuda
como a mão lá na porta;
Batem na porta
cortada do campo
surrada do tempo
serrada sem dó;
Batem em mim
de matéria e madeira
de sangue e poeira
e por fim, todo pó.