Arthur Rimbaud
Dos meus antepassados gauleses tenho os olhos azuis pálidos, uma firmeza limitada e a falta de habilidade na luta.
Canção da Torre Mais Alta 
Mocidade presa 
A tudo oprimida 
Por delicadeza 
Eu perdi a vida. 
Ah! Que o tempo venha 
Em que a alma se empenha. 
Eu me disse: cessa, 
Que ninguém te veja: 
E sem a promessa 
De algum bem que seja. 
A ti só aspiro 
Augusto retiro. 
Tamanha paciência 
Não me hei de esquecer. 
Temor e dolência, 
Aos céus fiz erguer. 
E esta sede estranha 
A ofuscar-me a entranha. 
Qual o Prado imenso 
Condenado a olvido, 
Que cresce florido 
De joio e de incenso 
Ao feroz zunzum das 
Moscas imundas.
No Cabaré-Verde 
às cinco horas da tarde 
Oito dias a pé, as botinas rasgadas 
Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio. 
- No Cabaré-Verde: pedi umas torradas 
Na manteiga e presunto, embora meio frio. 
Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa 
Verde e me ponho a olhar os ingênuos motivos 
De uma tapeçaria. - E, adorável surpresa, 
Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos 
- Essa, não há de ser um beijo que a amedronte! - 
Sorridente me trás as torradas e um monte 
De presunto bem morno, em prato colorido; 
Um presunto rosado e branco, a que perfuma 
Um dente de alho, e um chope enorme, cuja espuma 
Um raio vem doirar do sol amortecido.
Minha Boêmia 
(Fantasia) 
Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos; 
Meu paletó também tornava-se ideal; 
Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal; 
Puxa vida! A sonhar amores destemidos! 
O meu único par de calças tinha furos. 
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor 
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior. 
- Os meus astros nos céus rangem frêmitos puros. 
Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho, 
Nas noites de setembro, onde senti tal vinho 
O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção; 
Onde, rimando em meio à imensidões fantásticas, 
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas 
E tangia um dos pés junto ao meu coração!
Oh estações, oh castelos!
Que alma é sem defeitos?
Eu estudei a alta magia
Do Amor, que nunca sacia.
Saúdo-te toda vez
Que canta o galo gaulês.
Ah! Não terei mais desejos:
Perdi a vida em gracejos.
Tomou-me corpo e alento,
E dispersou meus pensamentos.
Ó estações, ó castelos!
Quando tu partires, enfim
Nada restará de mim.
Ó estações, ó castelos!
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Baile dos Enforcados
(fragmento)
Dançam, dançam os paladinos,
Os magros paladinos do diabo,
Os esqueletos dos Saladinos.
Flores
De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões 
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes 
e os discos de cristal que enegrecem como bronze 
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas 
de prata, de olhos e de cabeleiras. 
Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras 
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas, 
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis 
rodeiam a rosa d'água. 
Como um deus de enormes olhos azuis e de formas 
de neve, o mar e o céu atraem aos terraços de mármore 
a multidão das rosas fortes e jovens.
Sensação 
Pelas tardes azuis do Verão, irei pelas 
sendas, 
Guarnecidas pelo trigal, 
pisando a erva miúda: 
Sonhador, sentirei a 
frescura em meus pés. 
Deixarei o vento banhar 
minha cabeça nua. 
Não falarei mais, não 
pensarei mais: 
Mas um amor infinito me 
invadirá a alma. 
E irei longe, bem longe, 
como um boêmio, 
Pela natureza, - feliz 
como com uma mulher.
Farto de ver. A visão que se reecontra em toda parte.
Farto de ter. O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber. As paradas da vida. - Ó Ruídos e Visões!
Partir para afetos e rumores novos.
Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível.
Fixava vertigens.
Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas.
Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novos idiomas.
Expliquei então meus sofismas mágicos pela alucinação das palavras!...
Acabei por considerar sagrada a desordem da minha inteligência.
