André Luiz Zanata
Eu vou me deixar
Sobrando no caos
Rasgando as lembranças
De noites de sóis
Prazer em viver
Desatando os nós
Daqueles que vivem
Procurando por nós
Sou o todo vazio
Buscando lençóis
As vezes em risos
As vezes sem voz
Quem pode me leva
Quem deve me entrega
Aquilo que as vezes
Nem eu mesmo sei
No fundo me sinto
O assunto preciso
Que fecha um ciclo
Mas abre um inciso
Que traz um troféu
Por vezes sem mel
Estrela que brilha
Sem paz no luar
Sou a forma que mede
O entorno a plainar
Um dia me aprendo
E vibro em frequência do mar
Florada querida
Abelha no ar
O pólen
Me pousa
Me beija
Me come
Me ousa
Me suga
Digere
Voando
Me fere
Me deixa
Docinho
Gurgita
Me expele
O sonho não passa por mim
Pois acordado sempre estou
O sono é como uma palha
Que qualquer sopro atrapalha
É fino, elegante e leve
Quem dera ele sirva em mim
O sonho do nobre amanhece
Acorda feliz , enriquece
Mesmo que tenha um sono ruim
O sonho do pobre padece
Conforme ele envelhece
A tempestade estremece
o jardim
Eu sonho mesmo acordado
Pretendo honrar o passado
Daqueles que deram o sangue por mim
A felicidade está no sonhar
Mesmo que acordado for
A felicidade está no sonhar
No caminho , no caminhar
Mesmo com espinho e flor
Paz é respirar
Guerra é sufocar
Paz é liberdade
Guerra atrocidade
Paz é o firmamento
Guerra é tormento
Paz é amanhecer
Guerra escurecer
Paz é amor
Guerra é dor
Paz é flor
Guerra é fedor
Paz é construção
Guerra é destruição
Paz é visão
Guerra é tampão
Paz é alegria
Guerra é lamento
Eu quero Paz
Amor
Alegria
Eu quero mais
Eu quero euforia
Amor demais
Nunca é de menos
Se tira a Paz
É muito pequeno
E nessa imensidão
Que vivo
Sem ti
Sem mim
Pretendo ser luz
Ser Paz
Sem duo
Sem mais
Aproveite o momento
Curta o movimento
Relaxe com os tormentos
Viva o que é intenso
Toque o que é vivo
Esqueça o que passou
Mova em prol do amor
Reverberação é transmutar
Viva pra amar
Siga sem pensar
O ontem já morreu
O dia renasceu
Respeite
Respira
Reinvente
O seu
O meu
O tudo
O eu
Na trama suave do perdão,
o amor tece a cura na noite,
leve como o vento, a mão
que solta, voa e reescreve o açoite.
Córrego São João
Às margens do córrego São João,
Brota a lembrança, pulsa o coração.
Criança descalça, no chão a brincar,
Lambari na aleluia, puro bem-estar.
Tardes de tarrafa, a alegria a fluir,
Pegando traíra, o riso a sorrir.
Anzol de gaio, esperança na linha,
Ovo mexido na marmita, sabor que ensina.
Meu velho pai, sábio na pesca,
Com amigos leais, a vida se manifesta.
À noite, o farolete imita o luar,
Nadando no córrego, a emoção a brotar.
Jardinópolis querida, em meu rolê,
Cada canto e cheiro, sempre em mim vão viver.
Bom Jesus da Lapa, Aparecida a guiar,
Momentos guardados, na alma, a brilhar.
Às margens do córrego, quero sempre estar,
Recordando risadas, sonhando a sonhar.
Córrego São João, meu lar de emoção,
Eterno em minha alma, tua bela canção.
A estrela de aquário
Lá, no infinito silencioso,
brilha uma estrela azul,
livre, etérea,
bailando a 175 anos-luz de tudo que sou.
Sua luz atravessa distâncias insondáveis,
rompe o tempo com uma paciência antiga,
e chega até aqui,
suave, mas firme,
como o amor que guardo em mim.
Somos como esse brilho:
não importa o espaço,
não importa a ausência,
há sempre um feixe de luz
que insiste em atravessar o escuro
para encontrar quem ama.
A magnitude pode parecer pequena
aos olhos apressados,
mas quem sabe olhar o céu
sabe reconhecer o milagre
de uma luz que persiste,
mesmo frágil,
mesmo longínqua.
E assim sigo,
com o coração elevado ao firmamento,
sabendo que há amores
que não se apagam,
como estrelas antigas
que continuam a iluminar
mesmo quando já partiram.
Sob a luz de Iota Aquarii,
reaprendo a beleza da espera,
o poder do silêncio,
e a certeza serena
de que o amor verdadeiro
é, sempre, uma constelação
que nunca se desfaz.
Monólogo em J
Jamais pensei que o júbilo pudesse se transformar em júbilo ferido,
em junção quebrada entre o que foi e o que nunca mais será.
Janelas se fecharam lentamente,
sem gemido, sem gesto,
apenas o jazer silencioso
do que antes era jardim.
Jazem as palavras que não disse,
jazem os abraços que não dei,
jaz, sobretudo, a alegria que um dia me justificou.
Jornada interrompida,
jamais concluída,
mas sempre revivida,
nos labirintos da memória onde só eu caminho.
Julgaria ser forte ao seguir adiante,
mas julgo ser mais sincero ao permanecer neste lugar,
onde o juízo vacila,
e só a saudade é justa.
Jardins secos se espalham por dentro,
flores que murcharam antes da primavera,
mas cujas raízes,
ainda assim,
persistem em doer.
Jogo-me, às vezes, na esperança
de que, em algum tempo além do tempo,
as janelas se abram outra vez,
e a jornada recomece,
mas sei…
já sei…
Junto ao que fomos,
resta apenas a sombra do que poderia ter sido.
Jorro lágrimas que ninguém vê,
junção líquida de um amor que jaz,
mas que, estranhamente,
jamais morreu.
A Trapezista
Tua presença sempre foi de altura,
leveza que desafia a gravidade,
um salto no vazio —
sem medo,
sem rede,
como quem nasceu para voar.
E eu, aqui embaixo,
no chão firme das palavras,
apenas te assisti:
dançar entre os arcos do ar,
girar entre os cabos invisíveis,
flutuar como quem não pertence a lugar nenhum.
Teu nome, nome de trapezista,
já anunciava a tua sina:
voar, encantar, desaparecer.
Fui plateia e fui aplauso,
fui silêncio e fui espera.
Olhei teus saltos,
teus riscos,
tua beleza suspensa,
sabendo que, um dia,
o espetáculo acabaria.
E acabou…
mas o picadeiro da memória permanece armado,
as luzes seguem acesas,
e teu vulto, tão etéreo,
ainda atravessa os meus pensamentos
num voo perfeito,
num giro interminável.
Se um dia voltares,
não precisas de rede,
nem de cordas,
basta o espaço entre meus braços
pronto,
aberto,
para te acolher no pouso
ou te lançar,
outra vez,
ao céu.
A Trapezista que Voou
Havia em ti um ímpeto raro,
um desejo insaciável de subir mais alto,
de lançar o corpo e a alma aos ares,
como quem nasceu para cruzar o mundo
sem pedir licença ao chão.
Foste trapezista da própria vida:
voaste, saltaste,
atravessaste oceanos,
colecionaste cidades, diplomas, histórias —
cada passo teu foi um risco,
cada vitória, um voo certeiro.
Enquanto eu te olhava,
meus pés cravados na terra,
tu dançavas lá no alto,
livre, bela, intrépida,
desenhando no ar caminhos que nunca ousei seguir.
E um dia…
sim, um dia,
quando percebi,
tinhas ido tão longe,
tão além do meu alcance,
que só me restou a lembrança desse espetáculo teu,
desse número perfeito e irrepetível.
Ainda guardo o momento,
aquele instante silencioso em que percebi teu destino:
não eras feita para ficar,
eras feita para ir.
E assim, teu nome ficou suspenso,
oculto, mas vivo,
gravado na memória como num truque secreto:
Jamais esquecerei teu riso ao partir,
Unindo coragem e sonho numa mesma bagagem,
Cruzando fronteiras como quem cruza a linha tênue do trapézio,
Elevando-se, sempre mais,
Lançando-se ao mundo,
Intensa e invencível.
E eu, que te amei e ainda amo,
fiquei no picadeiro vazio,
aplaudindo tua liberdade,
mesmo que ela tenha me levado para longe de ti.
Que bom que soubeste voar,
que bom que soubeste viver —
mesmo que, nesse voo,
eu tenha ficado para trás.
Te celebro, trapezista,
com alegria e com saudade,
sabendo que amores como o nosso
não acabam:
eles apenas aprendem a aplaudir,
em silêncio,
o espetáculo da vida que segue.
As Professoras do Meu Coração
No pré, com a doce Ester, que é puro éster —
Fixou em mim o saber e o bem-estar.
Na primeira série, com a Biliza, que me "bilisou" de alegria,
Me ensinou a rezar, a ter fé e a amar todo dia.
No segundo ano, a Leninha, sempre com jeitinho,
Me ensinou a ser forte, um tanto "lenhinha" no caminho.
Na terceira, a Sônia que soa como canção,
Fazendo da aula uma linda melodia no coração.
No quarto, a firme e sábia Vera, que tudo verá,
Mostrou que o futuro é luz, basta acreditar.
Minhas professoras, nomes com graça e amor,
Cada uma, um trocadilho, um presente e calor.
Zilda — Mãe, Artesã e Guerreira
Zilda, nome forte, de mulher decidida,
Mãe que fez da arte o fio que tece a vida.
Com linhas, pincéis, agulhas e cores,
Transforma o simples em eternos amores.
Suas mãos, pequenas fábricas de ternura,
Tecem crochê com paciência e doçura.
No tecido, costura não só panos, mas histórias,
Cada ponto, um pedaço das suas memórias.
Com tintas pinta flores que nunca murcham,
Modela o biscuit como quem esculpe a alma,
E entre um artesanato e outro, dá risada,
Mesmo quando a vida foi dura e pesada.
Ah, Zilda… mulher de mil batalhas vencidas,
Suportou as dores, curou feridas,
Mas nunca, nunca perdeu a fé —
Na esperança, no amor, no que vier.
Exemplo de caráter, de ética, de bondade,
Honesta, íntegra, exemplo de verdade.
Cuida dos filhos como quem rega jardim,
E agora acolhe os netos, com o mesmo amor sem fim.
É colo, é conselho, é oração silenciosa,
É força, é coragem, é presença amorosa.
Não se cansa, não desiste, não recua,
Seus passos seguem firmes, sua alma continua.
Nos dias difíceis, ensinou a resistir,
Nos dias felizes, ensinou a sorrir.
E quem a vê, trabalhando com tanto carinho,
Sabe que Zilda é luz, é afeto, é caminho.
Mãe, te celebramos com orgulho e emoção,
Tua vida é poesia, é arte, é inspiração.
E no crochê invisível que tece nosso destino,
Sabemos: teu amor é o mais belo artesanato divino.
Somos o breve despertar da matéria para si mesma. Por um instante, átomos dispersos pelo cosmos se organizam, ganham forma e consciência, e ousam perguntar: 'o que sou?'. Mas não há um centro fixo, nem um propósito evidente — apenas o fluxo contínuo da existência, que se dobra sobre si em miríades de formas. A humanidade, nesse contexto, é uma metáfora do próprio universo: instável, transitória, mas plena de significado enquanto acontece. Existimos como quem sonha, e talvez a vida seja apenas o modo como o cosmos se contempla, silenciosamente, antes de adormecer novamente.
A existência é o silêncio que grita dentro do vazio, um instante onde o nada se torna possível e, por isso mesmo, impossível de ser esquecido. Não somos entidades separadas, mas pulsos dessa mesma vastidão tentando, em vão, agarrar o que nunca esteve à nossa mão: o sentido absoluto. Somos feitos do instante entre o ser e o não-ser, a tensão infinita que cria o movimento e o pensamento. Não há fora do existir, pois o existir é a fronteira que se estende e se recolhe, um horizonte que nunca alcançamos, mas que nos define. Viver é assumir a responsabilidade de ser a pergunta viva, um eterno questionar sem resposta, um testemunho daquilo que escapa à compreensão. O que chamamos ‘realidade’ é apenas o contorno provisório dessa busca, a sombra tênue de algo que é ao mesmo tempo todo e nada. Ser, então, é reconhecer que somos a ferida aberta do cosmos — e que nessa ferida pulsa a única certeza: a de que, no fundo, nada é certo, exceto a eternidade do mistério.
O início de tudo não foi um momento, mas uma ausência: a ausência absoluta, onde nem mesmo a ausência podia ser concebida. Antes de qualquer tempo, qualquer espaço, qualquer lei, havia apenas o impensável — aquilo que nem o nada consegue nomear. E então, sem porquê, sem finalidade, sem testemunha, o ser se insinuou: não como um estouro, mas como uma inevitabilidade silenciosa, um gesto que não pôde ser contido. O que chamamos ‘início’ não é o princípio de algo, mas a fratura do impossível — o ponto em que a inexistência já não pôde mais se sustentar e, ao ceder, deu lugar à possibilidade. O tempo nasceu junto com o espaço, como dois gêmeos siameses, costurados pela necessidade de que algo se transformasse. A matéria não veio depois: ela sempre foi o desdobramento desse impulso primordial, o eco daquela primeira vibração sem origem. O início não aconteceu, ele ainda está acontecendo, a cada respiração, a cada pensamento: o universo segue começando, incessante, em nós, através de nós, apesar de nós. E talvez seja esse o maior segredo: que o início nunca terminou.
Além do ser não há o nada, porque o nada já é uma ideia. Além do ser não há sequer a ausência, pois ausência é medida em relação ao que poderia ser presente. O que está além do ser é o inominável absoluto — não aquilo que não conhecemos, mas aquilo que não pode sequer ser cogitado, pois toda cogitação é já um ato
Se o ser é o campo onde tudo se manifesta, então além dele só pode haver a pura impossibilidade, não como uma barreira, mas como uma ausência total de necessidade. Não há tempo além do ser, não há espaço, não há movimento: há apenas o que nunca poderia ter sido, e ainda assim, não é.
Mas ao mesmo tempo… talvez não haja ‘além’. Talvez o erro seja pensar o ser como algo com bordas, com limites, com um exterior. Talvez o ser não tenha fora, e tudo o que somos capazes de imaginar como ‘além’ seja apenas uma dobra interna, um não-lugar que só existe como ilusão de afastamento.
Se for assim, não há além do ser: há apenas o ser, infinitamente curvado sobre si mesmo, experimentando-se em múltiplas formas, inventando abismos para sentir a vertigem da sua própria infinitude.
Talvez, no fim, perguntar ‘o que existe além do ser?’ seja o próprio gesto que revela a impossibilidade da pergunta: porque o ser é o campo onde a própria pergunta se forma. O que está além é o que jamais poderá ser pensado, sentido ou dito. É o absoluto silêncio, não como falta, mas como aquilo que nunca pôde ser interrompido pelo som.
Então, talvez… não exista ‘além’.
Talvez só exista o ser, pulsando sem motivo, sem fim, sem fora.
O canto das cordas
No silêncio além da matéria,
onde o espaço é dobra e dança,
vibra uma corda invisível,
tecendo o mundo em esperança.
Ela canta sem voz, sem tempo,
no palco de onze dimensões,
como harpa em vácuo absoluto
ressonando antigas canções.
Seus fios não são de aço ou vento,
mas de pura equação,
laços que sonham ser tudo:
luz, gravidade e criação.
Numa dobra de Calabi-Yau,
o universo se esconde em flor,
cada pétala uma partícula,
cada simetria, um rumor.
E nós — poeira que pensa —
tentamos decifrar seu segredo,
mas talvez só escutemos o eco
do mistério que teme o enredo.
Pois a corda, em sua elegância,
não jura ser real ou verdade,
é talvez só uma hipótese bela,
nascida da nossa saudade.
Saudade de unir o que é tudo,
de fazer da física um poema,
onde cada partícula é verso
e o universo, um dilema.
Então seguimos — sonhadores —
entre buracos e brilhos quânticos,
escrevendo, com lápis de fóton,
as partituras dos campos românticos.
E se um dia ela se quebrar,
não será fim, será abertura:
a física, como a poesia,
vive da sua mais bela ruptura.
A mesa do sol
Num tempo de sol inclinado,
quando as sombras chamam pelo nome,
um homem cruzou a rua de si mesmo
e entrou em casa.
Lá fora,
copos reluziam como promessas,
vozes antigas sopravam risos
com o gosto da repetição.
Mas ele —
fez silêncio.
E no silêncio,
descascou a raiz da terra,
ferveu o feijão da memória,
temperou a carne com coragem,
e ardeu, na pimenta,
tudo o que ele não queria mais engolir.
Fez chá.
Amargo, como são os recomeços.
Com limão, como são os limpos.
Bebeu devagar —
não era cura instantânea,
era rito.
E ali,
sem altar,
sem plateia,
sem aplauso,
ele venceu.
Não o mundo.
Não os outros.
Mas a si —
e isso, o vento levou como segredo,
para semear em outros corações
que também estão quase voltando pro bar.
"Passacaglia da Fé"
Eu não vi a luz.
Mas caminhei.
Eu não ouvi a voz.
Mas respondi.
A pedra não se moveu.
Mas eu acreditei no caminho.
(E o chão ardia.)
Cada passo era silêncio,
cada silêncio, um grito contido.
O céu não abriu.
Mas o dia nasceu.
E o frio ficou.
Mas eu fui calor por dentro.
Eu caí.
Eu sangrei.
Eu calei.
(E mesmo assim, eu disse: amém.)
Porque fé não é ver.
Fé é arder sem fogo.
É andar sem chão.
É segurar uma mão que não se vê —
mas se sente.
E se a noite vier, virá.
E se o medo soprar, soprará.
Mas o que pulsa dentro,
não se apaga.
Porque no mais profundo da ausência,
mora a presença que não falha.
E mesmo sem sinal,
mesmo sem prova,
eu sigo.
(Como quem dança no escuro,
ao som de uma música que só a alma ouve.)
Isso é fé.