Adélia Prado

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Aqui se passa fome, aqui se odeia, aqui se é feliz, no meio de invenções miraculosas.

O amor me fere é debaixo do braço, de um vão entre as costelas, atinge o meu coração é por esta via inclinada

Adélia Prado

Nota: Trecho de poema presente no livro "Bagagem", de Adélia Prado. Link

Faça-se a dura vontade do que habita meu peito: Vem, Jonathan, traz flores pra minha mãe e um par de algemas pra mim.

.Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.

O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é.

Quanto a mim, dou graças pelo que agora sei e, mais que perdoo, eu amo.

Tudo manha, truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é.

Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão de roxo e soco. Macero ele, faço dele cataplasma e ponho sobre a ferida.

Estremecerei de susto até dormir. E no entanto é tudo tão pequeno. Para o desejo do meu coração, o mar é uma gota.

Adélia Prado
Poesia reunida. Rio de Janeiro: Record, 2015.

Nota: Trecho do poema Desenredo.

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É verdade, experimento o ruim e acho que o mundo desabou.

Divago, quando o que quero é só dizer te amo.

De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Adélia Prado
PRADO, A. Bagagem. São Paulo: Siciliano. 1993. p. 36

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.

"Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo. Quero pôr o bonito numa caixa com chave para abrir de vez em quando e olhar."

A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Fliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.

Amor pra mim é ser capaz de permitir que aquele que eu amo exista como tal, como ele mesmo. Isso é o mais pleno amor. Dar a liberdade dele existir ao meu lado do jeito que ele é.

Quem carrega o mar nos seus limites tem carinho com o mar.

Era raiva não. Era marca de dor.

Fui dormir umas vezes tão feliz, que, se
soubesse minha força, levitava.
Em outras, tanta foi a tristeza que fiz versos

Há sempre uma razão, embora não haja nenhuma explicação.

Para o desejo do meu coração, o mar é uma gota.

Adélia Prado
Poesia reunida. Rio de Janeiro: Record, 2015.

Nota: Trecho do poema Desenredo.

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Desejo a máquina do tempo
para que não haja o havido
e eu recomece misericordiosamente.

Do livro "Os Componentes da banda"

Então eu virei pra ela e falei assim: ah, nada, boba, também é assim, se der, bem, se não der, amém, toca pra frente.