Poemas de Adélia Prado: seleção de poesias que tocam a alma

Cerca de 75 poemas de Adélia Prado: seleção de poesias que tocam a alma

Desejo a máquina do tempo
para que não haja o havido
e eu recomece misericordiosamente.

Do livro "Os Componentes da banda"

O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta.

Amor pra mim é ser capaz de permitir que aquele que eu amo exista como tal, como ele mesmo. Isso é o mais pleno amor. Dar a liberdade dele existir ao meu lado do jeito que ele é.

Eu mesma não entendo minha enormíssima paciência de ficar à toa, só pensando, pensando e sentindo.

Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais, é pra ensinar a gente a viver. Desdobrável. Cada dia mais rica de humanidade.

Estou no começo do meu desespero, e só vejo dois caminhos: ou viro doida, ou santa.

Estremecerei de susto até dormir. E no entanto é tudo tão pequeno. Para o desejo do meu coração, o mar é uma gota.

Adélia Prado
Poesia reunida. Rio de Janeiro: Record, 2015.

Nota: Trecho do poema Desenredo.

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Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Quero você na minha frente, extático, (...) e eu para todo o sempre olhando, olhando, olhando...

Se pudesse, hoje, varria, isso mesmo, varria as pessoas todas com vassoura, como se fossem ciscos.

Tudo manha, truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é.

O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é.

Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão de roxo e soco. Macero ele, faço dele cataplasma e ponho sobre a ferida.

A gente tem sede de infinito e de permanência, então, esse ser que assegura a permanência das coisas, é que eu chamo de Deus. É o absoluto.

Um corpo quer outro corpo, uma alma quer outra alma e seu corpo. Este excesso de realidade me confunde.

Me dão mingaus, caldos quentes, me dão prudentes conselhos, eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa.

Preciso mentir um pouco para que o ritmo aconteça e eu própria entenda o discurso.

Então eu virei pra ela e falei assim: ah, nada, boba, também é assim, se der, bem, se não der, amém, toca pra frente.

Aqui se passa fome, aqui se odeia, aqui se é feliz, no meio de invenções miraculosas.

O amor me fere é debaixo do braço, de um vão entre as costelas, atinge o meu coração é por esta via inclinada

Adélia Prado

Nota: Trecho de poema presente no livro "Bagagem", de Adélia Prado. Link