Coleção pessoal de RamaAmaral10
Quem mantém pássaros engaiolados, deveria encontrar uma maneira de libertar a própria consciência dessa estúpida ignorância.
Rama Amaral
Seria o maior dos miseráveis se na estrada que sigo não fosse o livro uma estrela de fantasias para distrair minha cabeça.
No rio corre água, no suor corre água... Chove água! A vida é água! E você é o que é sem água? Não deixe de pensar sobre isso apenas quando estiver com sede! Imagine como seria seu mundo, se o mundo estivesse sem água?
Sei que pago muito caro para viver o que penso. Às vezes, o troco de tal preço é bem abaixo do que os conceitos dos hipócritas sobre mim. Porém, lhes pergunto: não seria pior se eu fosse visto apenas como um miserável transitando na vida? Que só vale o que o destino lhes impõe?
É muito natural seguir tudo o que lhes parece conveniente, basta para isso não perguntar nada do que lhes servem. Mas se algum dia lhes servirem em um banquete da mesma comida fétida dos porcos, você deverá se comportar como estes e se alegrar como aqueles que lhes serviram tal banquete, pois orgulho de si mesmo não terá enquanto não se entregar definitivamente aos espíritos imundos e sem escrúpulos desses mesmos santos nefastos e manipuladores que comandam a situação. Todavia, para torna-se iguais a estes, é preciso fingir-se tão belo, eficiente e perfeito quanto tais nebulosos senhores! Caso contrário, gentileza, você será notado, seja entre eles, ou no meio em que vive, apenas como um notável idiota.
Desejo Supremo
Deus me quer tão vivo! Tão bem!
Deus me quer tão lindo! Tão novo.
Deus me quer tão visto, tão bom.
Deus me quer tão leve, tão solto...
Deus me quer tão íntimo, tão puro.
Deus me quer intenso! Não morto.
Deus me quer tão digno! Tão justo!
Deus me quer amplo... Um porto!
Deus me quer com saúde! Na luz!
Deus me quer em paz! No amor!
Deus me quer com esperança! Na fé! Deus me quer com alegria! Sem dor!
Deus me quer tão eu e tão tu, bem como ele e ela.
Deus nos quer tão nós e tão vós, assim como eles e elas... A sós!
Deus nos quer felizes...
Numa vida saudável e tão bela!
Cheiro de Maçã
Do paladar da tua boca
minh'alma abocanha o
cheiro suave e doce
das manhãs.
Para deixá-la pronta
afago meu vício na tua arte,
pra te deixar só minha.
Do livro, O Rio e a Criança.
O Astro
O sapo astro,
à língua nos mosquitos:
Faz "lepo", "lepo", "lepo"... ao papo.
Sapo, ágil sapo,
saia do meio da lua, rapaz!
O Preço da Vida
O que vale a vida para quem
Não a vive alegre e intensamente?
Se tão curta alguns a definem
Limitada para quem não a sente.
Se a idade e o tempo são empecilhos,
Esperança é a força que a faz acreditar!
Que após a tempestade: um novo caminho,
Que a deixará aonde você quer brindá-la!
O que vale a vida para quem
Não a vive alegre e intensamente?
Apenas uma barca à deriva, descrente.
Quem não se arrisca nesse imenso lago,
Não descobrirá o prazer do mergulhar,
Existindo por viver, à iminência da morte à arrebatar.
Acreditar numa justiça onde o pêndulo das decisões pende apenas para um dos lados, é legitimar sua crença na hipocrisia daqueles que dominam a situação.
O rio que passa todos os dias no seu leito não é o mesmo rio de outrora, tampouco as mesmas águas observadas no momento da curiosidade de quem as observa, nós também não somos mais os mesmos, talvez por isso não podemos ser mais bons amigos.
Estrada estreita onde se anda com olhos abertos, fica muito mais larga que caminho largo quando se anda com olhos fechados.
Encenação da Desordem
Há gentilezas no ambiente obscuro...
Intenções propositais afloram no
palco da desordem da corrupta nação!
Destituídos
da companhia estão os incrédulos
que não aderem
à crença dos “bravos artistas!”,
Grupos que ficam na plateia são
figurinistas temporais,
muitos, de outrora,
coadjuvantes desses dogmas. Mas... hoje,
nem sabem por que estão aqui,
quando preciso, aplaudem o
cômico nefasto!
- Descrenças a
esses pobres de espíritos! Grita
um louco da plateia.
- Tenhamos
narizes de palhaços! Complementa
a moça do outro lado do teatro.
Enquanto isso a massa contente em
seu próprio lar aguarda ansiosamente
a composição de uma nova
peça no cenário trágico da triste cidade.
A brincadeira é a porta mágica que cria universos inimagináveis às crianças, mas são as políticas públicas que garantem mundos reais de direitos e o pleno gozo à cidadania e à dignidade de cada uma, seja individual, na família ou na comunidade.
Vida ao Caos
Por que você se diverte com tanta gente
“metida a besta” transitando na vida?
Se sua cara também é de palhaço, ou
às vezes, de fantoche no “circo mundo”.
Entre mudos e conformistas, as ruas ensanguentadas à violência
exibe o filme da vez: barbaridade versos impunidade!
Sinta as caras tão tristes, e os vampiros rindo sozinhos da situação!
Que dirá entre asilos tradicionais e casas de políticos insanos, hipócritas?
Que fará entre bichos no pântano cinzento?
Na selva não há abrigo seguro, tudo é naturalmente perigoso.
Se pedir para partir não sairá de dentro do caos, do poço...
Se suplicar para ir embora não
ficará distante de tudo.
A marca é uma cicatriz que não
se cobre nem com as palavras mais ternas, só cabe ao
tempo curar a ferida.
O caminho que a leva embora, será o mesmo que a conduz
ao que sonha? Se a casa que almeja já não mora mais a alegria, ou os belos dias de domingo, tampouco a senhora elegância!
A força que a incita para desistir, gentileza, é a mesma face que a faz lutar por um espaço neste hospício de universos loucos, onde a paz jamais existiu, mas aparências aos ecos dos hábitos tradicionais daqueles que impõem a situação.
O Preço do Pão
Eu sei quanto vale o preço do pão!
Faço as contas por isso...
Por cada suor, por tanta dor,
pelos os calos na palma da mão!
Eu sei quanto vale o preço do pão!
Acordo, levanto, luto, pergunto o valor...
A importância de tudo: da farinha, do presto barba,
do leite das crianças, do quilo do feijão,
do aluguel, da taxa de água, do botijão,
da conta de luz, do equilíbrio, da exclusão!
Eu sei quanto vale o preço do pão!
Faço as contas por isso...
Pelo sonho frustrado, pelo rosto marcado, pelo corpo quebrado, pelo riso forçado,
pelo choro rogado, pelo amor separado, pelo credito negado,
pelo imposto salgado...
Das consequências... do preço de tudo!
Eu sei quanto vale o preço do pão!
Faço as contas por isso...
Pelo povo enganado ao político safado! Da Inflação lá no alto ao juro ao assalto!
E o governo cobrando até a “ morada no chão”.
Acorda, gentileza! Piedade a patrão?
Eu sei quanto vale o preço do pão!
Pago caro por isso!
Transcendência
Não está certo se de repente você se encontra imersa?
Não está errada o mundo está incerto, em caos, insano.
Tão logo você se encontra errática não está humana?
Não é desumano pois tudo está em crise, em pânico!
O que se quer da vida hoje é viver apenas como o ébrio:
À rotina da massa, lastimar sua carga.
.Quando à loucura intensa é viver confiável, sem farsa!
Isso é sobrenatural?
Daí que julgam... Você não é normal!
Gadernal! Gadernal! Gadernal!
Por você não viver apenas o drama dilacerante da vida,
por está intensa mais que as idas e vindas, por pensar livre!
Isso não é mais desse mundo?
Talvez seja irracional!
E isso parece insano.
Não convém, por não ser medíocre, banal.
Trópicos de Sangue
O sol se punha atrás das montanhas,
quando os olhos da menina lacrimejavam
sentimentos borrados de manchas pretas misturadas
à púrpura e a angústia do drama do ente dilacerado
no asfalto quente do caos.
Mais um dia nós trópicos. Mais uma “vida ao mar” de sangue!
Mais um tempo de luto nos “brasis” da impunidade!
Por essas terras até a libélula se comove sobre o fio
das vestes ensopadas ao liquido vermelho do terror!
Enquanto isso larvas e bactérias aguardam ansiosamente
por mais um cadáver no “Jardim da Saudade”.
Bala perdida, ainda ilude, é álibi que testifica a violência!
Legítima a morte! Lá se foi mais uma vida sem sorte!
Para o IML. Para o além...
“Meus Deus!” “Meu Deus!”
Onde estais que não intercede com tuas mãos
nessa guerra de zumbis?
Por que não cura essas feras perdidas,
que tanto fazem da vivência uma selva voraz?
Vivem como máquinas: vazios de sentimentos,
mas sempre em busca de aparências, de poder!
Até quando, Senhor, permitirá essa barbárie?
Até quando? Até quando seremos apenas
números de pesquisas? Até quando? Responde-me, Senhor!
Até quando? Como o “Poeta dos Escravos”,
“eu delírio ou” será “verdade” perante a conivência
dos que ainda vivem nessas terras? O que me diz, Senhor?
Pois o líquido que jorra aqui também prolifera no Oiapoque,
banha o Chuí, irriga o Serrado, molha o Sertão, se esconde
na parcialidade da justiça do patrão ou de quem
tem mais títulos nas mãos.
Os gemidos, Senhor, os gemidos que se ouve
no meu lugar, ecoam tristemente de Leste a Oeste, de Norte a Sul
desse imenso Campo de Batalha!
“Senhor meu Deus!” “Senhor meu Deus!”... Tende piedade de nós!
Tu sabes que não é nossa essa guerra!
Acaba, Senhor, por meio da tua luz toda essa escuridão!
Apaga desse país toda essa violência! Toda forma de corrupção!
Não deixe a diversidade das cores serem coberta
pelo sangue de inocentes!
Antes que o sol se esconda mais uma vez desse
povo alegre e descivilizado, sobrevivendo nos limites do medo
dessa pobre/rica e sangrenta nação!
Não nos vire as costas, Senhor!
Há um tempo de morte, de escravidão!
Não nos abandone diante de tantas injustiças!
“Ó Senhor Deus” dos ensanguentados!
Do livro, O Rio e a Criança.
De Rama Amaral.