So Depende de Ti

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O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

Maria Julia Paes de Silva
Livro: Qual o tempo do cuidado? Edições Loyola, 2004. P. 49

Nota: A autoria do pensamento tem vindo a ser erroneamente atribuída a Fernando Pessoa.

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Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto - Obra Completa

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto
Poesia completa. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020.

A vida não se resolve com palavras.

Bola de futebol... é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mãos.

Sou não sendo

Sou solitária...
Mas não tenho exatamente solidão.
Todos me conhecem...
Mas não conhecem meu coração.
Posso ser forte...
Mas só possuo fraqueza.
E a única coisa que me circunda...
É a irremediável tristeza.
Sou carente...
Mesmo tendo carinho.
Não sei por que, mas me sinto como...
Filhote de pássaro esquecido no ninho.
Sei o que é certo...
Mais persisto no errado.
A verdade e que já estou acostumada...
Com o mundo amargo.
Sou triste...
Mas sei fazer os que me cercam sorrir.
Só que eles não sabem transmitir alegria para mim.
Sou corajosa...
Apesar de ter medo que descubram...
Que a coragem é o meu grande segredo.
Sou muitas vezes a decepção, que sempre...
Surpreende.
Sou também professora...
Que só ensina, nunca aprende.
Sou para muitos a felicidade...
Enquanto vivo de sofrimento.
Já invadi a intimidade de muitos...
E não conseguiram invadir meus sentimentos.
Por ser o que não sou...
Sou não sendo.
Porque vivo...
"Uma vida que não deveria estar vivendo."

E eu me arrependi de ter olhado teu sorriso
Quando eu olhei eu me senti no paraíso
Quando eu vi em ti, tudo o que eu mais preciso

Passando só para te avisar que talvez a sua metade da laranja esteja se espremendo com outra!
Espero ter ajudado. 🤭🤣

Realidade


Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...

Afasta-te da companhia dos perniciosos, eles fazem nascer em ti um licenciosidade que lhe é natutal

TEU CORPO

O teu corpo muda
Independente de ti
não te pergunta
se deve engordar.

É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteias-lhe os cabelos
como se fossem teus.

Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nasceste e sem ele
não és?

Ao que tudo indica
tu és esse corpo
-que a cada dia
mais difere de ti.

E até já tens medo
De olhar no espelho:
Lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.

E a erupção no queixo?
Vai sumir? Alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
Ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho:
Tu és esse osso.
Olhas a mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.

Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo – morre –
quem diz a ele – envelhece –
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?

Sê fiel a ti mesmo. Eis tua única missão.

Amei a mim, amei a ti, parti-me no meio
te amei no profundo, no raso e com atraso
não era tua hora, não era minha vez".

Preciso que saiba: nunca deixarei de pensar em você, porque você foi o amor menos elaborado que tive, menos politicamente correto, menos “o cara certo na hora certa”, menos criado no cativeiro da idealização, e essa impossibilidade de intelectualizar o que senti me faz pensar que talvez eu não estivesse enganada sobre aquela ideia romântica de que só se ama assim uma vez.

Me destes tanto de ti nas pequenas coisas que me sinto quase no direito de esperar tua compreensão nas grande.

Toma para ti a sabedoria do esportista que sabe que o campeonato não é vencido apenas na partida final, mas dia após dia, um jogo após o outro...

Estrela da tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

José Carlos Ary dos Santos

Nota: Letra de música cantada por Carlos do Carmo, entre outros artistas portugueses.

Não consigo me acostumar a ti, meu companheiro de caminhada que levo em meu pulso. Tua verdade é brutal. Cospes os segundos como balas de uma metralhadora. E teu arsenal é suficiente para te servir, leviano Nada.
Teus números são os números de mortos. Teu pulsar é frio como a foice.

...e se alguns te consideram alguém, desafia-te a ti próprio e desconfia de ti.