Ruth Rocha Amor
TE ESPERO
Te espero desde o início do começo
Desde o tempo dos lampiões de gás
Desde o primeiro samba, a estação derradeira;
Fostes sempre o meu amor tristonho e sensato
Por ti me embati com a vida
Matei mitos intransponíveis
E fiz de pedras quentes flores orvalhadas.
A terra tocou o céu
Com a grande cauda de fogo
Mares se juntaram pra te refletirem inteira
No começo do nosso fictício amor.
Dura e sublime criatura
És o modelo renascido
Das tantas mulheres invisíveis
E ao mesmo tempo, mansa e de carícias
Nosso amor corre para uma luta
Ao toque de valsas muito antigas
A abertura do sol será a nossa estrada
Desvanecidos de paixão
NINGUÉM
Quero ser ninguém no aprendizado
Da vida que começa com o meu choro
Quero passar alheio aos olhares
Também não quero ouvir comentários
Sobre quem olha pra outros lados incisivos
Desejo não sejam sobre mim aquele embuste
E meus olhos se aproximam da frente
Incontestável lugar que causei
E minha cara, falhos dos meus olhos
Marcam cortes profundos como veios
E me tornam o olhar pequeno e rude.
OS MEUS PROVEITOS
Eu amo tudo o que fiz
Porque eles me apontam agora
E sabem do meu nome
E se compõem de um tanto de mim.
Eu amo o que não fiz
Porque eles me apontam o jeito da feitura
E minha cabeça racha-se em pensar
Será mais bonito, terei mais sabido
E tudo o que eu fiz
Para me felicitar ainda mais
Se deram às pessoas do mundo
E muitos delas falam de mim
E sabem do meu nome.
Tudo o que eu ainda não fiz
Agora está pra ser feito
E eu já tenho os modelos
Um depósito cheio de manequins provadores
E o que eu vou fazendo
Vou sabendo em que cabeça caberá
Como uma coroa encomendada.
ACONTECE
Chamaram pelo meu nome e eu atendi
Mas não havia ninguém daquela voz
Não encontrei ninguém na sala
Enganei-me pensando: vem da rua
Só que era domingo o dia triste
Quando as pessoas dormem
Umas por sobre as outras
No conforto e na preguiça próprias do dia.
Ninguém bateu à porta e quis entrar
Sentado à minha frente
Discutimos futebol
Falamos de poesias.
Posto o espelho no meu quarto
Fui ver o meu rosto, meu aspecto
E ninguém ocupara o espelho
Especioso retocava os meus sinais.
“Amigo é aquela pessoa que deixa o que traz na mão a largar tudo no chão, só para te abordar com um abraço enfalço”.
“O homem incompleto
É o que deve ser o mais feliz.
Ele tem o que buscar
Com o que se ocupar
Procurar a matéria
De que se faz o humano
É história para cinema cibernético.”
“Me citaram o conceito da vida e me falaram de suas matérias e do seu destino. Ai eu perdi o encantamento que tinha por ela.”
DEUS
Deus o ser invisível que se põe entre nós e os nossos olhos
Uma nascente borbulhante que levanta a areia da profundidade
Um silêncio que se ouve com a quietude do coração
Olhos atentos que nos conta um a um na escuridão
Que a todos se revela pela bonificação de acréscimo do seu amor
Um rebento que chora ao ver-Se sair de suas próprias entranhas
E que em nós se acomoda calmamente,
Dos mesmos hábitos os quais já fazemos costumeiros.
Deus que se perpetua a cada momento, desses momentos começos,
E que não se finda, mas que se renova todos os dias, nas manhãs
Que ele mesmo traz com o zelo por haver criado.
Deus que na sua magnitude, infinitude, criou um fim imprevisível,
Que a nenhum cabe conhecer. Só o começo, só o meio
Porque o fim, disto de Deus, foi criar-nos uma perfeita obra
Na complexidade de seres humanos. Amados pro Ele incondicional.
Deus, que viver não é morrer, mas consubstanciar-se Nele,
E de uma entrega, quase sempre dificultosa, por não sermos da sua mesma matéria.
Relutamos às vezes acreditar Nele
Que vemos, sem precisar dormir para sonhar.
Porque Deus
Não é sonho que se conte. E se alguém pensou assim.
Verdadeiramente O viu, e em vendo-O, voltou confuso
Da procura, que pode ser longa, demorada e curta.
Deus é ou deve ser assim:
Um presente que se abre todos dias e não se amontoa
Sobre nossa cama, porque a cada dia só temos um, o mesmo.
O Deus inigualável, o Deus inavaliável, o Deus que se dá mais.
Muito mais, distando consideravelmente, do que recebe de nós.
PARA ELLIS
Naquela manhã
O sol banhou teu corpo impune
Só pra depois fugir de ti
E te levar pra longe
Sem revolver, e a nós
Deixar sem voz.
Naquela manhã
Eu pressenti o tempo escuro
Do litoral ao centro do Brasil
Eu acordei inquieto
Com aquela música me perseguindo perto.
E eu senti que era noite no meu coração
Eu senti que findava em ti a paixão.
Naquela manhã.
GINA
Ela é de uma pequenez
No seu tamanho chinês...
Mas bem de perto
Quando se mostra
Sua sombra vai às costaneiras,
Se curva nas ribanceiras,
Até chegar no luar.
Ela é de uma timidez
Com sua voz de escassez
Mas quando ela fala
Enche-se o mundo de música...
E quando sussurra no meu ouvido
Já tenho me recaído.
A mulher única, é como ela
E todas são tão iguais...
Mas é do mais
Que ela tem,
Do tanto que ela faz.
E é de tudo, que existe
Dentro de um átomo.
Mas não me iludo.
Todos têm suas miragens!
E não sou surdo
Nem calo de afonia.
Seguramente sei distinguir
A fruta doce
O fruto travo
CORTINAS
A manhã eleva os cantos
No teu ventre, jogo flores.
Ante às cortinas de branco armadas.
Há lugares pelos caminhos
Onde se pode te esperar.
Fala-me o vento das matas
Dizendo-me que vais passar por ali.
Nas alturas se agitam ramagens
Flutua os teus lençóis cuidados,
Descobri-te há pouco, aqui.
Floram rapidamente os arvoredos
Frutifica-se em campanha, caem.
Fruto nas tuas mãos dispersas.
Surgem doces em tua boca
Teu riso da cor das nuvens
Largastes distante o tamanho.
Acatas todo o silêncio áureo
Da hora mais bela do dia.
Confundes-te com as nascentes da estrada
Declinas no empate das águas,
Conversa tempos com as nebulosas
Te entretes com o curió da mata.
Deus fez um conserto
Nas estradas pra tu andares
E ele ainda insiste fazendo.
A manhã derrama flores
No teu ventre cantam pássaros
Ante as cortinas amareladas.
CORAÇÃO
Calma coração,
O pulo é mais pra esquerda
Pra onde o caminho estreita
E o sangue passa, entupido.
Veio de sonhar agora?
Deu para acordar mais tarde?
Ah coração retarda
A correria dessa gente
De todos os teus afluentes.
Contém-me na minha lucidez
Deixa-me inteiro e louco
E apeia de mim, me deixa.
Pois quanto mais eu rezo
Mais me despeço
Das lembranças boas.
E como escolha catada
Vou me lançando fora
Do prato, da boca audaz
Oh coração, me renega
Adianta-te aos da frente
Deixa-me ficar pra traz.
POETAS
- Lanço o meu olhar, só quem que diz
Ouvir não é a mesma coisa que ver -
Sou mais amplo que a superfície do mar
Um irrequieto menino que dá conta da terra
E de um abraço envolvo o céu em meus braços
O meu pensamento tem vida, se mexem.
E recrio o mundo na minha livre vontade
Por mim é que brotam as sementes na terra
E se movem os peixes sob as águas,
O sol me aquece, em cortesia, por primeiro.
E amo, vivo, ando e passo
Para fazer como todos
A transubstanciação dos elementos de parte
Na unificação do espírito
Lá de onde vim, para onde vou.
Transpasso com facilidade os anjos divinos,
Dou a volta e ponho o dedo em cada anel de Saturno
Recebo o talismã da Rainha,
E beijo a linda dançarina do mar.
Até que diminuído em forças entrei num ônibus
Sentei-me perto de um menino triste,
Que tinha o rosto marcado de uma cicatriz.
E de uma senhora gorda com um guizo no pescoço.
O mundo irá e eu permanecerei
Os poetas mal começaram a falar
E mostrarem poesias.
O mundo ainda conta com a chegada do amor
Nesta noite prevê-se o fim das serenatas e da tristeza
A poesia é interminável, não acaba mais
Quantos homens chegam e vão cortejados
Com uma bandeira como lençol
Poetas existem em quantidade insuficiente.
PARA JOSÉ ALMADA
O poeta escrevia e refreava a inquietude
Para observar de uma posição doçura
Se o que havia feito eram versos ou pinturas.
O poeta catava das rosas o seu cheiro e ficava em êxtase,
Tirava das pétalas mais envelhecidas
Aquelas que fazem sombra ao galho
Suas tintas matizadas,
E aí compunha o resto do poema,
E sua escrita invariavelmente,
Era um contraponto no último nó
Na boca dos proclames das diferenças
Dos que contava nos dedos,
Proletário, bóia fria, indigente,
Negro alforriado, corações aperreados
Dos que têm sede, como ele sentia. Gente.
E por vê-los gente
E só ele os via no dia e na noite,
Não largava a tinteira,
E com os dedos borrados de cores que não mais se distinguia,
De que rosa tritura foram extraídos,
Ele, almado, talvez o que mais expusesse a sua,
Lançava pela janela papéis com inícios malogrados,
Tintas com os tons mais misturados.
E lágrimas, vertidas da nascente de sua alma.
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