Poemas de Vinícius de Moraes
O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor
Minha sorte está lançada
Eu sou, eu sou estrada
Eu sou, eu sou levada
Eu sou, eu sou partida
Contra o grande nada - lá vou eu!
Ao romper da madrugada
O sol no pensamento
E o tempo contra o vento
E a minha voz alçada
Contra o grande nada - lá vou eu!
"Quem vem lá?" Pergunta a solidão
"Sou eu!"
Sou eu que vou porque o meu tempo nasceu
Entre os ecos do infinito
Eu grito, eu mato a solidão
Eu sou meu tempo, eu vou
A ferro e fogo, eu corro
Eu vou, eu canto e grito: amor!
Eu vou, eu vou, eu canto e grito: amor!
O poeta aprendiz
Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante.
Anos tinha dez
E asinhas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc.
O olhar verde-gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina.
Seu corpo moreno
Vivia correndo
Pulava no escuro
Não importa que muro
E caía exato
Como cai um gato.
No diabolô
Que bom jogador
Bilboquê então
Era plim e plão.
Saltava de anjo
Melhor que marmanjo
E dava o mergulho
Sem fazer barulho.
No fundo do mar
Sabia encontrar
Estrelas, ouriços
E até deixa-dissos.
Às vezes nadava
Um mundo de água
E não era menino
Por nada mofino
Sendo que uma vez
Embolou com três.
Sua coleção
De achados do chão
Abundava em conchas
Botões, coisas tronchas
Seixos, caramujos
Marulhantes, cujos
Colocava ao ouvido
Com ar entendido
Rolhas, espoletas
E malacachetas
Cacos coloridos
E bolas de vidro
E dez pelo menos
Camisas-de-vênus.
Em gude de bilha
Era maravilha
E em bola de meia
Jogando de meia –
Direita ou de ponta
Passava da conta
De tanto driblar.
Amava era amar.
Amava sua ama
Nos jogos de cama
Amava as criadas
Varrendo as escadas
Amava as gurias
Da rua, vadias
Amava suas primas
Levadas e opimas
Amava suas tias
De peles macias
Amava as artistas
Das cine-revistas
Amava a mulher
A mais não poder.
Por isso fazia
Seu grão de poesia
E achava bonita
A palavra escrita.
Por isso sofria.
Da melancolia
De sonhar o poeta
Que quem sabe um dia
Poderia ser.
Montevidéu, 02.11.1958
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "A lua de Montevidéu"
in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"
Mas, se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim
Nota: Trecho da música "Chega de Saudade"
...MaisTenderness
I ask your pardon for loving you suddenly
Although my love
is an old song in your ears
Of hours spent in the shadow of your gestures
Drinking in the scent of your mouth smiles
The nights that I lived cherishing
By the grace unspeakable
of your footsteps forever fleeing
I bring the sweetness
who accept wistfully.
And I can tell you
that the great affection that let you
It brings the tears of exasperation
nor the fascination of the promises
Neither the mysterious words
the veils of the soul ...
It is a quiet, an anointing,
an overflow of fondling
And I only ask that you rested quietly,
very quiet
And let your hands warm at night
find without fatality
the static look of dawn.
Nota: Tradução livre do poema "Ternura" de Vinicius de Moraes. Link
Se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada para valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste para você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem de ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.
O rio
Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.
Um rio nasceu.
Meu pranto rolou
Mais do que água
Na cachoeira
Depois que ela
Me abandonou
Na minha vila tranquila
A vida eu levava
E nessa felicidade
A verdade eu não via
Ela vivia dizendo
"Não vou te deixar"
Ela queria fazer
O meu pranto rolar
E o meu pranto rolou.
A anunciação
Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...
Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre do aroma florido
Mais lindo que todas as graças do céu
E até mesmo do mar
Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É flor dos amantes
É rosa-mulher
Que em perfume e em nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da Hortência
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer
E reparem no cravo o escravo da rosa
Que é flor mais cheirosa
De enfeite sutil
E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil
Abram alas pra dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheias de cores gentis
E também para a Hortência inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz
Satisfeita da vida
Vem a margarida
Que é a flor preferida dos que tem paixão
E agora é a vez da papoula vermelha
A que dá tanto mel pras abelhas
E alegra este mundo tão triste
No amor que é o meu coração
E agora que temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa
Porém que não tem a beleza da rosa
Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa, é uma rosa
É a mulher rescendendo de amor
A música das almas...
Na manhã infinita as nuvens surgiram como a loucura numa alma. E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que estrangulavam a terra...
Depois veio a claridade, os grandes rios, céus, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para o alto.
Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
Vinicius de Moraes
Nosso Amor
No brilho dos teus olhos me perco apaixonado,
Teu sorriso encanta, meu coração acelerado.
És a luz que ilumina meu caminho sem fim,
Te amo profundamente, és tudo para mim.
No compasso do meu coração, dança a emoção,
Teu amor é a chama que aquece minha solidão.
Nas estrelas do céu, escrevo nosso destino,
Te amo infinitamente, és meu porto seguro, meu abrigo divino.
Mesmo distantes, nossos corações se encontram,
A saudade aperta, mas o amor não se desmonta.
A distância é apenas um obstáculo passageiro,
Pois nosso amor é eterno, verdadeiro e inteiro.
Com um gesto fulgurante o Arcanjo Gabriel
Abre de par em par o pórtico do poente
Sobre New York. A gigantesca espada de ouro
A faiscar simetria, ei-lo que monta guarda
A Heavens, Incorporations. Do crepúsculo
Baixam serenamente as pontes levadiças
De U.S.A. Sun até a ilha da Manhattan.
Agora é tudo anúncio, irradiação, promessa
Da Divina Presença. No imo da matéria
Os átomos aquietam-se e cria-se o vazio
Em cada coração de bicho, coisa e gente.
E o silêncio se deixa assim, profundamente...
Mas súbito sobe do abismo um som crestado
De saxofone, e logo a atroz polifonia
De cordas e metais, síncopas, arreganhos
De jazz negro, vindos de Fifty Second Street.
New York acorda para a noite. Oito milhões
De solitários se dissolvem pelas ruas
Sem manhã. New York entrega-se.
Do páramo Balizas celestiais põem-se a brotar, vibrantes
À frente da parada, enquanto anjos em nylon
As asas de alumínio, as coxas palpitantes
Fluem langues da Grande Porta diamantina.
Cai o câmbio da tarde. O Sublime Arquiteto
Satisfeito, do céu admira sua obra.
A maquete genial reflete em cada vidro
O olho meigo de Deus a dardejar ternuras.
Como é bela New York!
Aço e concreto armado
A erguer sempre mais alto eternas estruturas!
Deus sorri complacente. New York é muito bela!
Apesar do East Side, e da mancha amarela
De China Town, e da mancha escura do Harlem
New York é muito bela! As primeiras estrelas Afinam na amplidão cantilenas singelas...
Mas Deus, que mudou muito, desde que enriqueceu
Liga a chave que acende a Broadway e apaga o céu
Pois às constelações que no espaço esparziu
Prefere hoje os ersätze sobre La Guardia Field
Vinícius de Moraes
Crepúsculo em New York
Rio de Janeiro , 1954
Os acrobatas
Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!
De forma que, certo dia,
à mesa, ao cortar o pão,
o operário foi tomado
de uma súbita emoção
ao constatar, assombrado,
que tudo naquela mesa
- garrafa, prato, facão -
era ele quem fazia.
Ele, um humilde operário;
um operário em construção.
Olhou em volta: gamela,
banco, enxerga, caldeirão,
vidro, parede, janela,
casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia,
era ele quem os fazia.
Ele, um humilde operário.
Um operário que sabia
exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento!
Não sabereis nunca o quanto
aquele humilde operário
soube naquele momento.
Bom dia, tristeza
(com música de Adoniran Barbosa)
Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De tanto tempo
Longe de você
Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
O caminho para a distância
Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.
Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.
De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.
Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
Nota: Trecho de "Ternura"
Menininha do meu coração
eu só quero você
a três palmos do chão.
Menininha não cresça mais não,
fique pequenininha
na minha canção,
senhorinha levada
batendo palminha
fingindo assustada do bicho-papão...
Menininha que graça é você
uma coisinha assim
começando a viver..."
✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.
Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.
Entrar no canal do Whatsapp
