O Sorriso Adelia Prado
Você me perturba o pensamento como uma mosca que perturba o sono zunindo nos ouvido durante as noites de verão. Tua imagem parece uma praga colada no fundo dos meus olhos - Me tira o sono, a paz e a tranqüilidade. Sinto os músculos tensos, a boca amarga, os dedos frios e coração enforcado.
E eu? Eu fico aqui. Surtando, conjecturando, amargurando, me matando e remoendo minhas paredes do estômago enquanto me ocupo com a vida dos outros, com a vida daquele que um dia foi parcialmente meu, mas que agora voa, está longe. Nem quem mais saber de mim. Triste? Muito.
Durante esse tempo, tudo que fiz foi jogar minhas perspectivas no lixo e tentar reciclar o nosso sentimento. O que é impossível. Ele já está podre, deteriorado, mofado. Já é perdido. Creio que não consigo te esquecer porque eu não assumi a postura de separação. Não te apaguei como deveria ter feito e – como quase todas as mulheres – ouvi alguns conselhos errôneos e otimistas de algumas amigas que não sabem o que é perder o amor e insistem em me dizer que um dia você vai voltar pra me resgatar, cuidar e amar como eu mereço - já que sou uma moça inteligente, legal, dá-pro-gasto e toda aquela baboseira pra tentar me motivar enquanto eu encho a cara no bar pra te esquecer, e hora ou outra grito teu nome pra algum amigo.
Eu pareço cachorro, que mija no poste pra marcar território. Eu escrevo um texto aqui, outro ali, tento chamar tua atenção, só pra ficar um resquício de lembrança minha – seja ela boa ou ruim. Só pra que você nutra ainda algum sentimento – que é de pena, eu sei, mas prefiro achar que é um daqueles amores-adormecidos-impossíveis e que um dia alguma luz vai entrar na tua cabeça oca e você vai querer voltar pra mim quando perceber o quanto era bom estarmos juntos.
Enquanto ele me acompanhava de longe eu tinha tudo sob-controle. Eu sorria tensa e tranquilamente. Não saí choro, não saí riso. Só escuto o ranger dos dentes em busca de alívio. Agora, ele perdeu o fio da meada. Não sabe mais nada. Não se importa. Me jogou pro céu na espera de Deus me pegar, do capeta de colocar de volta no inferno. Tá tudo virado, sem controle, sem salvação. Eu não levo a vida, ela é que me leva, que me direciona. Que me enfia em uns becos meio sombrios. Não estou achando a saída, não encontro mais solução.
Eu costumava ser doce. Não muito delicada, mas ainda restava um pouco de felicidade no meu olhar. Eu era mais gentil e mais bem humorada. De-vez-em-sempre tinha uns perrengues, umas chatices, uns choros, uns sofrimentos, umas paixões mal-curadas, mas era tudo tão pequeno e sem importância. Eu acreditava no amor como em um conto de fadas e vivia bem sem ele. Eu convivia em perfeita harmonia com os amigos bem-resolvidos e não me importava muito em manter um relacionamento sério apenas com a minha cerveja e as minhas noitadas. Eu andava despreocupada e distraída, com a esperança de ser resgatada ou descoberta por um cara bem foda que fosse capaz de me amar como eu mereço. Eu tinha jogado minha sorte no vento e no destino, que acredito pouco, mas eu estava feliz, evoluindo, cuidando da minha vida, dos meus fins de semana com as amigas e cara! Estava tudo bem mesmo. Eu ainda via adiante. Você me pegou na minha fase mais feliz da vida.
…Às vezes queremos que o fruto amadureça antes do tempo. Temos muita pressa, mas somente o tempo sabe nos dar as coisas na hora certa.
Eu sinto medo de todos esses resquícios de relacionamento. Apavoram-me todas essas possíveis provas do crime. As fotos, os lugares, os cheiros, as roupas, os paladares. É melhor deletar os vestígios assim que o amor terminar.
É cruel a forma que a memória martiriza aqueles que foram abandonados. Deus do céu, como dói. Tudo fica marcado a ferro e fogo. Tudo ganha um significado incrível, uma dimensão absurda. É duro. É desumano o peso de tudo aquilo que fica sendo sobra de relacionamento.
Tudo passa a ser saudades e um martírio sem fim. Cada coisa toma um significado gigantesco. Ás vezes é melhor não colecionar esses restos. No fim, que fazer com as fotos? Queima-se? Joga-se no lixo em meio ás sobras de comida? Rasgam-se as camisas? Que se há de fazer? Nunca mais visitar aquele restaurante japonês que ele tanto gostava, ou quem sabe evitar aquele filme que a fazia rir feito uma louca esganada? Que se pode lutar contra esse monte de coisa que se torna quase palpável quando o coração é dilacerado em alguns momentos de desespero, em que se procura o outro loucamente, em momentos de saudades absurdas, que a gente invade qualquer buraco, escuta qualquer música que faça lembrar o ser incondicionalmente amado. Como frear as lágrimas diante de um CD que o parceiro tanto apreciava e que dançava desengonçadamente para provocar o riso desenfreado?
Tenho essa mania infeliz da cultura católica de sempre achar o mandante da atrocidade, o ser perverso capaz de cometer o crime.
Recordo que quase perdi a voz, e murmurava baixinho que eu ainda o amava de todo o coração e pedia pra que alguém me acalentasse os cabelos, enquanto eu tremia e espumava de tanto nervoso.
Espero que você leia esta parte.
Alguém já se sentiu na necessidade de dizer tudo de mais profundo e intenso para a pessoa em si tão amada?
Claro que sim. Todos nós temos ou já tivemos alguém para amar.
Mesmo que esse alguém nem saiba disso. Mesmo que esse alguém, talvez, nem saiba que você ao menos existe.
Mas você sabe que esse alguém existe. Você sabe e sabe tanto que chega ao ponto de idolatrá-la.
Não há defeitos nessa pessoa para você. Não há um ponto negativo. Não há simplesmente nada de ruim nela.
Enfim.
Espero que você me compreenda.
Vou juntar, de pouquinho em pouquinho, uma coragem devastadora dentro de mim para poder, assim, chegar até você e dizer: Eu te amo.
Eu tenho um anjo, ele não possui asas para voar. Ele possui um coração puro que o faz voar até minha dimensão.
Penso que, se acabou, era porque tinha que terminar. Se não durou foi porque não era pra durar. Se eu fui a escolhida para amar sem limites, era porque tinha que ser assim.
Se agora sofro, choro e tenho saudades é porque aprendo dia a pós dia que o tempo não cura, não ameniza, não ajuda. O tempo só esmaga minhas lembranças e faz minha memória trair aquela imagem antiga que guardo aconchegada no fundo dos meus olhos.
Pois se tinha que ser assim, foi. Aceitei. Nunca gritei, esperneei e tampouco me joguei na tua frente pedindo socorro.
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