O Amor Esquece de Comecar Fabricio Carpinejar
Você deveria ter sido rei. Em vez disso, tudo que conheceu é sofrimento e morte. E tudo que trouxe ao mundo foi sofrimento e morte.
Dizer a um paciente com câncer que tudo vai ficar bem é como dizer a alguém que está prestes a cruzar o deserto que, em algum lugar distante, há um oásis.
É difícil ouvir que o mundo continua mudando sem você, mas é preciso aceitar isso. Ou não, tanto faz. Nós somos tão irrelevantes para o universo. Ele não dá a mínima se aceitamos ou não.
Nada dura para sempre. Nem sorvete, nem filmes, nem as coisas bonitas, nem as feias, nem as folhas nas árvores, nem a mamãe. Mas eu estarei aqui, no seu coração, até você não estar mais aqui, mas também continuar vivendo em outros corações. E, assim, nada morre. Algo sempre continua vivo.
Aprendi que as perdas trazem consigo um presente macabro: quando não se tem mais nada a perder, significa que tem tudo a ganhar.
O coração procura-Te
O coração angustiado está,
em desespero a te procurar
Procura-Te em todo lugar,
com esperança de te encontrar.
Choras querendo retornar,
ao seu legítimo lugar.
De ondes podes repousar
e para todo o sempre Te amar.
Vives a mendigar, a qualquer
sentimento que te faz lembrar.
Quer te contemplar e,
por ti deixar-se amar.
Eis que o vento sopra em meu rosto, em meu corpo.
Vindo de frente, refresca minha fronte, massageia meus cabelos.
E eis que me fragmento num sem-número de sementes de dente-de-leão, sopradas pelo vento.
De minha essência nada resta, pois me espalho por onde ando, por onde as sementes voam.
Quisera ser flora para te encantar, e o fora, fora um dente-de-leão. Leão manso, de altivo passo, retumbante rugido e suave respiração.
Meus cabelos, ora juba, ora inflorescência, balançam ao vento e espalham sementes de dente-de-leão pelos campos ondeantes onde ando.
Outrora rugi, outrora rosnei, outrora agarrei, mas não aguentei. Outrora, eu era. Agora, deixo de ser.
Nada detém o vento, que num redemoinho me envolve, meus fragmentos revolve, num rodamoinho me dissolve. Sou capítulo soprado.
Me fragmento num sem-número de sementes, que voam pelo vento. E na terra, em minhas pegadas de leão, nascem dentes-de-leão.
(Epitáfio anemocórico, no livro O Bruxo de Curitiba)
