Nao Magoe uma Mulher
Se nos dermos de coração a uma quimera, se ela, nas formas vagas e aéreas que reveste, nos sorrir e namorar, em vão julgamos tê-la pelo que verdadeiramente é; há sempre um ou outro momento em que a acreditamos realizável e até realizada.
A vida humana é uma intriga perene, e os homens são recíproca e simultaneamente intrigados e intrigantes.
Assim como pomos de lado uma roupa usada e vestimos uma nova, assim o espírito se desfaz da sua indumentária de carne e se reveste de uma nova.
Há nos homens, em igual medida, tanto uma inércia incompreensível como uma atividade nociva no momento impróprio e no local impróprio.
Isso é uma injustiça de Deus, depois de se ter gasto toda a vida a adquirir bens, quando se consegue tê-los e ainda se quer mais, tem-se que os deixar.
A castidade, além de ser em si e virtualmente uma coisa boa, tem ignorâncias anatómicas e inconscientes condescendências com as impurezas alheias.
Uma Constituição que faça entrar nos seus elementos a humilhação do soberano ou do povo, deve, precisamente, ser derrubada por um deles.
A bondade é uma reserva de felicidade, porque deixa gozar a ventura dos outros depois de havermos perdido a própria.
Existem defeitos que são uma protecção contra alguns vícios epidérmicos, do mesmo modo que, em tempo de peste, os doentes de febre quartã escapam ao contágio.
A lei é sombra, pudica e hipócrita, do desejo de vingança da sociedade. Se, por uma razão ou por outra, as paixões se condensam, os ódios se acendem, deve-se aplacá-los, aquietá-los, acalmá-los. Desafogar o aborrecimento sem exceder. Os tribunais são os lugares decentes da vingança. Não para encaminhá-la ao alvo correto, mas para impedir que ocorram movimentos perigosos...