Genuíno
“A corda balançava num movimento pendular, e para o corpo inerte sobre ela, não pesava mais nada: nem dor, nem o abandono e muito menos o tempo. Na parte de fora, você podia ser alguém dentro de um carro, ouvindo música, ou alguém enfeitado à rigor, comprando flores que morrerão depois de uma noite perfeita, um regulador de transito estérico direcionando carros repletos por outras milhares de pessoas que poderiam ser você, e que desconhecem a tragédia instalada numa casa ao lado, à 30 metros dali. Tão perto e, ao mesmo tempo, tão distantes. Puxa, que merda, né!? O mundo seguiu. Em frente como sempre. O velho e bom mundo seguiu em frente. E seguirá quando for a sua vez. Não parará quando estiveres numa forca, ou na sarjeta, ou se contorcendo em algum canto escuro, à dois passos do fim. Talvez após o fim o mundo pare... talvez você pare, engravatado, ansioso por um encontro perfeito, com uma dúzia de flores na mão e que morrerão, talvez você pare de direcionar carros para um destino que você nem conhece e, se você realmente parar, depois do fim, faça mais do que perguntar “por quê?”, é ridículo. Porque os mortos não voltarão para lhe responder nada, seu idiota. E, mesmo que voltarem, é inútil esperar que o mundo compreenda uma dor que não é sua.”
“Não confie em mim pra guardar flores, amor, não confie em mim. Eu podia ser a sua melhor opção e realizaria todos os teus sonhos. Mas como se diz isso pra alguém, sem que flechas nos atinjam primeiro? Fiz do meu orgulho o único lugar seguro, pois, a cada vez que me aproximava da distância irretratável que nos separava eu sentia facas a me trespassar. Eu queria não ter que colocar uma corda no pescoço todo dia como prova do que sinto por ti. Agora aqui, nessa UTI, com todos esses analgésicos e todos esses fármacos que sustentam o meu corpo cansado, eu só consigo sonhar uma coisa. E esse sonho se repete tantas vezes, tantas que a realidade aos poucos começa a se tornar um pesadelo. E tudo que eu consigo me lembrar agora são todos os momentos infelizes juntos: das discussões calorosas ao amanhecer, das coisas voando de um lugar pro outro e dos teus olhos. E eu estou tão triste, amor, que você nem sabe como eu só consigo pensar em fazer um rio com essas lágrimas que escorrem dos meus olhos e te buscar, onde você estiver. Guardei por tanto tempo essas flores que acabaram por murchar nas minhas mãos, eu estou tão cansado que nem consigo morrer.”
"Nem sei mais quem somos. Vejo muitas pessoas iguais à ti, iguais à mim, no mundo, e então imagino como é fácil se perder em outros rostos. Ter a vida alheia como minha ou ver uma outra me consumir por inteiro. Se não fosse a noite, se num outro tempo pássaros voassem como lacraus, se houvesse numa outra vida uma porta para o fim do mundo, eu ainda te teria aqui, no silêncio. No encalço de alguma patologia lúcida que me consome. Revivendo ensanguentadas lembranças de abraços na escuridão. E amanhã, eu sei. Você sabe. Nada mais importaria. Eu seria algum tipo de saudade antes do adeus. E talvez se tornasses pra mim uma espécie de lembrança viva de alguém que nunca conheci. Um baralho absorto sobre a mesa, um desenho de sorrisos mortos, gastos, machucados num retrato qualquer. Talvez isso. Talvez. Ou teríamos nos cruzado numa rua qualquer, e trocado olhares, e seguiríamos nossos caminhos com tanto medo de sermos algo, um pro outro, por milhões de receios instalados na alma, sub-carregados por traumas de vidas passadas, e medo que se abra outra vez uma ferida que já cicatrizou."
Amizade verdadeira passa por provas difíceis. É um verdadeiro processo de lapidação. Amizades que ainda não foram experimentadas nos conflitos são apenas "amizades frágeis". Muito cuidado, pois elas acabam a qualquer momento. Fique atento.
Quanto tempo gastamos com coisas vãs, a desprezar ideias e possibilidades norteadoras da emancipação espiritual, psicológica e material.
Se quiser ser aceito no grupo, seja comum, mas se optar por ser diferente, incomum será no meio da multidão...
