Nunca gostei de solidão durante o dia... Lis M. Pinheiro

Nunca gostei de solidão durante o dia mas adoro ficar sozinha no meu quarto durante a noite. Sempre gostei de barulho no café da manhã e de mesa cheia no horário do almoço mas trabalhar um pouco longe de casa me obrigou a almoçar sozinha no...s últimos tempos.
Minha sala de trabalho fica em um prédio comercial da rua mais movimentada do Juazeiro do Norte, e passo o dia todo praticamente trabalhando sozinha nessa sala, se eu abrir a porta vejo rostos conhecidos e faço isso umas 3 ou 4 vezes do dia, só pra me sentir menos sozinha mas quando olho pela janela, vejo um movimento infinito, um sobe e desce de rostos totalmente desconhecidos.
O restaurante que almoço fica quase em frente, um pouco a direita da minha janela, escolhi ele por ser perto, mas gostei também do clima familiar, ele parece a garagem de um velho sobrado com tinta verde "gasta" nas paredes mas a comida é boa e tem cajuína geladaaa na garrafa de vidro pra acompanhar.
Escolhi a primeira mesa do canto esquerdo pra ficar almoçando, todos os dias senta lá, uma moça simpática sempre diz o "prato do dia", eu escolho e eu peço a cajuína, no final ela sempre pergunta se quero café ou água, sempre sorrio e respondo que não, pago o mesmo valor todos os dias e vou embora.
Esporadicamente eu encontrava um senhor de uns 60 anos entrando quando eu ia saindo do restaurante e todos os dias ele dizia: -Calor grande hoje,né? - e eu sempre respondia(sorrindo): -Muito, aqui é o Juazeiro,né? - sempre o mesmo diálogo. Depois de algum tempo eu passei a encontrá-lo sentado em uma mesa sempre que eu chegava pra almoçar e não mais quando saia do restaurante e dias depois descobri que ele perguntou à "moça simpática que sempre diz o prato do dia" se eu costumava almoçar lá todos os dias e em que horário eu chegava sempre e ele começou a chegar mais cedo e almoçar na mesa vizinha.
Começamos a trocar algumas poucas palavras e em pouco tempo ele mudou-se para minha mesa, aquela que é a" primeira mesa do canto esquerdo", antes eu chamava ela de "minha mesa" e agora costumo dizer "nossa mesa".
Sr. Artur é aposentado e vive sozinho numa casinha pequena aqui perto, não tem mais filhos mas tem netos que moram bem distante, ele diz que não gosta de cozinhar pra uma pessoa só.
Suas histórias são realmente interessantes e passei a gostar do Juazeiro e a admirar o Padre Cicero pela boca dele. Ele diz que gosta como eu sorrio de suas histórias que chego e me engargar.
Ele é meu amigo e é impressionante como passamos a nos importar com pessoas novas. Hoje em dia não almoço mais todos os dias sozinha e em dias como hoje, espero realmente encontrá-lo me esperando na hora do almoço, lá embaixo, na calçada do "prédio comercial da rua mais movimentada do Juazeiro do Norte", onde fica minha sala de trabalho.
Aposto que hoje ele vai estar usando seu chapeuzinho xadrez de aba curta..