Tenho fãs melhores e em maior número... Humberto Gessinger

Tenho fãs melhores e em maior número do que mereço. Não entendo como nem porque, mas agradeço a Deus. Quem começa a trabalhar comigo sempre se surpreende. Acho sintomática esta surpresa e cumprimento todos os "de fé" com um piscar de olhos imaginário: nós conhecemos a força da teia que tecemos. Silenciosamente.


Azar teve Eddie Van Halen. Nunca fez minha cabeça o som dele (pelo contrário, foi um dos motivos que me fizeram achar o baixo um instrumento mais interessante do que a guitarra em 87), mas reconheço sua maestria. Um gênio. Foi um cara seminal na revolução que colocou uma guitarra no quarto de cada adolescente americano nos anos 80 (ok, depois as guitarras viraram computadores, mas isso é outro papo, outra década).

Aquele roquenrrou pirotécnico ficou espremido entre o nervo exposto do grunge e o atleticismo musical de caras como Joe Satriani e Steve Vai. Sufocado entre uma postura mais visceral e outra mais cerebral. É assim na vida e na arte: ciclos, movimentos pendulares, ondas que vêm e vão. Injustificável é que os fãs do Eddie tenham se calado. É raríssimo, hoje em dia, alguém dar crédito ao cara pela influência que teve.

faça uma prece pra Freud Flintstone
acenda uma vela pra Freud Flintstone
sacrifique o bom senso no seu altar
...
esqueça a prece pra Freud Flintstone
acenda a fogueira pra Freud Flintstone
vamos queimá-lo vivo, enterrá-lo vivo
(*) Cazuza cantou que seus heróis morreram de overdose. Imagino que se referisse a Jimi, Jim, Janis... Atemporal, a canção fala das meninas Amy e Cássia, dos bateristas Boham e Moon, dos baixistas Pastorius e Lynnot. Metafórica, ela fala dos carros de James Dean e Albert Camus, dos voos de Steve Ray Vaughan e Buddy Holly, dos mistérios de Robert Johnson e Jeff Buckley, dos absurdos disparos-para-o-coração de Lennon e Cobain. Prematuras, estas mortes condenam os mitos à vida eterna. Todas têm um pouco de encenação da Paixão de Cristo. Adorados, os posters ficarão para sempre imitando crucifixos na "parede da memória".

Há heróis que continuam por aí, fazendo de conta que o tempo não passa (Jagger/Richards e McCartney, por exemplo). E há aqueles que, de uma forma ou outra, em um momento ou outro, saltaram do bonde (o bonde chamado desejo?). É pensando nestes que escrevo: os caras que me ensinaram a ser jovem e estão me ensinando a envelhecer.

Joni Mitchell encheu o saco da forma como as mulheres são vistas na indústria cultural e foi pintar. Bjorn Borg achou que era muita pressão ter que acertar todas as bolas e foi errar um pouco na vida. Leonard Cohen raspou o cabelo e foi ver de perto qualé a do budismo. Roger Waters ergueu, demoliu e cantou (não necessariamente nesta ordem) seu próprio muro. Dylan por várias vezes saltou do bonde (a primeira: depois do acidente de moto em 66; a mais recente: o mergulho no trabalho, na Never Ending Tour).

O que há de comum nestes exemplos? Eles acharam que o solo estava muito duro, seco demais para receber sementes? Acharam que a esponja não absorveria mais nada por estar molhada demais? Pode não haver nada em comum, eu posso estar forçando a barra... mas realmente acho que estes caras assumiram as rédeas, traçaram os próprios rumos. Parece pouca coisa? Só para quem nunca fez isso.

09ago2011