O Paradoxo do Circunflexo O paradoxo... Israel SolerYsrael Soler

O Paradoxo do Circunflexo
O paradoxo do circunflexo reside na sua natureza de montanha e de teto. É a seta que aponta para o zênite — um gesto de elevação, de ápice, um convite ao etéreo. Mas, ao mesmo tempo, é a curva que sela, que fixa o som ao chão da ênfase, impedindo-o de flutuar livremente no ar da possibilidade.
Ele é o acento da gravidade na leveza da vogal. O "a" torna-se "â", uma planície elevada, um platô onde a sílaba repousa com dignidade. É o peso específico da palavra, o local onde o tempo se concentra para que o som não passe despercebido, forçando o leitor à pausa, ao respeito pela sílaba coroada.
Na sua forma, ele mimetiza o telhado de um templo ou a aba de um chapéu: um abrigo. A vogal acentuada não é mais uma nota passageira; ela é uma câmara onde o som ressoa com maior profundidade, isolado do murmúrio geral. É o lugar de onde a palavra retira a sua autoridade, o ponto de não retorno que transforma o simples metro no solene mêtro.
Filosoficamente, o circunflexo é a marca da alma humana que busca o sublime (a ponta ascendente), mas que está eternamente vinculada ao concreto, à carne e à finitude (a base que se fecha sobre a vogal). Ele representa o êxtase que se lembra da existência, a memória do voo confinada ao corpo.
É o nosso próprio desejo de transcendência: queremos alcançar o pico, mas para isso, precisamos de um sólido ponto de apoio. O circunflexo, esse pequeno triângulo sobre a vogal, é o lembrete de que a força de uma ascensão reside sempre na profundidade da sua raiz.
