Inspirado na musica Gus Dapperton -... Yuzo Canguçu
Inspirado na musica Gus Dapperton - Sober Up
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“Entre a lucidez e o abismo”
Há momentos em que a vida parece nos pedir sobriedade — não só do corpo, mas da alma. Uma espécie de clareza que, longe de aliviar, pesa como um golpe seco. É o instante em que percebemos que nada externo pode realmente nos salvar: nem o amor que suplicamos, nem a euforia que consumimos, nem a fuga que tentamos transformar em abrigo.
Fala desse lugar onde o querer se torna dor, onde a dependência emocionável não é escolha, mas sintoma. E Camus, se entrasse nessa conversa, diria que ali está o Absurdo: a consciência aguda de que esperamos do mundo algo que ele jamais prometeu nos oferecer.
A proximidade que sufoca.
A distância que dilacera.
O desejo de limpar a mente — e o medo do que a mente mostrará quando estivermos lúcidos demais.
Há uma violência suave nesses ciclos. A pessoa que tentamos alcançar parece sempre “perto demais” ou “longe demais”, nunca exatamente onde o coração precisa. E então buscamos excessos, substâncias, distrações, movimentos — qualquer coisa que sustente a alma por mais alguns minutos. O problema não é o vício em si; é a tentativa desesperada de escapar do próprio pensamento.
Camus enxergaria nisso não fraqueza, mas humanidade.
Somos criaturas que sentem demais e compreendem de menos.
Criaturas que tentam preencher o silêncio com ruído, porque o silêncio é a forma mais pura do absurdo. Ele não responde. Não consola. Não explica.
E ainda assim, continuamos.
A vida não oferece sentido pronto; oferece apenas manhãs que chegam, quer que estejamos preparados ou não. O mundo não espera pelo nosso equilíbrio — e talvez essa seja a parte mais dolorosa: perceber que tudo continua enquanto ainda tentamos nos recompor.
Mas é justamente aí que algo profundamente humano surge:
a pequena revolta de permanecer vivo, mesmo quando tudo em nós implora por anestesia.
A decisão silenciosa de caminhar, mesmo ferido.
A coragem de olhar para o que dói sem se deixar consumir por isso.
A sobriedade não é a ausência de dor.
É o reconhecimento dela sem correr.
É o retorno ao próprio peito — mesmo trincado — com uma honestidade que esfarela qualquer ilusão.
E, paradoxalmente, é nesse retorno que nasce um resquício de liberdade.
Não uma liberdade luminosa, mas uma liberdade quase subterrânea:
a de existir apesar da falta de sentido.
A de dançar mesmo sem música.
A de amar sabendo que nada garante retorno.
A de continuar sabendo que nada promete recompensa.
Essa é a força que Camus admirava.
Não a força que vence o mundo —
mas a que se mantém de pé dentro dele,
mesmo quando ele é indiferente.
No fim, ficar sóbrio não é ver menos:
é ver tudo.
E ainda assim, não desviar o olhar.
Essa é a verdadeira coragem.
Essa é a verdadeira dança.
Y.C (para N.)
