Capítulo XVII — Dá-me uma única... Marcelo Caetano Monteiro

Capítulo XVII — Dá-me uma única lágrima, Camille.
Do Livro: Lírios Do Abismo De Monfort.

A noite parecia suspensa entre dois silêncios. Nenhum vento movia as cortinas, e ainda assim, o ar tremia. Camille estava ali — imóvel, quase transparente — como se sua presença fosse apenas a lembrança de uma presença. A chama da lamparina vacilava, e por um instante, pareceu reconhecer nela o contorno de uma alma que não pertencia mais ao tempo.

Ele, sentado diante do piano, não ousava tocar. As teclas, brancas como neve antiga, guardavam o eco de músicas que só o coração poderia ouvir.
— Dá-me uma única lágrima, Camille… murmurou ele, num tom que não era pedido, mas prece.

Camille ergueu o olhar.
Nos olhos dela havia o oceano e o abismo, a ternura e a dor do mundo.
Uma única lágrima formou-se, hesitante, e deslizou por sua face como se o próprio destino a tivesse esculpido.

Ao cair, não se ouviu som. Apenas um perfume leve se espalhou pelo ar — o perfume da saudade que cura. E, no instante em que a gota tocou o solo, uma brisa varreu o quarto, soprando pelas janelas abertas.

Tudo o que era sombra pareceu recolher-se.
E ele, que antes chorava em silêncio, sentiu a dor dissolver-se em luz.

Camille aproximou-se. Sua voz era quase um sussurro que o coração entendia antes do ouvido:
— As lágrimas, meu amado, são sementes de eternidade. Elas não caem: renascem. Cada dor que se oferece em amor torna-se bálsamo para o mundo.

Então, desapareceu lentamente, como se se recolhesse ao próprio firmamento.
Mas o perfume ficou.
E, sobre o piano, onde antes havia apenas o vazio, repousava agora uma única gota cristalina, cintilando à luz da madrugada a lágrima de Camille guardando em si o mistério de quem chorou pelo amor e curou pela alma.

“Há dores que não se apagam; transmutam-se em luz, e nessa claridade silenciosa, os espíritos se reconhecem.”