Quem é mais sentimental? Havia um corpo... marianapenides

Quem é mais sentimental?


Havia um corpo encolhido bem tarde da noite. Os joelhos eram refúgio, e o vidro da janela, um altar onde a sombra repousava entre luzes cansadas.


Lá fora, nada se via. No quarto, uma música animada tocava baixinho, mas dentro dela o tempo desafinava um coral de Belchior ao mesmo tempo onde o passado apaixonado acendia uma ponta de ilusão.


Ela não sabia o nome do caminho, mas reconhecia as esquinas do retorno. Sabia apenas que não cabia mais
em roupas da antigas.


Então, ergueu-se. Lembrou do velho e novo evangelho. Com um gesto simples amarrou o cabelo, a pena entre os dedos, recomeçou a costurar o verbo e escreveu uma nova palavra.


Do papel, brotou uma mulher
que não pedia mais para ser salva. O amor, enfim, voltou a habitar-lhe o pulso. A esperança, tirou a sobrecarga e agora ela respira aliviada.


Agora, ela também espera. Não como quem aguarda, mas como quem floresce. Porque sabe: alguém virá,
e o encontro não será desordem.


Virá com mãos que decifram e com olhos que não temem o espelho. E quando vier, reconhecerá não o que ela foi, mas o que sobreviveu.