Debaixo do Sol Comum O dia começa antes... Reinaldo Hilario

Debaixo do Sol Comum
O dia começa antes que os olhos aceitem a luz.
As sombras recuam devagar,
como quem não quer partir.
Pássaros conversam sem se importar com quem escuta,
cada canto um aviso
de que a vida insiste em recomeçar.
Uma xícara esquenta as mãos mais do que o sol da manhã,
e há silêncio dentro do vapor,
como um afeto que não sabe ser palavra.
As ruas se enchem de passos que não se olham.
Rostos apressados carregam vontades adiadas,
planos em pedaços guardados nos bolsos,
como se o tempo fosse sempre depois.
Há buzinas que não pedem passagem,
há semáforos que não têm paciência.
Tudo anda, mas ninguém chega.
As árvores, no entanto, não se apressam.
Elas apenas estão.
Respiram por dentro, mesmo em silêncio,
suportam o peso das horas
com uma calma que ninguém mais cultiva.
Um cachorro dorme à sombra de um muro
como quem sabe que o mundo
não precisa ser entendido.
O céu é claro demais para prometer mistério,
mas ainda assim guarda perguntas
que ninguém tem tempo de fazer.
O vento leva pequenas certezas,
e traz dúvidas em troca.
Mesmo assim, seguimos.
O dia não espera ninguém,
mas oferece tudo:
o instante em que um olhar se cruza,
a pausa no café que salva a pressa,
a flor que cresce entre o concreto
sem pedir licença.
E no meio do comum,
há sempre algo que pulsa.
Algo que, sem pressa,
nos lembra que ainda estamos vivos.