⁠CAPÍTULO II – O COLÓQUIO DOS QUE... Marcelo Caetano Monteiro

⁠CAPÍTULO II – O COLÓQUIO DOS QUE NUNCA PARTILHARAM A LUZ. “Foi apenas um sorriso... mas a eternidade se abriu por um instante e teve medo.” I. O Sorriso que nã... Frase de Marcelo Caetano Monteiro.

⁠CAPÍTULO II – O COLÓQUIO DOS QUE NUNCA PARTILHARAM A LUZ.

“Foi apenas um sorriso... mas a eternidade se abriu por um instante e teve medo.”

I. O Sorriso que não Sabia Ficar.

Era uma noite sem lua — mas com vento. Camille desceu ao porão mais uma vez, como se a noite lhe pertencesse, como se a escada soubesse o peso da alma dela. Joseph já a esperava, não como quem aguarda alguém, mas como quem reconhece o inevitável.

Ele estava com as mãos sujas de tinta seca. Rascunhava em uma parede uma frase:
“Deus não nos condena — nos observa em silêncio.”

Quando ela chegou, ele se virou com a lentidão dos que não se acostumam à presença.

— “Trouxe as flores?” — perguntou ela, com a voz baixa, quase como um lamento que queria parecer alegria.

— “Roubei-as do cemitério da rua de cima. Ninguém sentirá falta. Estão todas mortas lá... inclusive os vivos.”

Camille sorriu. E o sorriso dela doeu.

II. Colóquio no Escuro.

Sentaram-se frente ao outro. Ele a fitava como quem se vinga da luz, por amá-la demais e ao mesmo tempo temê-la. Ela recostou o queixo sobre os joelhos.

— “Sabe o que me assusta, Joseph?”
— “A vida?”
— “Não. O que há dentro de mim quando você sorri.”
— “E o que há?”
— “A vontade de viver. Isso me assusta mais do que morrer.”

Ele engoliu em seco.

Camille segurou uma de suas mãos, não para apertar, mas para impedir que fugisse de si mesmo.

— “Prometa que se eu morrer antes, você não escreverá sobre mim.”
— “E se eu prometer, você viverá mais?”
— “Não. Mas saberei que ao menos você me amou em silêncio, e não em frases soltas por aí.”

III. Instante Suspenso na Poeira.

Joseph sorriu. Não muito. Apenas o suficiente para que o mundo inteiro parasse por um milésimo de eternidade.

Camille, deitada agora sobre um lençol rasgado, observava os traços dele à meia-luz de um lampião antigo.

— “Por que você sorriu?” — perguntou.
— “Porque me senti feliz.”
— “E por que o medo veio logo depois?”
— “Porque a felicidade não é para nós, Camille. É como o fogo para quem vive em papel.”

Eles não falaram mais por um longo tempo.

Só o ruído do lampião, e o rangido suave da escada apodrecendo com os anos.

IV. Promessas no Fim do Tempo.

Antes de subir de volta à noite, Camille parou no degrau mais alto, olhou para ele como quem olha do fundo de um abismo invertido — do alto para o que está enterrado.

— “Joseph...”
— “Sim?”
— “Prometa que você não sobreviverá muito tempo depois de mim.”
— “Você quer que eu morra?”
— “Quero que não me esqueça. Nem mesmo para viver.”

Ele assentiu. Não era promessa. Era sentença.

V. Felicidade Medrosa: O Amor que Pressente a Perda.

Eles foram felizes naquele instante.
Mas era uma felicidade assustadora, como a criança que descobre por um momento que os pais podem morrer.
Ou como o prisioneiro que vê uma fresta de luz — e teme que ela revele que o mundo lá fora nunca o esperou.

Camille e Joseph sabiam:
Quanto mais se amassem, mais doloroso seria o silêncio que viria depois.

E ainda assim... sorriram.

Com medo.

Mas sorriram.

“Diziam que era apenas um romance soturno... mas era um universo inteiro tentando amar sem voz.”

Fragmento atribuído a Camille, encontrado sob um retrato queimado.