Uma amiga e eu, ao sairmos da aula de... 7bilhoesdehistorias

Uma amiga e eu, ao sairmos da aula de teatro, conversávamos sobre nossas rotinas. Estávamos tristes com o que permeia a nossa vontade e a nossa obrigação. Acordar, arranjar um ânimo não sei onde, levantar e ir ao trabalho que consome nosso tempo e que faz de nós criaturas com muito mais inquietações do que certezas.



Falávamos da vida a caminho de casa. Entre uma discussão e outra eu disse que não acreditava que ela tem 33 anos, pois parece ter 25. Ela, com ar de tristeza falou: "Sim, você tem 37, mas já construiu uma vida...eu nem tive filhos"...

Esta frase, tão simples, revirou, dormiu e acordou aqui.



Estar no segundo casamento, ter duas filhas e certa independência não exclui certo sentimento de abandono de vez em quando. Do mesmo modo que não estou imune ao desejo de solidão, uma casa vazia, um silêncio.



Ela não faz ideia de como às vezes é insuportável querer escrever, ler, dormir, deitar no sofá e fazer nada... o que até é possível, desde que a criatura tenha um problema sério de perda auditiva severa ou finja tê-lo. Do contrário, no melhor do descanso, lá vai você para o tanque, lavar um pijama molhado de xixi porque não deu tempo de sua criança de 3 anos chegar ao banheiro. Fora trocar o pijama, limpar o chão e não perder a paciência por entender que foi sem querer. Ok. Ah... se isso fosse ao menos 10% das inconveniências.



E acordar de manhã, tomar café e esperar a mesma criança de 3 anos comer? Elas são lentas. O tempo passa. A mesa é desfeita quase que simultaneamente ao preparo do lanche da escola. Depois, fazer tudo - absolutamente tudo - em duplicidade: pentear cabelo, tomar banho, trocar de roupa, escovar os dentes... e até a hora de sair, antes das 8, você já cansou.



Minha amiga não percebeu ainda que ser solteira, mesmo sem convicção, tem um charme que causa inveja. Ser livre. Fazer o que se tem vontade a qualquer hora (milagre possível e reservado a mortais na condição dela), não ter certas preocupações e obrigações ligadas a existência de filhos. Talvez ela ainda não saiba o significado de fazer escolhas, adiar projetos, enterrá-los até, para priorizar outras necessidades. Dos filhos, claro!

Talvez ela ainda não saiba que não temos escolha, a não ser assumirmos a responsabilidade por essas ecolhas...



Que fique claro. Gosto da vida que tenho. Só estou cansada. Cansada pelo inverso do que ela sente - a falta de tudo isso. Mas será que ela faz ideia das cores e formatos dessa realidade?



Só queria que ela soubesse que não ter compromisso não é uma tragédia. É um tempo que tem um valor único, como todas as fases da vida e que mais tarde, poderá causar saudade.



Eu ia falar de outra coisa. Do ponto de intersecção da nossa inquietação. Da vontade de viver do teatro que amamos e do tédio profundo de ter que engolir o trabalho que nos sustenta, mas que nunca fará de nós escravas exclusivas dele.



Mas esse é um assunto para a próxima crônica.