Será o apartheid do biscoito globo e do... Professor Glauco Marques

Será o apartheid do biscoito globo e do mate leão?

Hoje passei o dia na zona sul sabe lá porque motivo, acho que como lutei a vida toda por meus objetivos e nunca me dei conta que de que lado deveria estar, afinal quando eu era jovem e nunca tive grana para comprar biscoito globo e mate, nunca mesmo. Sou de Irajá, vinha de Irajá dando um belo calote nas linhas que margeavam a Av. Brasil, altura da Boate Kiss (bela boate por sinal esquina com a Ratolândia, lugar nobre da nata da sociedade Irajá... alguma coisa). Mas era novo e só me dirigia à praia para ver aqueles corpos incríveis das meninas, claro quando podíamos olhar sem ser chamados de machistas, afinal sou hétero, detalhe que tenho que expor com certa descrição, vai que me chamam de homofóbico. Mas também ia conversar com os amigos, mergulhar e tinha dinheiro para um refrigerante, refrigerante esse tomado em uma padaria de um português, coisa rara nos dias de hoje. Beijava umas gatas pegando no máximo em sua cintura, outra coisa rara depois que Daniela Cicarelli instituiu o motel-mar, beijar por si só, coisa quase divina. Mas era gostoso gastar umas quatro horas, duas para ir outras duas para voltar, para curtir um dia de sol com gosto de mar e voltar para casa sujo de areia de praia e salgado como o verdadeiro bacalhau português, o verdadeiro, não o que vende no supermercado Guanabara (outra coisa pra se discutir em outra oportunidade: onde se contrata as meninas do Guanabara? Em alguma sucursal do inferno?). Chegando em casa, a velha casa de pobre 1 banheiro e 123 pessoas habitando, falo habitando porque pobre sempre deixa a porta aberta para vizinhos e agregados, e cá pra nós é uma zona de categoria, nossa o pior é que o pai acha que manda em tudo, ta-dinho, tem um cara na sala que ele nem sabe quem é, mas que tá pegando a filha dele, mas a mãe sabe). Espero três horas para tomar meu banho e procurar uma parte de meu corpo, no braço ou rosto para estar marcado, afinal sou preto [sic] e tenho que provar que fui à praia de alguma maneira, para tirar onda na rua e a noite, pera ai, tirar onde a noite? Preto [sic]? Mostrando marcar? Deixa, voltando ao final do meu dia, tempo bom, mesmo com sacrifício, luta e distância, tinha um direito quase que universal de mergulhar em águas salgadas além mar...
Primeiro eu não podia no século XIX andar sozinho pelas ruas de Botafogo, sozinho, quer dizer: sem esta acompanhado de meu dono ou dona, Isabel [sic] me deu uma moral e hoje não só entro, como desfruto da FGV e curto a culinária da região. Mas será isso? Estudei muito e deixei de ser preto [sic]? Ou por ter um long irado e importado que custa dois salários mínimos me torna mais metido? Um Michael Jackson pós-thriller? Não sei, acredito que a ditadura trouxe ensinamentos para a esquerda e principalmente para a direita, na virada do século criamos os piscinões, pequenos embriões para segregar de maneira ordeira os moradores das zonas marginalizadas de entrarem nesse mundo que pra mim deveria ser de todos, mas não é. Hoje mais uma vez me dei conta que eu era uma estranho no ninho na zona sul, tirando a gostosa da Playboy que é gari, toda maioria é negra, os vendedores, enfim, eu não deveria esta ali curtindo e sim ralando. Até a maioria dos polícias são caucasianos e com um nível maior que o ensino médio. Teve um que até veio me perguntar sobre meu long, tinha que ficar assustado polícia não conversa com preto [sic], ou conversa? Mas voltando às piscinas artificiais de água salgada, só o de ramos vingou, gerando até queima de fogos, algo importantíssimo para desafogar os segregados de invadirem a praia deles e agora quando imaginei que com a chegada do Bus Rapid Transit nosso problema de chegar à praia tinha sido resolvido, vem à jornalista Hildegard Angel (procurem saber quem foi à mãe dela e seu irmão), com algo incrível de ser sugerido, vamos cobrar entrada para ir às praias da zona sul, será que a mãe dela aceitaria tão maravilhosa ideia? Ideia que o globo teve que tirar rapidamente do ar. Mas hoje enquanto estava curtindo a cidade por ser do Rio a prefeitura do Rio estava inaugurando a praia de Rocha Miranda, praia essa que nas fotos vemos quem são os frequentadores, esses mesmos, os sitiados em suas favelas, enlatados em seus ônibus e mortos por estatística. Essa é a segunda tentativa real de legalmente nos desestimular de curtir o mar e já adianto, teremos a maior queima de fogos, só perdendo para Copacabana e me arisco a dizer que em breve outros lugares terão calçadão e tudo. Eu tinha a idade de vocês jovens quando o então governador Leonel de Moura Brizola mandou criar uma linha de ônibus que ligava os marginalizados a zona sul, houve uma luta ferrenha entre a elite e Brizola, Brizola ganhou e a linha era a 474- LINHA 474 – JACARÉ – JARDIM DE ALAH , entenderam agora? Mas estudei muito para não ser gado e não gostaria de ver meu povo voltar a época de um século que não acabou, o século das correntes.
Só gostaria de poder comer meu biscoito com mate, sentir gosto de sal na boca e demorar quatro horas para ir e voltar de uma bela praia, pois foi curtindo Copacabana que tive dentro de mim um objetivo, estudar para poder sempre que desejar, compra, me hospedar, voar, curtir e ser um simples e transeunte carioca.
E por favor, não culpem os moradores da zona sul, pois em breve os moradores de Madureira e Rocha Miranda estarão falando: “esses favelados de outros bairros estão acabando com o que é nosso”.
Não sou contra a praia de Rocha Miranda. Só temos que ter cuidado... A Alemanha acaba de rememorar a derrubada de um muro e parece que vamos comemorar o nascimento do nosso e invisível.