SEI QUE VOU MORRER JOVEM Carpinejar Cada... Fabrício Carpinejar

SEI QUE VOU MORRER JOVEM
Carpinejar
Cada um segue o tamanho do seu tempo. Sempre fui ansioso, apressado, intenso, passional, fazendo várias coisas ao mesmo tempo e não desistindo de nenhuma delas até terminar. Raramente fui entendido. Só me receitavam Rivotril, chá e terapia. Estava errado em meu jeito de ir e voltar dos meus limites com constante voracidade. Realmente, não devo ser uma companhia agradável e tranquilizadora. Eu me encontro a 220 volts logo cedo, gargalhando ao tomar café. Quem aguenta? É um atentado violento ao pudor para aqueles que despertam devagar e reprisam a cama com o bocejo. O que mais escutei ao longo dos tropeços: - Vá com calma, tenha paciência.
Mas como disse: cada um atende o tamanho de seu tempo. O espaço concedido para sua jornada.
Como determinar se não me apresso pois meu tempo aqui é curto?
Não prevemos quando iremos morrer, o que dá uma sensação falsa de dilatação etária. Todos se imaginam velhos, todos se imaginam com netos enchendo a casa. Se soubéssemos quando nos despediríamos, o que teria de gente com urgência de viver. Deixaria o pudor para trás, encheria a cara de coragem para ser inesquecível na mais tola banalidade. Gente como eu atropelando o bom senso pelo beijo mais longo e pelo abraço mais apertado. Gente como eu, com a instabilidade cardíaca, com o coração inchando dia a dia. E seriam normais porque estariam aproveitando seu fim com a consciência da entrega. Não seriam mais inconsequentes ou afoitos, e sim destemidos em adiantar o legado e se corresponder de modo franco e sincero. Não mentiriam, não adiariam, não elaborariam planos, porém tomariam unicamente decisões. A mentira apenas existe para os que confiam na longevidade. A verdade, por sua vez, já é habitar a palavra no instante em que a pronunciamos. É ser o possível, não ser o que idealizamos, não se prender em amarras imaginárias e obstáculos invisíveis.
Meu temperamento vulcânico me aponta que não vou viver muito. Não há como viver muito, por mais que ame a vida e toda gentileza que recebo. Sei que morrerei jovem. Existe um pressentimento que é tristemente alegre. Choro mar quando estou alegre e rio quando estou triste. Tudo me emociona, pois criei uma atenção como nunca antes. Já descobri que emoção é ouvir, vaidade é falar. Eu me enxergo quase histérico diante de beleza e tremo de excitação hoje com uma canção, um filme, um passeio de barco ou de bicicleta, o fio de cabelo da mulher em minha barba, a graça dos filhos com minhas gafes.
Não posso obrigar qualquer um a vir comigo, tampouco desejo inspirar compaixão. O que me resta é convidar, com meus olhos caídos, a levantar a transparência.
Parafraseando Rosa: ninguém morre, ficamos transparentes. Ao cabo de nossa respiração, maravilhosa respiração que balança as árvores, desaparecemos cristalinos, cristais de nossas lembranças.
Não me interprete mal: não tenho eternidade (nem mais é questão de tempo) para perder