Conversa de Senhora Ôh nêga! O café... Renê Cadide

Conversa de Senhora

Ôh nêga!
O café está na mesa?
Já raiou o dia
Quero a mesa posta,
Quero toda mordomia.

Vá nêga!
Mexa o doce,
Para que de tarde a mesa seja posta à corte.

Virá a mulher do prefeito.
Virá a do coronel.
Quero a toalha engomada
Branca feito véu
Senão é tronco nêga.

Cadê o açúcar?
Cadê o melaço?
Os seus já cortaram a cana?
Mande dar dura nesses escravos!
E arrume minha cama.

Depois faça quitutes nêga,
e leve os restos à senzala,
Loucos que falam de liberdade...
Vocês vivem melhor que muita majestade.

Jovens baderneiros!
Querem pregar a abolição.
Esbórnia e bagunça nêga.
Pregue este botão!
Perderam a noção.

Quem irá servir o café?
Quem vai mexer o tacho?
Quem cuida do meu filho?
Eu não lavo nem passo.

Sinhá (pensa)
Não tome como ofensa...
Mas filho teu brinca
o meu encurva o lombo na cinta.
Filho teu estuda...
Filho meu luta...
Pela comida,
Pela água,
Pela vida.

Mas não sentimos nada...
Nem que somos gente.
Nem que estamos vivos
Nóis não sentimos nada.

Haikai
A hegemonia que triunfa
A minoria que cai.