Não sei exatamente em que momento sai... Elisete Franham

Não sei exatamente em que momento sai da fase adormecida...
Só sei que não importam todos os rabiscos que já fizemos nem todos os papéis amassados na lixeira, porque todo texto bom de ser lido antes foi rascunho.
E, por mais belo que seja, é natural que, ao relê-lo, percebamos uma palavra para ser acrescentada, trocada, excluída.
A ausência de uma vírgula. A necessidade de um ponto. Uma interrogação que surge de repente... Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes.
Só sei que comecei a lembrar de onde é o céu e a perceber que o inferno é onde a gente mora quando tudo esta adormecido.
Estou saindo dos meus desertos. E a olhar, ainda que timidamente, para todas as miragens, sem tanto desprezo, entendendo que havia um motivo para que elas estivessem exatamente onde as coloquei. Nenhum livro, nenhum sábio, nada poderia me ensinar o que cada uma me trouxe e o que, com o passar do tempo, continuo aprendendo com elas. Dizem que só é possível entendermos alguns pedaços da vida olhando para eles em retrospectiva.
Acho que é verdade....
Sei também que comecei a compreender o respeito e a reverência que a experiência humana merece. A me dar conta de delícias que passaram despercebidas durante um sono inteiro. E a lembrar do que estou fazendo aqui. Ainda que eu não faça. Ainda que na fase adormecida permiti que o dia a dia me atrapalha-se. Ainda que, de vez em quando, finja continuar dormindo. Mas não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a viagem.
Sei que tudo começou a ganhar uma Nova Vida, no fundo, eu já conhecia, mas havia esquecido como era. Comecei a despertar da fase adormecida que, com suas mãos feitas de medo e neblina, fez minha alma calar. E foi então que comecei a ouvir o canto de força e ternura que a vida tem.