Aonde foi parar aquela menina? Hoje dei... Linda Lacerda

Aonde foi parar aquela menina?


Hoje dei pela falta da menina que morava em mim... Nem vi quando ela se foi...A menina que já chegou contando as horas... De manhã quando a acordei já não estava mais aqui. Eu não tenho mais a menina por dentro. Fiz de tudo para segurá-la, quase a pressionei. De frente ao espelho, finalmente, para quase desespero meu, vi a velha que hoje se instalou sem me perguntar se podia, se havia lugar para ela... De olhos opacos, rugas , de lábios ressequidos, de mãos de bruxas da minha infância..... Bati muitas e muitas vezes, a porta do tempo em sua cara... E hoje ela finalmente, arrombou as trancas que a prendiam lá fora e se apossou de mim contra a minha vontade. Em restos de ilusão, borrei -a de rouge carmim, pus -lhe máscaras, troquei suas roupas antigas, vesti-a de novas roupas coloridas, enchi- a de balangandãs, levei-a aos antigos lugares onde ia, mas ninguém viu nela sequer resquícios da menina que um dia foi... Não consegui disfarçá-la. Ela estava ali, num fio de cabelo branco, numa ruga onde antes era pele de cetim... Eu não queria que ela viesse..Não a convidei, não estava preparada para recebê-la... Assim como a menina teve pressa para ir, ela teve urgência em chegar. Alguém teria que ocupar meu corpo, ou então a morte viria fazê-lo... É uma velha e por ser velha, sem brilho, sem viço, sem verdor... Eu quero a menina de volta, seus risos, sua beleza, sua alegria... A menina a embalar-se e a embalar meu sonhos... Eu quero a menina que o tempo levou... Eu não quero despedir-me de mim... Eu não sou essa pessoa que vejo no espelho, eu nunca fui assim... Não reconheço sua amargura, nem essa pele macilenta, nem esse rosto flácido... Eu não quero essa pessoa que precisa de retoques, que precisa de disfarces, que não posso assumir... Eu não quero esse ser quase invisível que agora está aqui...Eu não sei o que fazer com esse meu jeito assim sem graça, já não desperto interesses, não recebo mais olhares, eu quero a beleza perdida que o tempo roubou e levou com a menina que vivia aqui...Quero-a de volta, mesmo com sua inexperiência, com suas inconsequências, de cabelos ao vento, sem pensar no amanhã...Quero a sua juventude, sua rebeldia sem causa,quero as asas que ela tinha,sua felicidade sem motivo ,quero os sonhos que ela levou... as canções que ela inventava e cantava pra viver... Essa velha é preocupada, já não dorme direito nem me deixa sonhar...Vive perdida no passado e paradoxalmente, corre contra o tempo quando o que eu mais queria era que ele parasse ...Sei que busca a menina que desapareceu na distância sumiu na curva da estrada ...Foi dando adeus de mansinho, avisando que iria, mas eu não acreditei... Dentro de mim a menina seria eterna, até ontem, quase a toquei num resto de brilho que havia em meu olhar, no homem que passou e olhou para mim, na velha calça desbotada que ousei colocar... Mas hoje ela se foi definitivamente... E cheia de bagagem... Nada deixou para traz... Nem um vestido de renda, nem um laço pro cabelo, nem um pingo de rubor na face...Me deixou só lembranças e lembranças não enfeitam, não rejuvenescem...Nem uma gotícula do tempo que passou, sequer um estrela cadente ,um desejo escondido... Até isso ela levou... Hoje passou por mim na rua, trocou de calçada, fez que não me viu... Seguia em bandos de adolescentes, em gritaria de estudantes, em risos soltos no ar... De vestido esvoaçante, de gargalhadas por nada, ela não sentiu saudades daqui... A casa estava se desmoronando, seus pilares arqueados, ao invés de Milk shake, chá das cinco, ela nunca gostou disso... Ela precisava viver... Foi em busca de outros corpos, de outros sonhos e me deixou ficar... A menina travessa precisava da alegria que eu já não tinha mais, de se perder em devaneios, precisava da beleza,de forças para acender o sol e apagar a lua... Agora que ganhou a chave da casa, de vez em quando faz -me visitas esporádicas em forma de recordações que para nada me servem... Vem em sonhos depois me acorda e me faz fitar um espelho que não reflete o que fui quando ela estava aqui... Não quero as marcas que ela me deixou...São na alma e não no corpo...desse, quase nada restou...Não quero seguir sozinha essa estrada sem beleza, sem risadas, sem nada...Quero o fim de uma história que não acabou...Quero alegria que ela me trazia, a vida que ela me deu...Não conheço essa pessoa que agora vive aqui...Procura-se desesperadamente por mim!