Escola Poema de Rubem Alves
"Amar e ser amado é isso: pensar numa pessoa ausente e sorrir. Ficar feliz sabendo que ela vai voltar. Ter alguém que escute e dê colo, sem dar conselhos. Andar de mãos dadas conversando abobrinhas. Olhar nos olhos da pessoa e sentir que eles estão dizendo: “como é bom que você existe”… ser, simplesmente, sem pensar que há um par de olhos nos vigiando para cobrar algo. Conversar madrugada afora, sem pensar em sexo."
"A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos envoltos pelas sombras. Vez por outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto - não precisa ser um rosto inteiro, basta uma música na voz, uma maneira de olhar, ou um jeito de tocar com a mão... - que, sem razões, faz o belo quadro adormecido acordar. Quando isso acontece, somos possuídos pela certeza de que esse rosto é o que procurávamos desde toda a eternidade... O corpo estremece...
Sábios são aqueles que, da multiplicidade, escolhem o essencial. Simplicidade é isso: escolher o essencial.
Já é mais tarde do que você imagina. Não perca os momentos bons que a vida está lhe oferecendo enquanto você se encontra sobre o abismo.
"Dentro de mim mora um palhaço e um poeta: riso e beleza... Se eu não fosse escritor acho que seria um jardineiro. No paraíso Deus não construiu altares e catedrais. Plantou um jardim. Deus é um jardineiro. Por isso plantar jardins é a mais alta forma de espiritualidade."
Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.
Rubem Alves, para a Folha, em 2003
Somos como os moluscos. Frágeis diante de um mundo imenso e assustador. Tratamos, então, de nos defender: construimos conchas duras de palavras.
A alma é uma cigarra. Há na vida um momento em que uma voz nos diz que chegou a hora de uma grande metamorfose; é preciso abandonar o que sempre fomos para nos tornarmos outra coisa: “Cigarra! Morre e transforma-te! Saia da escuridão da terra. Voa pelo espaço vazio!”
"A morte e a vida não são contrárias, são irmãs. A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir"
O que tenho sentido? Beleza. Nostalgia. Tristeza. Cansaço. Urgência. A curteza do tempo. Um enorme desejo de passar uns tempos num mosteiro, longe de cartas, telefones, micros, viagens, e-mails, curtindo a solidão e a ausência de obrigações.
Cada momento de alegria, cada instante efêmero de beleza, cada minuto de amor, são razões suficientes para uma vida inteira. A beleza de um único momento vale a pena de todos os sofrimentos.
''Pois a memória é o estômago da mente...
Para ali vão as comidas mais variadas: umas saborosas e de digestão fácil, outras amargas e impossíveis de serem digeridas.''
"Resta quanto tempo? Não sei. O relógio da vida não tem ponteiros. Só posso dizer: carpe diem - colha o dia - como um morango vermelho que cresce à beira do abismo. É o que eu faço".
(Em “Sobre o otimismo e a esperança” – Concerto para corpo e alma. Página 160 – Editora Papirus – Campinas – São Paulo, 2012).
"A cigarra subterrânea começou a sonhar sonhos de ar livre e voos. Saiu da terra. Sua casca não era mais capaz de suportar a vida que crescia dentro dela. Arrebentou. E dela surgiu um outro ser, alado, pneumático. Nós, seres humanos, somos como as cigarras. Só que nossas cascas são feitas com palavras."
Longe do outro é possível amá-lo. Na distância ele não perturba sua bela imagem. Ela está no retrato, como sempre esteve, congelada eternamente.
O amor nasce, vive e morre pelo poder -delicado- da imagem poética que o amante vê no rosto da amada. O amor prefere a luz de velas. Talvez porque seja isso tudo o que desejamos da pessoa amada: que ela seja uma luz suave que nos ajude a suportaro terror da noite."
A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte. Ela nos aterroriza por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não
sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma com a outra, e desta conversa surge a Beleza... Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois...”.
(Do universo à jabuticaba)
A moda é o sucesso. Um famoso conferencista anuncia com letras enormes: “O seu lugar é o pódio”. Imaginemos que assim seja. Jogos Olímpicos. Corrida de 100 metros rasos. Aí ele diz para todos: “O seu lugar é o pódio!”. Os corredores disparam. Só um deles arrebenta a fita. Nas Olimpíadas, são pouquíssimos os que vão para o pódio. Isso vale para a vida inteira. Então, alguma coisa está errada.
O mais provável é que o dito conferencista esteja mentindo para manter-se no pódio à custa da credulidade das pessoas. Quem acredita que o seu lugar é o pódio está sempre estressado, competindo, tentando passar na frente. Quem não tem pretensões ao pódio vive uma vida mais alegre. Não é preciso chegar na frente.
Mas há uma seita que anuncia como palavra de Deus: “Você está destinado ao sucesso!”. Não sei onde descobriram isto. Pelo menos o Deus cristão não promete sucesso para ninguém.
(“Ostra feliz não faz pérola”)
