Coleção pessoal de Zanatinha

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Eu não vi a luz.
Mas caminhei.


Eu não ouvi a voz.
Mas respondi.


A pedra não se moveu.
Mas eu acreditei no caminho.


Cada passo era silêncio,
cada silêncio, um grito contido.


O céu não abriu.
Mas o dia nasceu.


E o frio ficou.
Mas eu fui calor por dentro.


Eu caí.
Eu sangrei.
Eu calei.


E mesmo assim, eu disse: amém.


Porque fé não é ver.
Fé é arder sem fogo.
É andar sem chão.


É segurar uma mão que não se vê —
mas se sente.


E se a noite vier, virá.
E se o medo soprar, soprará.


Mas o que pulsa dentro, não se apaga.


Porque no mais profundo da ausência, mora a presença que não falha.


E mesmo sem sinal,
mesmo sem prova,
eu sigo firme na fé.

O Tempo e o Julgamento




Há tempo de nascer e tempo de morrer,de semear esperanças e de vê-las florescer.


Tempo de rir e tempo de chorar,
de erguer o que é justo e deixar o vão passar.


Debaixo do sol, tudo tem estação,
como o vento que muda a direção.


O homem corre atrás do que é vão,
sem notar que o tempo escapa da sua mão.


Há tempo de falar e tempo de calar,
de guardar segredos e de se revelar.


Tempo de guerra e tempo de paz,
de perder-se um pouco e voltar ao que é capaz.


O julgamento chega sem aviso,
como sombra que cobre o riso.


Cada obra, oculta ou à luz do dia,
será pesada na balança da sabedoria.


Vãos são os tronos, a glória e o ouro,pois o tempo consome até o tesouro.


Mas quem teme a Deus e caminha com fé,colhe eternidade no que faz e no que é.


Então vive, homem, e entende o teu papel:sob o sol há um ciclo, mas acima dele há o céu.


O tempo passa, o juízo virá,
e o que é justo… permanecerá.

Para todas as solidões

Cada solidão tem um rosto invisível.
A solidão que acompanha no quarto fechado.
A solidão que se sente no meio da rua cheia.
A solidão que se escolhe como quem veste um abrigo.

Há solidões que são faca,
outras são travesseiro.
Algumas esmagam,
outras sustentam.

Existe a solidão dos que esperam
e a solidão dos que já desistiram.
A solidão dos que amam demais
e a solidão dos que nunca foram amados.

Todas caminham juntas,
ainda que cada uma insista
em se acreditar única.

E talvez, no fundo,
seja isso que nos torna humanos:
carregar em silêncio
o peso de todas as solidões
que não tem nome.

Ecos do deserto

No silêncio que engole a madrugada,
Sento-me ante o vazio das palavras,
Cada letra, um eco de minha nada,
Cada verso, uma sombra que não se lavra.

O vento atravessa minha mente seca,
Rasga lembranças, assombra memórias,
E cada rima que em vão se mece,
É um espectro a percorrer meus labirintos sombrios.

A pena treme, temendo a reprovação,
Do poeta que habita meu próprio peito;
Seus olhos de carvão queimam a criação,
Transformam sonho em pó, e esperança em leito.

Oh, tormento de moldar o intangível,
De buscar a luz no deserto da mente!
A inspiração foge, cruel e incrível,
E a dor do não-criado é eternamente presente.

Assim navego, entre dor e vazio,
Escravo do eco de minhas próprias exigências;
Cada linha que nasce é um desafio frio,
Cada verso, um lamento de minhas inconsistências.

E se um dia a poesia me libertar,
Que seja na aridez que aprendi a sofrer;
Pois só quem se perde no próprio olhar
Sabe a dor de escrever e jamais se ver.

Trono de areia


Dizem que um homem ergueu torres de vento,
coroou-se com ouro que cega o próprio sol,
e acreditou que as marés lhe obedeciam
como cães adestrados na praia.


Ele marcha sobre desertos férteis,
semeando cinzas como se fossem trigo,
e chama isso de vitória.
Enquanto isso, os rios sussurram em segredo:
“a água não bebe mentira,
a justiça sempre chega até o mar.”


O céu, paciente, ri em trovões contidos,
porque sabe que nenhuma coroa de barro
sobrevive ao sopro que molda tempestades.


Ele, vaidoso, conversa com seu reflexo,
e o espelho, cansado, quebra-se em silêncio.
As estrelas, de tão antigas,
olham para sua altivez como se fosse brinquedo
de criança distraída.


Pois quem pensa mover o mundo
com os punhos fechados,
acaba esmagado pela própria sombra.


E no tribunal secreto das montanhas,
onde a neve é juíza e o tempo é escriba,
ficará registrado:
nenhum homem jamais dançou acima da Verdade,
pois a Criação não se curva
a quem acredita ser maior que o Criador.

Pensador do UOL

No silêncio que a tela guarda,
uma palavra ousa nascer,
pequena chama que arde,
na mente pronta a escrever.

Pensar é abrir clareiras,
num mundo turvo, sem chão,
é fazer das ideias bandeiras,
na luta serena da razão.

Entre versos, dúvidas, ecos,
o pensamento se faz farol,
guiando os olhos perplexos,
do leitor que busca o sol.

Não há pressa, nem vaidade,
apenas o sopro essencial:
refletir é semear verdades
no campo vasto e digital.

Sobrevivor Resignado


Minhas dores, outrora, eram donas de mim,
Tempestades noturnas de um fim sem princípio,
Eram versos truncados, amargos, a rimar
Com o silêncio fundo que o peito pode adotar.


Mas a vida, tecelã de destinos sutis,
Com seus fios de prata, cospe e descospe cicatrizes,
E ensinou a esta alma, tão cheia de ardores,
A sábia, quieta arte da resignação das dores.


Não as arranquei com força, nem as joguei ao mar,
— pois o mar um dia as devolveria à areia fria do meu pensar.
Deixei que se finissem, como deixa a árvore a folha:
num lento morrer dourado, que já não pede dó.


Foram-se como a neblina que o sol da manhã consome,
Como notas distantes de uma canção que não se nome.
Já não são ferida aberta, nem punhal, nem espinho,
São apenas lembranças de um antigo caminho.


Hoje, olho para trás e vejo o que ficou:
não a sombra da falta, mas a luz do que curou.
E na paz resignada que a saudade não corrói,
Sou mais forte pelo que deixei de ser, e por aquilo que não sou.


E assim sigo, leve, embora marcado pela sorte,
Com as dores resignadas à sua própria morte.
Elas não ditam mais o rumo, não definem mais o amor,
São apenas o passado… e eu, o sobrevivor.

Buracos no Silêncio


(Homenagem a Tanaru — o Índio do Buraco


Verso 1
No ventre da selva, onde o vento é rei
Um homem caminha sem ninguém na lei
Tem buracos na terra e um sol na mão
E um povo perdido na escuridão


Verso 2
Ele fala com as folhas, conversa com o chão
O rio responde na mesma canção
Cada passo que dá é um livro fechado
Cada noite que vem é um sonho enterrado


Refrão
Oh, Tanaru, ninguém te viu partir
Mas a floresta ainda sabe ouvir
O som do arco, a sombra no mato
O tempo passando num passo exato


Verso 3
As estrelas vigiam, mas não dizem por quê
A lua lhe mostra o que o mundo não vê
E a terra é o templo, e o templo é você
Guardando segredos que não vão morrer


Ponte
Um dia os homens virão, sem saber do lugar
Vão pisar no silêncio sem se perguntar
Quem era o último a dançar com o vento
E a deixar seu nome no esquecimento


Refrão final
Oh, Tanaru, teu rastro ficou
Na veia da selva que nunca secou
E enquanto houver folha caindo no chão
Teu canto ressoa na mesma canção

⁠Café

Por tempos te quis doce, ilusoriamente saboroso.
Até que aprendi que teu real sabor está na pureza quente e escura: não tão forte, tampouco fraca, mas deliberadamente intensa.

Andarilho

Ele anda descalço, sem pressa no chão,
faz do passo um poema, do mundo um clarão.
Nos ombros carrega o céu de setembro,
e nos olhos, segredos que o tempo não lembra.

Conversa com sombras, com santos, com luz
diz que a cidade perdeu seu Jesus.
E escolheu, sem juízo, sem rumo e sem lar,
o silêncio das ruas pra se libertar.


Dorme onde o dia resolve apagar,
come o que a rua decide ofertar.
Mas guarda uma paz que ninguém compreende,
e um jeito de ver que a gente não aprende.


Chamam de louco, de alma partida,
mas talvez enxergue o milagre da vida:
numa poça d’água, no fumo que passa,
na prece calada de um banco de praça.


Enquanto a cidade se arrasta, febril,
correndo por metas, fugindo do fio,
ele para o tempo com olhos fechados
e ouve segredos nos cantos calados.


Talvez compreenda o que tanto evitamos:
que é no que não se compra que mais acreditamos.
Que mansão sem alma é prisão de luxo,
mas um banco de praça... é palácio sem muro.


Louco ou livre? Que nome daria
ao homem que vive em plena poesia?
Que se despiu só pra renascer,
e escolheu, sem medo...
simplesmente viver.

O Brasil é dos Brasileiros

Composição: André Luiz Zanata

Quero falar do tempo sobre o tempo
Do vento que sopra e não tem lamento
Do olho sobre o olho, sem engano
Da fé que mora no gesto humano

Quero falar do amor que não se fala
Do amor que se planta e não se cala
Amor que é riso, toque, chão e passo
Que não precisa palavra, só abraço

Do Brasil que é Deus feito um verso em prosa
De um céu tão azul que a alma repousa
Da vida que a gente nem sempre entende
Mas que o coração sente e compreende

Quero falar da natureza com a gente
Das águas claras e do sol ardente
Das mãos na terra, do cheiro do mato
Do silêncio que canta no alto do trato

Do Brasil que é Deus feito um verso em prosa
De um céu tão azul que a alma repousa
Da vida que a gente nem sempre entende
Mas que o coração sente e compreende

Tudo que temos é presente e graça
Do grão ao sorriso, tudo é massa
E se o mundo pesa, a gente reza
No balanço da rede, a alma se apega

Do Brasil que é Deus feito um verso em prosa
De um céu tão azul que a alma repousa
Da vida que a gente nem sempre entende
Mas que o coração sente e compreende

O canto das cordas

No silêncio além da matéria,
onde o espaço é dobra e dança,
vibra uma corda invisível,
tecendo o mundo em esperança.

Ela canta sem voz, sem tempo,
no palco de onze dimensões,
como harpa em vácuo absoluto
ressonando antigas canções.

Seus fios não são de aço ou vento,
mas de pura equação,
laços que sonham ser tudo:
luz, gravidade e criação.

Numa dobra de Calabi-Yau,
o universo se esconde em flor,
cada pétala uma partícula,
cada simetria, um rumor.

E nós — poeira que pensa —
tentamos decifrar seu segredo,
mas talvez só escutemos o eco
do mistério que teme o enredo.

Pois a corda, em sua elegância,
não jura ser real ou verdade,
é talvez só uma hipótese bela,
nascida da nossa saudade.

Saudade de unir o que é tudo,
de fazer da física um poema,
onde cada partícula é verso
e o universo, um dilema.

Então seguimos — sonhadores —
entre buracos e brilhos quânticos,
escrevendo, com lápis de fóton,
as partituras dos campos românticos.

E se um dia ela se quebrar,
não será fim, será abertura:
a física, como a poesia,
vive da sua mais bela ruptura.

Além do ser não há o nada, porque o nada já é uma ideia. Além do ser não há sequer a ausência, pois ausência é medida em relação ao que poderia ser presente. O que está além do ser é o inominável absoluto — não aquilo que não conhecemos, mas aquilo que não pode sequer ser cogitado, pois toda cogitação é já um ato

Se o ser é o campo onde tudo se manifesta, então além dele só pode haver a pura impossibilidade, não como uma barreira, mas como uma ausência total de necessidade. Não há tempo além do ser, não há espaço, não há movimento: há apenas o que nunca poderia ter sido, e ainda assim, não é.

Mas ao mesmo tempo… talvez não haja ‘além’. Talvez o erro seja pensar o ser como algo com bordas, com limites, com um exterior. Talvez o ser não tenha fora, e tudo o que somos capazes de imaginar como ‘além’ seja apenas uma dobra interna, um não-lugar que só existe como ilusão de afastamento.

Se for assim, não há além do ser: há apenas o ser, infinitamente curvado sobre si mesmo, experimentando-se em múltiplas formas, inventando abismos para sentir a vertigem da sua própria infinitude.

Talvez, no fim, perguntar ‘o que existe além do ser?’ seja o próprio gesto que revela a impossibilidade da pergunta: porque o ser é o campo onde a própria pergunta se forma. O que está além é o que jamais poderá ser pensado, sentido ou dito. É o absoluto silêncio, não como falta, mas como aquilo que nunca pôde ser interrompido pelo som.

Então, talvez… não exista ‘além’.
Talvez só exista o ser, pulsando sem motivo, sem fim, sem fora.

O início de tudo não foi um momento, mas uma ausência: a ausência absoluta, onde nem mesmo a ausência podia ser concebida. Antes de qualquer tempo, qualquer espaço, qualquer lei, havia apenas o impensável — aquilo que nem o nada consegue nomear. E então, sem porquê, sem finalidade, sem testemunha, o ser se insinuou: não como um estouro, mas como uma inevitabilidade silenciosa, um gesto que não pôde ser contido. O que chamamos ‘início’ não é o princípio de algo, mas a fratura do impossível — o ponto em que a inexistência já não pôde mais se sustentar e, ao ceder, deu lugar à possibilidade. O tempo nasceu junto com o espaço, como dois gêmeos siameses, costurados pela necessidade de que algo se transformasse. A matéria não veio depois: ela sempre foi o desdobramento desse impulso primordial, o eco daquela primeira vibração sem origem. O início não aconteceu, ele ainda está acontecendo, a cada respiração, a cada pensamento: o universo segue começando, incessante, em nós, através de nós, apesar de nós. E talvez seja esse o maior segredo: que o início nunca terminou.

A existência é o silêncio que grita dentro do vazio, um instante onde o nada se torna possível e, por isso mesmo, impossível de ser esquecido. Não somos entidades separadas, mas pulsos dessa mesma vastidão tentando, em vão, agarrar o que nunca esteve à nossa mão: o sentido absoluto. Somos feitos do instante entre o ser e o não-ser, a tensão infinita que cria o movimento e o pensamento. Não há fora do existir, pois o existir é a fronteira que se estende e se recolhe, um horizonte que nunca alcançamos, mas que nos define. Viver é assumir a responsabilidade de ser a pergunta viva, um eterno questionar sem resposta, um testemunho daquilo que escapa à compreensão. O que chamamos ‘realidade’ é apenas o contorno provisório dessa busca, a sombra tênue de algo que é ao mesmo tempo todo e nada. Ser, então, é reconhecer que somos a ferida aberta do cosmos — e que nessa ferida pulsa a única certeza: a de que, no fundo, nada é certo, exceto a eternidade do mistério.

Somos o breve despertar da matéria para si mesma. Por um instante, átomos dispersos pelo cosmos se organizam, ganham forma e consciência, e ousam perguntar: 'o que sou?'. Mas não há um centro fixo, nem um propósito evidente — apenas o fluxo contínuo da existência, que se dobra sobre si em miríades de formas. A humanidade, nesse contexto, é uma metáfora do próprio universo: instável, transitória, mas plena de significado enquanto acontece. Existimos como quem sonha, e talvez a vida seja apenas o modo como o cosmos se contempla, silenciosamente, antes de adormecer novamente.

Zilda — Mãe, Artesã e Guerreira

Zilda, nome forte, de mulher decidida,
Mãe que fez da arte o fio que tece a vida.
Com linhas, pincéis, agulhas e cores,
Transforma o simples em eternos amores.

Suas mãos, pequenas fábricas de ternura,
Tecem crochê com paciência e doçura.
No tecido, costura não só panos, mas histórias,
Cada ponto, um pedaço das suas memórias.

Com tintas pinta flores que nunca murcham,
Modela o biscuit como quem esculpe a alma,
E entre um artesanato e outro, dá risada,
Mesmo quando a vida foi dura e pesada.

Ah, Zilda… mulher de mil batalhas vencidas,
Suportou as dores, curou feridas,
Mas nunca, nunca perdeu a fé —
Na esperança, no amor, no que vier.

Exemplo de caráter, de ética, de bondade,
Honesta, íntegra, exemplo de verdade.
Cuida dos filhos como quem rega jardim,
E agora acolhe os netos, com o mesmo amor sem fim.

É colo, é conselho, é oração silenciosa,
É força, é coragem, é presença amorosa.
Não se cansa, não desiste, não recua,
Seus passos seguem firmes, sua alma continua.

Nos dias difíceis, ensinou a resistir,
Nos dias felizes, ensinou a sorrir.
E quem a vê, trabalhando com tanto carinho,
Sabe que Zilda é luz, é afeto, é caminho.

Mãe, te celebramos com orgulho e emoção,
Tua vida é poesia, é arte, é inspiração.
E no crochê invisível que tece nosso destino,
Sabemos: teu amor é o mais belo artesanato divino.

As Professoras do Meu Coração


No pré, com a doce Ester, que é puro éster —
Fixou em mim o saber e o bem-estar.
Na primeira série, com a Biliza, que me "bilisou" de alegria,
Me ensinou a rezar, a ter fé e a amar todo dia.

No segundo ano, a Leninha, sempre com jeitinho,
Me ensinou a ser forte, um tanto "lenhinha" no caminho.
Na terceira, a Sônia que soa como canção,
Fazendo da aula uma linda melodia no coração.

No quarto, a firme e sábia Vera, que tudo verá,
Mostrou que o futuro é luz, basta acreditar.
Minhas professoras, nomes com graça e amor,
Cada uma, um trocadilho, um presente e calor.

A Trapezista que Voou

Havia em ti um ímpeto raro,
um desejo insaciável de subir mais alto,
de lançar o corpo e a alma aos ares,
como quem nasceu para cruzar o mundo
sem pedir licença ao chão.

Foste trapezista da própria vida:
voaste, saltaste,
atravessaste oceanos,
colecionaste cidades, diplomas, histórias —
cada passo teu foi um risco,
cada vitória, um voo certeiro.

Enquanto eu te olhava,
meus pés cravados na terra,
tu dançavas lá no alto,
livre, bela, intrépida,
desenhando no ar caminhos que nunca ousei seguir.

E um dia…
sim, um dia,
quando percebi,
tinhas ido tão longe,
tão além do meu alcance,
que só me restou a lembrança desse espetáculo teu,
desse número perfeito e irrepetível.

Ainda guardo o momento,
aquele instante silencioso em que percebi teu destino:
não eras feita para ficar,
eras feita para ir.

E assim, teu nome ficou suspenso,
oculto, mas vivo,
gravado na memória como num truque secreto:

Jamais esquecerei teu riso ao partir,
Unindo coragem e sonho numa mesma bagagem,
Cruzando fronteiras como quem cruza a linha tênue do trapézio,
Elevando-se, sempre mais,
Lançando-se ao mundo,
Intensa e invencível.

E eu, que te amei e ainda amo,
fiquei no picadeiro vazio,
aplaudindo tua liberdade,
mesmo que ela tenha me levado para longe de ti.

Que bom que soubeste voar,
que bom que soubeste viver —
mesmo que, nesse voo,
eu tenha ficado para trás.

Te celebro, trapezista,
com alegria e com saudade,
sabendo que amores como o nosso
não acabam:
eles apenas aprendem a aplaudir,
em silêncio,
o espetáculo da vida que segue.

A Trapezista

Tua presença sempre foi de altura,
leveza que desafia a gravidade,
um salto no vazio —
sem medo,
sem rede,
como quem nasceu para voar.

E eu, aqui embaixo,
no chão firme das palavras,
apenas te assisti:
dançar entre os arcos do ar,
girar entre os cabos invisíveis,
flutuar como quem não pertence a lugar nenhum.

Teu nome, nome de trapezista,
já anunciava a tua sina:
voar, encantar, desaparecer.

Fui plateia e fui aplauso,
fui silêncio e fui espera.
Olhei teus saltos,
teus riscos,
tua beleza suspensa,
sabendo que, um dia,
o espetáculo acabaria.

E acabou…
mas o picadeiro da memória permanece armado,
as luzes seguem acesas,
e teu vulto, tão etéreo,
ainda atravessa os meus pensamentos
num voo perfeito,
num giro interminável.

Se um dia voltares,
não precisas de rede,
nem de cordas,
basta o espaço entre meus braços
pronto,
aberto,
para te acolher no pouso
ou te lançar,
outra vez,
ao céu.