Coleção pessoal de rodriguesnutshell

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aquilo que meu amigo me disse




imagina só gostar de alguém
e esse alguém não ser seu.
fica só o refrão,
refazendo-se em mantra,
pulsando, pulsando
a cada batimento.


meus beijos já não têm
o mesmo gosto.
doce teu
me encanta,
afasta os outros.
e o tempo passa
sem você,
sem você.


e o que posso dizer?
fico ansiando nós,
gastando os lábios
ligada a mim,
ligada a mim,
até o ponto de escolher ficar
só,
esperando um “sim”
ou um “não dá mais...”.


peço a deus para esquecer,
mas só de pedir,
lembrei.


então, por favor,
mesmo sem saber que estou aqui,
minha lua, minha flor,
cante comigo,
cante comigo,
em silêncio,
no amanhecer.


mas você será sempre amada
por alguém
que talvez nunca saiba
dos sonhos que teve
comigo

Perfume de canela




Eu te vejo
dançando nas sombras do meu quarto.
O seu perfume eu cheiro
no café passado pela manhã
(com canela).
Ainda guardo teu gosto
nos dias que arrastam meus pés
sem querer.


Coisas que não se encontram por aí,
principalmente quando se está procurando.


Te encontro no avesso das horas,
nas frestas da memória,
nos intervalos do riso,
onde o silêncio respira teu nome.


E mesmo sem estar,
você permanece —
como marca d’água,
como cicatriz,
como música que insiste em tocar
quando já desliguei o rádio.

Silêncio




Músicas que ressoam o nada,
gritam — o ouvido estraçalha.
O meu cúmplice que vira,
esse silêncio guardado.


E esse silêncio rasga,
atravessa a alma fraca,
como penitência fria,
quietinho me abraça.


Silêncios que gritam,
verdades caladas.
Grito preso
é silêncio armado,
municiado e vestido
de luto sagrado.


Fala mais alto
que o fôlego permite.
Calado, ele grita;
gritando, ele cala.


Cárcere privado
dentro de mim,
confortável veneno.
O silêncio revela
o que o barulho disfarça,
o que a palavra teme,
o que o tempo guarda.


E o que o silêncio guarda?
Além de segredos, mentiras e piadas?
E o que ele mata?
Além das verdades, vontades e a alma?


Guarda cartas nunca enviadas,
guarda abraços negados,
guarda beijos molhados,
guarda o gosto amargo
dos “nunca mais”
e dos “quem sabe um dia”.


Mata risos pela metade,
mata sonhos no olhar cansado,
mata desejos acorrentados,
mata o amanhã no ontem enterrado.


Não falo do silêncio externo,
mas daquele interno,
que a gente tranca e alimenta,
pouco a pouco, com migalhas.


Silêncio que abraça,
engolindo palavras,
sufocando pensamentos,
despindo a alma.
Como eu o calo?


Escrevo em tormento
nesse silêncio que me acompanha
dia e noite,
enquanto trabalho,
enquanto rio,
enquanto falo,
enquanto disfarço.


Ele se deita comigo,
divide o travesseiro,
morde o meu sono.
É sombra no peito,
é nó na garganta,
é frio na barriga,
é relógio parado.


E quando penso que partiu,
ele retorna, paciente,
sentando-se à mesa
com um prato vazio.
(esperando as migalhas)
Come do meu cansaço,
bebe da minha espera,
e ri sem fazer barulho.


O silêncio não é ausência,
é presença severa,
é voz oculta,
é juiz sem sentença.
No fim, pergunto:
se eu quebrar o silêncio,
o que sobra de mim?

neurônios


bebendo álcool, matando neurônios.
o quão bêbado é o suficiente?
cada gole executa milhares —
mas tudo bem,
temos bilhões de reservas.


primeiro, morrem as células tristes:
abrimos sorrisos largos, falsos.
depois, caem as quietas:
e falamos alto,
sem motivo algum.


as idiotas são as próximas —
e cada frase soa genial,
cada piada, obra-prima.


então chegamos às da memória...
essas não morrem fácil.
agarram-se ao copo,
gritam dentro da cabeça,
insistem em sobreviver.


e no fundo da garrafa,
vejo o espelho.

⁠sangue e lápis


asas da liberdade
entre linhas
algo que poucos
podem captar
perdi-me e me refiz
em refúgio abstrato,
disforme.

depois que te conheci,
ó Poesia,
ganhei forma no caos
que era meu rosto
torto.
meu eu-lírico
tornou-se
meu sangue,
meu respirar,
meu garfo.

dou corpo à dor,
a entalho—
para que ela
encontre o cinzel
e ali morra.

me dissolvo na escrita;
morro no papel
para renascer em cada linha.
se um dia eu calar,
morremos juntos:
verso e peito.
entre escrever e alívio,
escolhi sangrar.

quem escreve pra curar
continua doente.

⁠floresta


tal qual um herbívoro
pastaria, lento,
nessa relva úmida —
beberia orvalho
(um doce noturno)
até que a floresta
toda se desmanchasse em chuva.

(e eu, fitófago)

ao morder teu broto
e inundar-me dela,
jamais secarei:
porque após a chuva
fica entre as folhas
o brilho da falta —
água que não evapora.

mas não há fim
para quem bebeu
de tua fonte:
o gosto que
a boca guarda
(não se perde)
— é eterno
como sede.

e teu rio,
que em mim virava mar
brotava até o que não era semente,
na boca de outro herbívoro —
secou.
antes que ele pudesse beber.

(risos)

⁠provocação II


som:
esquisito radical que sem
som
bra de —
dúvidas
te as
sombram.

pois se existe
(?)
algo que
exista mais que palavras,
é som
e sombras,
perguntas.

(essa sua inclinada som
brancelha)

no teu peito
se propagam
as mesmas perguntas
mas não ressoa
o som.
e os sons
se misturam,
ao nada,
ao vácuo
e as perguntas.
e não há nada
que possamos fazer.

(sobre esse ensom
breado em você)

absolutamente nada
a respeito
do som
da sombra
das perguntas
dos por quês.
“e se’s?”

(e as razões
do seu existir?)

se perguntar:
qual a finalidade
de coexistir
à realidade?
consegue aceitar?
que não há verdade?

(e todas essas perguntas?)

no vácuo
adquirir a habilidade,
em meio a complexidade,
de simplesmente
sentir
seu som.

(e na hora de cantar,
desafinar no tom.)

⁠provocação II
(um rascunho de pele)


es pa ço
entre nós:
meu
s
u
s
s
u
r
r
o

(quero te machucar de tão bonita que você é)

risca o ar —
seco —
(risco
risos
risco
risos
risco)


---


toque?
(mentira.
só o ar
que você roubou
do meu pulmão.)

(a alça do seu sutiã escapou do ombro por descuido?)


---


sumiço?
(mentira.
só o eco
do meu hálito
na sua boca fantasma.)

(apaguei quatro metáforas aqui: todas mentiam)


---


vontade?
(verdade e,
contra minha vontade,
te xingando
sem maldade
encerro a escrita
te deixando na...)
reticência.

ringue redondo

quero brigar.
te nocautear com um abraço,
te cobrir de porradas de amor,
quebrar tuas costelas com cócegas,
rasgar tua pele com carinhos,
te asfixiar com um beijo,
e te matar de afeto.

odiando você
enquanto beijo

essa boca

que me devora.

⁠provocação I


(o que você sente quando ninguém está olhando?)

quem te ensinou
a fazer charme com o trauma?
usar tristeza
como perfume,
esperar aplauso
pelo olhar vazio?

te acho linda com raiva,
e sinto pena
do texto ensaiado
de "não sei o que sinto".

(cresce um tédio
onde deveria haver mistério)

me provoca, vai.
fala do teu passado ruim,
como quem canta
uma música pop.

(não resistem
a uma mulher
em ruínas,
não é isso
que dizem?)

teu silêncio
chega sempre
depois da tragédia,
mas nunca antes.
e eu finjo que não vejo
a performance da lágrima
no timing perfeito.

(esse seu cinismo
manteve a gente em pé.)

vem, me escreve um poema
como ferida de estimação.
me chama de babaca
com sotaque de dor.

mas lembra:
quem se despe demais
vira vitrine de si mesmo.
teu corpo
(e o meu)
é palco,
tua dor — roteiro.
eu, só plateia.

o palhaço
que aplaude em pé:
gostosa.

⁠opióide I


abre espaço
pro entorpecimento.
confusão — coração
lasso.
a sensação
do esgotamento
se esvai
em um abraço.
o traço, o laço
que entorpecia
desaparece num
retrato opaco.
letargia.
silêncio,
dormência,
espaço.

a melodia da monotonia
encontra na nostalgia
o ópio
(da poesia)
e a brisa da inércia
suspende, cessa.
sufoca a essência.
despe a alma
com delicadeza adversa.
a sensação do cansaço
encontra,
enfim, na cama, abraço.

alquimia do corpo.
torpor —
afunda travesseiro.
e o universo
mergulha em inteiro
esquecimento,
lento.

escrevo nos versos,
brincando de alquimista,
enquanto esbagaço
o pedaço
da harmonia
que novamente
encontra poesia —
e juntos
formam magia
(em suave contraste)
com a agonia.

simpatia desencontra
a euforia,
a alegria
vira utopia
(sonho acordado)
com a calmaria —
como se,
em alquimia,
essa anestesia tecesse
uma sinfonia
que se perde
em fantasia.

e os tormentos morrem
injetados entre sílabas
e remédios dourados.

⁠opióide II


devaneio sussurrado
sufocando
em versos brandos,
a morfina das metáforas,
delírios brancos.
néctar, veneno,
remédio insano,
êxtase puro
em sonho arcano.

arpejo mental,
torpor visceral,
perfuração física —
dança letal,
remédio e veneno
num ciclo final.

abre espaço
para o vazio
silêncio —
a aorta dormiu.

a vertigem se desfaz
em névoa e sombra
o que da realidade me separaria
antes, ao sangue, se assimilaria.

arpejo mental —
anestésico
de braço aberto:
dança pura
entre remédio
e perfume.

e o universo
é um cobertor
de esquecimento.

⁠opióide III


escrevo versos
como quem afia pétalas
de papoula
leitosa sangria
sussurando letargia
pra folha
sinestesia líquida
(e a poesia)
é o único néctar
que nunca intoxica.

(reprovado no toxicológico).

porta


passam velhos,
passam jovens,
passam felizes,
miseráveis.
passa a vida,
e ninguém nota.

abre, fecha.
fechadura seca,
chave de carne,
pulsa, sangra,
expulsa.

soleira, solitária.
passam mulheres,
ciganas, anjos,
feias, magras,
gordas, felizes,
miseráveis.

rangem
meus pecados nas
dobradiças inquestionáveis
da velha porta.

passo, tropeço,
nunca reparo
como algo
tão simples
e ordinário
meu batente
abre as portas
do meu peito
trancado.
butiquim enfer-
rujado

agora fecho.
maçaneta dura,
travada.
viro a chave,
cerro o quarto.

não vem,
não vai,
não leva,
não traz,
não volta,
não abre mais.

⁠ apenas resta

a indiferença,
silêncio gélido,
tem o hábito de
atrofiar qualquer
traço de compaixão.

o rancor,
raiva em brasa,
tem o dom de rasgar
em fúria
meu bom senso.

o amor,
feito saudade,
tem o costume de virar poesia
e fugir de mim.

e eu,
sombra e afeto,
tenho a sina de
me perder em tudo
e não sobrar em nada.

e você?
perdeu algo
que nunca teve?
ou nunca percebeu que faltava?

⁠parasitologia I


o verme que primeiro
roeu as entranhas
a saudosa lembrança
ficou por aí

(assim, sem ponto final,
como coisa que não termina)

multiplica-se
tecidos
novos
sepse
em microgênese
da vida
à morte
fermenta
por dentro

(o branco das páginas
sangrando
nas margens)

altamente
contagioso
simbiose
desigual
infecção
lenta
necrose
mortal
ferida
aberta
na alma
descoberta —
encoberta
a dor
desperta
e a chaga
infesta.

(e o silêncio entre os versos
é o som do vírus se reproduzindo)

⁠parasitologia II


apodrece no ar
no contato
no palato
gangrena
a veia
o suor escorre
em linhas de mapa

(geografia
da doença)

vício
viscoso
morto?
nunca.
contamina
a todos:
reflexo
pálido
ego frágil
escamas
brancas
restos
de micróbios
inflamação
no espírito,
erupção
na derme
e pus
no coração

grito
calado
com olho
cerrado

véu
hum
ano
e luta
por

le
go

pulmões,
um saco de mel

(doce
e sufocante)

⁠parasitologia III


corpo
febril
toque
sutil
fado
senil
riso
infantil
a noite cresce
como micélio
nos cantos...

(fungos na alma)

infecção
vai além:
raízes
infestadas
de pústulas
negras
espalham-se
em dermes,
roupas
retratos
amores
vermes
e o que
por elas
passam
encontram:
pus
nos cantos
pretos
e lágrimas
no espelho

(rindo de nervoso)

toxina
exótica,
instinto
apático
oxida
a carne
rasga
a pele
delira
a mente
sempre desce —
e o tempo escorre
como seiva grossa.

(devagar enquanto apodrece)

pulmão afogado,
berros encharcados,
sonhos errados
em corpos fechados.
células morrendo,
estradas cedendo,
horas tremendo,
tempo moendo
e nada.

(só o ponto final,
como tampa de caixão)

⁠lápide de açucar


atravessando a rua, fui atravessado.
caminhão de sorvete me deixou gelado.
almíscar e sangue, doce e amargo.
rosa, azul e um branco pálido.

dançando junto
em cima do asfalto,
corpo fechado,
pé numerado.
meu túmulo
caramelizado,

que jeito melado
de morrer.
e apesar da dor, virei sabor:
sorvete derretido,
perdeu o valor.

agora sou história,
verso travado,
epitáfio doce
e congelado.

⁠retratos


passa-se do momento
de colocar tudo
que me lembra você
na caixa de sapatos
e enfiar-te no escuro
do meu móvel.

só por tempo suficiente
para esquecer,
esquecer,
essas memórias.

mais pedras para a
coleção fúnebre,
cemitério doméstico:
rostos pálidos,
mortos,
gravados nas fotos,
vivos, velhos.
esperando apenas
um olhar.
e assim alegrar,
transformar
e lembrar
antes de retornar
pro lugar
escuro.

e relembrar dos tempos,
velhos momentos,
jogados ao vento.
doces lembranças,
na caixa velha,
suja,
podre,
que,
no dia dezenove de março
me trouxe,
de dois mil e vinte e cinco.

e logo depois,
quando eu terminar,
só restará
o breve instante,
perdido no tempo,
voltando ao nada,
ao não sofrimento.
na caixa,
esquecimento.
sem ninguém pra olhar.

e foda-se.