Coleção pessoal de mvf

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A voz de uma passarinho me recita.

Pensava que escrevia por timidez, por não saber falar, pelas dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava, arfava. Há muitos que ainda acreditam que começaram a escrever pela covardia de abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me declarava para quem gostava pelo papel, e não pela pele, ainda que o caderno seja pele de um figo. O figo, assim como a literatura, é descascado com as unhas, dispensando facas e canivetes. Não sei descascar laranjas e olhos com as unhas, e sim com os dentes. Com as mãos, sei descascar a boca do figo e o figo da boca, mais nada. Acreditei mesmo que escrever era uma fuga, pedra ignorada, silêncio espalhado, um subterfúgio, que não estava assumindo uma atitude e buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas não. Escrever é queimar o papel de qualquer forma. Desde o princípio, foi a maior coragem, nunca uma desistência, nunca um recuo, e sim avanço e aceitação. Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro. Deixar a solidão da voz para fazer letra acompanhada, emendada, uma dependendo da próxima garfada para alongar a respiração. Baixa-se o rosto para levantar o verbo. É necessário mais coragem para escrever do que falar, porque a escrita não depende só de ti. Nasce no momento em que será lida.

O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore.

Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

Quando o mundo abandonar o meu olho.
Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo.
Que hei de fazer.

Poesia é voar fora da asa.

Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.

Afundo um pouco o rio com meus sapatos.
Desperto um som de raízes com isso
A altura do som é quase azul.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Um fim de mar colore os horizontes.

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.

As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Por viver muitos anos dentro do mato
Moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
Por igual
como os pássaros enxergam.

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, -
até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Natureza é uma força que inunda como os desertos.

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.