Coleção pessoal de LEONARDOPAIVA

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Do mesmo papel em que lavrou a sentença contra um adúltero, o juiz rasgará um pedaço para nele escrever umas linhas amorosas à esposa de um colega.

A perfeição não é atingível. Mas se perseguir a perfeição, podemos alcançar a excelência.

Nossos sonhos não são constituídos de coisas que podemos ver. Assim, devemos nos cegar momentaneamente para podermos enxergar com mais clareza e exatidão, nossas genuínas intenções.

Há sempre uma faixa de Gaza perto de nós; um conflito a ser vencido, um perdão a ser concedido, um abraço de paz a ser oferecido.

Há sempre a pequena chance de o impossível rolar.

Você tem de agir. E você tem que estar disposto a fracassar... se você tem medo de fracassar, não irá muito longe.

Há uma cena que quero comentar: o encontro de Alice com o gato. Na cena, Alice está perdida, e de repente, vê no alto da árvore o gato. Ela olha para ele lá em cima e diz assim:


Alice:"Você pode me ajudar?"
Gato: "Sim, pois não."
Alice:"Para onde vai essa estrada?"
Gato:"Para onde você quer ir?"
Alice:"Eu não sei, estou perdida."
Gato: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve."

Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a este artifício conseguimos suportar o passado.

TIRE-O DA CABEÇA

Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?

Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!

Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.

Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva.

Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.

Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.

Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai.

O mundo é tão pequeno
Que eu lhe procuro
E não lhe acho
-
(Por) Onde você andou
Que todo dia eu lhe via?
-
Ora, mas pior seria se pior fosse

DESESPERANÇA
Enquanto minha rosa morre,
sofro por nao poder salvá-la
É estranho, mas sentimento é bom
Acho que o sofrimento é necessário,
Será que gosto da Dor?
Será que sua morte me faz bem?
Ou Será que faz mal e eu nao consigo decifrar?

Não sei, minha rosa morre,
E eu continuo olhando-a
Não faço nada, gosto...

ROSA... ESPINHO

Pago a impaciência
desta paixão ansiosa
por te querer
em meu caminho..

quis colher a rosa
feriu-me o espinho.

Muita coisa importante falta nome. Foi o
que nos disse Guimarães Rosa…
No que eu sinto, realmente, falta esse tal
nome, mas enquanto isso, eu apenas
sinto.

Impaciência

Eu queria dormir
longamente…
(um sono só…)
Para esperar assim
o divino momento que eu pressinto,
em que hás de ser minha…

Mas…
e se essa hora
não devesse chegar nunca?…
Se o tempo,
como as outras cousas todas,
te separa de mim?!…

Então…
ah!, então eu gostaria
que o meu sono,
friíssimo e sem sonhos
(um sono só…)
não tivesse mais fim…

Se eu pudesse correr pelo tempo afora,
vertiginosamente,
futuro adiante,
saltando tantas horas tediosas,
vazias de ti,
e voar assim até o momento de todos os momentos,
em que hás de ser minha!…

Mas…
e se esse minuto faltar
nas areias de todas as ampulhetas?…
E se tudo fosse inútil:
a máquina de Wells,
as botas de sete léguas do Gigante?!…

Então…
ah!, então eu gostaria
de desviver para trás, dia por dia,
para parar só naquele instante,
e ele ficar, eternamente, prisioneiro…
(Tu sabes, aquele instante em que sorrias
e me fizeste chorar…)”

Se fosse só eu a chorar por amor, sorriria.

Posso até conviver com as cobras, mas nunca rastejarei com elas.

a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos.

A Velha Amiga

Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudade de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro.

Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim presença atual.

Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.

A vida é uma coisa que tem de passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.

Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou expirimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude.

Meu Deus, acha-me capaz de atitudes, pensa que eu me rebaixaria a isso? Pois então eu lhe digo que essa capacidade de morrer de saudades, creio que ela só afeta a quem não cresceu direito; feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodasse nunca à pele nova. Mas nós, como é que vamos ter saudades de um trapo velho que não nos cabe mais?

Fala que saudade é sensação de perda. Pois é. E eu lhe digo que, pessoalmente, não sinto que perdi nada. Gastei, gastei tempo, emoções, corpo e alma. E gastar não é perder, é usar até consumir.

E não pense que estou a lhe sugerir tragédias. Tirando a média, não tive quinhão por demais pior que o dos outros. Houve muito pedaço duro, mas a vida é assim mesmo, a uns traz os seus golpes mais cedo e a outros mais tarde; no fim, iguala a todos.

Infância sem lágrimas, amada, protegida. Mocidade - mas a mocidade já é de si uma etapa infeliz. Coração inquieto que não sabe o que quer, ou quer demais.

Qual será, nesta vida, o jovem satisfeito? Um jovem pode nos fazer confidências de exaltação, de embriaguez; de felicidade, nunca. Mocidade é a quadra dramática por excelência, o período dos conflitos, dos ajustamentos penosos, dos desajustamentos trágicos. A idade dos suicídios, dos desenganos e, por isso mesmo, dos grandes heroísmos. É o tempo em que a gente quer ser dono do mundo - e ao mesmo tempo sente que sobra nesse mesmo mundo. A idade em que se descobre a solidão irremediável de todos os viventes. Em que se pesam os valores do mundo por uma balança emocional, com medidas baralhadas; um quilo às vezes vale menos do que um grama; e por essas medida, pode-se descobrir a diferença metafísica que há entre uma arroba de chumbo e uma arroba de plumas.

Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade a que chegamos, você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos.

A gente vai se aferrando a hábitos, a pessoas e objetos. Ai, um um dos piores tormentos dos jovens é justamente o desapego das coisas, essa instabilidade do querer, a sede do que é novo, o tédio do possuído.

E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos.

Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e de cada porto nos manda um postal, para indicar que já embarcou.

(Crônica publicada no jornal "O Estado de São Paulo" - 13/01/2001)

Eu não vou me censurar para agradar sua ignorância

O Lampejo

O poema não voa de asa-delta
não mora na Barra
não freqüenta o Maksoud.
Pra falar a verdade, o poema não voa:
anda a pé
e acaba de ser expulso da fazenda Itupu
pela polícia.

Come mal dorme mal cheira a suor,
parece demais com o povo:
é assaltante?
é posseiro?
é vagabundo?
frequentemente o detêm para averiguações
às vezes o espancam
às vezes o matam
às vezes o resgatam
da merda
por um dia
e o fazem sorrir diante das câmeras da TV
de banho tomado.

O poema se vende
se corrompe
confia no governo
desconfia
de repente se zanga
e quebra trezentos ônibus nas ruas de Salvador.

O poema é confuso
mas tem o rosto da história brasileira:
tisnado de sol
cavado de aflições
e no fundo do olhar, no mais fundo,
detrás de todo o amargor,
guarda um lampejo
um diamante
duro como um homem
e é isso que obriga o exército a se manter de prontidão.