Coleção pessoal de ItaloSamuelWyatt

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DESCOBRIMENTO
(A João Cabral de Melo Neto)

Quando durmo, os ardores tropicais fazem-me chacoalhar na cama. Então, vejo o Cabral descobrir-me - o filho do Brasil. Ele vem, sorrateiramente e sonso como quem conduz - da proa - a primeira embarcação. E adentra nas áridas terras do meu peito de poeta, enfinca bússola no vazio-caatinga, dá-me sonhos de fogo, ladainhas, murmúrios e desvãos. Assim, comunica com os meus reis e musas além-continente, além sete-chaves, além-Luzidia: Península-Ibérica-Mais-Pra-Espanha-Sevilha. Depois de furar a pedra do sono, abre a porta com uma faca só lâmina. Vai-se embora, caminhos agrestes. Fico no desvario, a tecer o amanhã. João, é tu que me colonizas!

A VISÃO DE HELENA BLAVATSKY

Raios chicoteavam o rubro céu da pré-Criação. E o Espírito caminhava sobre a face das águas. Havia a batalha dos Contraditos do Reino. Alguns trovões carregavam as súplicas: "deixai-me pecar, deixai-me ser humano". Alguns tornaram-se demônios, ditadores, terroristas, políticos inflamados. Nós: dignos de pena e graça. E o Cordeiro berrava, ao lado de Eu Sou. O Espírito gemia, gemia, gemia. Foi assim. Eu juro. A Santíssima Trindade translocou-se ao Globo. Flash: mais um. Flash: mais um. Flash: menos um. E os cavalos, os macacos, os corvos? Elevou-se montanhas, a pangeia sentiu-se encolerizada, vulcões furaram nossas arcárias. Viram divindade até num pau-oco, nos arrimos de santos devassos e nas catacumbas de fogo. Eu juro. Eu mesmo vi. Contou-me Helena Blavatsky.

Minha poesia é o outro lado das tuas pupilas
O avesso do olhar
Aquela coisa de interior.

TENTATIVA

Eu te proponho um amor-aspirina. Amor que bate e não recorda, que acorda e não levanta, que passa e não deixa. Um amor-comprimido, que alivia a dor, que amarga na boca mas adoça o estômago, faz efeito. Eu te proponho, depois das aspirinas: a morte. Morrer em seus braços, decompor-me, como pilula na língua que dissolve.

PAVOR

Os jabutis andarilhos corriam corriam. Baixava a cotovia, os lustres arranhavam a lua e o anu melindroso em porfia dilacerava o meu sentimento. Coração tum-tum, a caneta rejeitada, lábios caudalosos e tímidos escondiam os rastros das palavras não ditas. Eu tentei desbaratar as sesmarias usucapidas, tentei romper as possessões várias, o latifúndio de tua presença. Eis que sou errante, errante num verbo imperfeito.
Levantas, abres a porta, apagas a luz. Fico aqui! Fantasmas colados na aldraba. Os jabutis andarilhos corriam corriam. Meus cílios aposentaram. Jabutis jabutis oblíquos e dissimulados. Minhas pupilas se enterraram. Amargas a cotovia, vives anu: sois dia!

- PELO FIM DA SINTAXE!
Rogou o escritor desvairado à procura do inefável.